Por Felipe Bruno Martins Fernandes (UFBA)
Nasceu em Salvador/Bahia no ano de 1931, filha do comerciante Emílio Torres Timótio e da farmacêutica Noélia de Vinhaes Torres. Foi casada com o sociólogo e jurista Antônio Luís Machado Neto, com quem compartilhou, além do sobrenome, uma vasta produção e colaborações acadêmicas e políticas. Obteve o título de Bacharela em Direito em 1955 e o título de Licenciada em Ciências Sociais em 1959, ambos pela Universidade Federal da Bahia. Tornou-se Mestra da primeira turma do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas, hoje Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA em 1969, com um trabalho intitulado “Estrutura Social dos Dois Nordestes na Obra Literária de José Lins do Rêgo” (1971) e seu doutorado em Sociologia iniciado em 1979 na Universidade de São Paulo sob a orientação de Eva Alterman Blay, de título prévio (no momento da qualificação) “Mulher: estrutura de existência e de sobrevivência”, não foi concluído devido à morte prematura com 52 anos no ano de 1983.
O final dos anos 1960 viram aumentar o número de mulheres em carreiras científicas, acompanhado de um movimento de pesquisa, nas diversas áreas do conhecimento, principalmente nas Humanidades, sobre a “condição feminina” em múltiplos âmbitos da vida social. Esses estudos, germes do que posteriormente seriam denominados de “Teoria Feminista” ou “Estudos de Gênero”, contaram com toda uma geração de pesquisadoras que se dedicaram à deslocar a experiência das mulheres para o centro das preocupações acadêmicas. Inspirada pela obra de Helleieth Saffioti e sua geração intelectual, Zahidé Machado Neto foi pioneira no estudo do trabalho feminino no estado da Bahia, com foco na condição da mulher como força de trabalho. Se sua geração analisava o impacto da discriminação laboral das mulheres nas suas famílias e comunidades, também Zahidé Machado Neto, em um segundo momento, focou seu olhar nos efeitos da desigualdade entre os sexos na conformação parental daquele período. Assim, o estudo da condição feminina era de amplo espectro, tendo a mulher como eixo condutor, mas a interpretação da sociedade como resultado. Temas como as “famílias proletárias e sub-proletárias” e a “adultização das crianças”, principalmente no auxílio aos pais na produção da renda familiar e no funcionamento das “famílias sem homens” foram alguns tópicos presentes nos trabalhos da socióloga.
Zahidé Machado Neto tinha uma imensa capacidade de trabalho, tendo atuado na pesquisa e gestão universitárias e tido papel preponderante na criação de coletivos de mulheres em bairros e partido político ao longo de sua vida. Mesmo que o foco central na condição feminina tenha surgido em sua trajetória profissional no final dos anos 1960, a mulher já aparecia em seus estudos sobre Sociologia da Arte, tema que a motivou ao longo dessa década. No período, a socióloga se dedicava às análises das obras trabalhadas nos currículos da educação básica, como “Infância” de Graciliano Ramos, “Doidinho” de José Lins do Rêgo e “O Ateneu” de Raul Pompéia, cujas reflexões estão presentes em seu primeiro livro de relevância intitulado “Sociologia e Romance” (1960). Naquele momento o estudo da condição feminina ou o foco nas experiências das mulheres eram vistos como menos prestigiosos ou importantes para as interpretações sobre o Brasil mas, mesmo assim, Zahidé Machado Neto sempre trouxe à tona em seus trabalhos a vida das mulheres, como apontou na obra:
“a mulher nordestina do interior, trabalhada nos duros sofrimentos da seca, acostumada aos constantes reveses da sorte, a auto defesa, ao bacamarte, ao couro rodeando tudo, não foi adocicada pela sociedade dos canaviais do litoral, pela sombra muito feminina da negra escrava, pela culinária requintada da casa grande” (s/p).
