Heribert Schmitz

Por Sílvio Kanner Pereira Farias (UFPA)
e Éberton da Costa Moreira (UFPA)

Heribert Schmitz, Doutor em Sociologia Rural pela Universidade Humboldt de Berlim, na Alemanha, é um sociólogo do rural amazônico que mantém em sua trajetória um diálogo permanente com o Nordeste do Brasil. Suas pesquisas e atividades acadêmicas ajudaram a consolidar o ensino e a pesquisa na Sociologia Rural, especialmente sobre agricultura familiar e “povos e comunidades tradicionais” na Universidade Federal do Pará.

Nasceu no ano 1946 em Kottenheim, uma pequena aldeia a oeste do Rio Reno logo após a segunda guerra mundial. Heribert viveu nessa região até a conclusão do ginásio, explorando os seus arredores de bicicleta. As duas rodas logo iriam ser de uma moto: aos 16 anos, e aos 18 comprou um dos modelos mais avançados da Honda com recursos de trabalho ocasional nas férias. Foi entre os primeiros alunos que realizaram um intercâmbio escolar entre Alemanha e França como esforço de reconciliação entre os adversários de várias guerras. Concluída a escola, serviu dois anos no exército alemão. Seu interesse por motos e aviões o levaram a optar pelo estudo de Engenharia Mecânica e por isso realizou um dos estágios obrigatórios na fábrica da Krupp, na cidade de Rheinhausen, uma espécie de “tradição familiar”, porque o avô, a tia e o pai trabalharam nessa empresa. Estava estagiando nessa fábrica quando as grandes manifestações de 1968 ocuparam o centro da cena na Europa. No curso de Engenharia Mecânica na Universidade Técnica de Aachen (RWTH) estudou os primeiros dois anos de forma bem disciplinada, mas sem deixar de aproveitar as liberdades da vida estudantil. Apenas depois de ter passado pelas rigorosas provas do exame intermediário, que eliminavam a metade dos estudantes, envolveu-se com o movimento estudantil e com debates da Sociologia. Foi também o momento da emergência da questão ambiental e o tema da energia limpa ou alternativa (não nuclear), que era muito forte na Alemanha, atraiu a sua atenção quando recém-formado. Empregou-se numa empresa de planejamento de trânsito, cujos trabalhos prometiam contribuir para a redução do transporte individual. Teve um posto com bom salário, carreira estável e a possibilidade de uma vida familiar. Mas sua inquietude e espírito livre falaram mais alto, pediu demissão e mudou-se para Berlim, em 1982. O interesse por energia alternativa o levou ao Grupo Interdisciplinar de Tecnologias Apropriadas (IPAT), uma área pioneira que tratava de forma interdisciplinar tecnologia, sociedade, meio ambiente e desenvolvimento, especialmente em relação ao espaço rural do então chamado Terceiro Mundo. Em 1984, tornou-se docente de “Tecnologias Apropriadas para Países em Desenvolvimento” no curso de Desenvolvimento Agrícola Internacional da Universidade Técnica de Berlim.

Nesse período, passou a ter contato mais direto com as tecnologias apropriadas por meio de viagens de pesquisa à Colômbia, Equador, Senegal e Brasil, e resolveu se concentrar na temática de mecanização na agricultura sustentável. Publicou um livro sobre o tema em 1991. Nas duas viagens ao Brasil, em 1987 e 1988, foi acolhido pelo Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR). O instituto tinha reformulado seu