Na Universidade Federal da Bahia iniciou a docência em 1962, como professora auxiliar, ministrando a disciplina de “Sociologia Criminal”. Posteriormente acompanhou o marido na missão para a fundação da Universidade de Brasília (UNB). Ao retornar à capital baiana se tornou professora assistente do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, no qual se concursou para professora adjunta na primeira metade dos anos 1970. Foi colaboradora de várias universidades, dentre elas a Universidade Católica de Salvador (UCSAL), além de ter prestado consultorias importantes para universidades do interior do estado da Bahia, como a Faculdade de Educação de Feira de Santana e a Universidade Estadual de Santa Cruz. Além disso, Zahidé Machado Neto também circulou internacionalmente, principalmente em países como México e França, em que apresentou reflexões sobre mulheres de camadas populares.
No estado da Bahia foi pioneira no ensino da condição feminina no campo das Humanidades. Lecionou, em 1974, a primeira disciplina sobre a temática, intitulada “Sociologia da Família e das Relações entre os Sexos”, no Mestrado em Ciências Sociais da UFBA. No componente, Zahidé Machado Neto explorou a estrutura familiar dentro da perspectiva das ciências sociais e humanas. O programa da disciplina abordou as relações entre os sexos dentro do contexto familiar, a formação de papéis masculino e feminino e a situação das mulheres no mundo do trabalho em outros países, como Estados Unidos, França, Itália e Inglaterra. A disciplina foi divida em 11 unidades, sendo que, em todas, autores clássicos como Marx, Weber e Durkheim eram relidos com as contribuições feministas.
Nesse caminho, Zahidé Machado Neto traçou a sua carreira a partir de três grandes eixos: sociologia criminal, sociologia do romance e estudos da condição feminina. Entretanto, foi no terceiro eixo que ela mais se engajou, em cujas ideias dedicou os últimos anos de sua vida, tendo publicado, por exemplo: “Mulher: vida e trabalho – um estudo de caso com mulheres faveladas” (1977); “Meninos Trabalhadores” (1979); “Mulher, Trabalho e Discriminação: um Estudo Piloto em Salvador” (1980); “As meninas: sobre o trabalho da criança e da adolescente na família proletária” (1980); “A força de trabalho da mulher no espaço do bairro” (1981) e “O que menina ‘pode’ e deve fazer: o papel da criança do sexo feminino na divisão do trabalho da família urbana” (1982).
Zahidé Maria Torres Machado Neto foi uma força criativa e intelectual na Bahia, tendo atuado na produção de conhecimento, no ensino nos níveis de graduação e pós-graduação, na gestão e política universitárias e na política partidária. Suas contribuições, apesar de menos visíveis e citadas nos dias atuais, continuam nos provocando, uma vez que as problemáticas sociais levantadas por ela ainda permanecem como eixos de desigualdades na sociedade brasileira.
Sugestões de obras da autora:
MACHADO NETO, Zahidé; SIMÕES, Luzinete. Mulher, Trabalho e Discriminação: um Estudo Piloto em Salvador, Salvador, Universidade Federal da Bahia,1980.
MACHADO NETO, Zahidé. Sexualidade, Reprodução e Reprodução na Força de Trabalho, UFBA, 1982.
_____. O Papel da Criança do Sexo Feminino na Divisão do Trabalho da Família Urbana, 1982, UFBA.
_____. Políticas Governamentais e a Mulher: a cidadã de segunda classe, UFBA, 1982.
_____. Amélia Revisitada: violência cotidiana contra a mulher, UFBA, 1982.
_____. A Mulher na Força do Trabalho na América Latina, Vozes, Petrópolis, 1982.
_____. Child Work, Development and Change Ed., Institute of Social Studies, The Hague, Nederland, Children and Adolescents in Brazil, 1982.
Sobre a autora:
FERNANDES, Felipe Bruno Martins; DANTAS, Míria Moraes; PEREIRA, Maiara Diana Amaral. Zahidé Machado Neto: uma pioneira dos estudos sobre a mulher na bahia. Aceno, Cuiabá, v. 3, n. 5, p. 108-124, jul. 2016. Disponível em: file:///Users/teste/Downloads/3708-Texto%20do%20Artigo-12574-1-10-20160912%20(2).pdf. Acesso em: 27 dez. 2022.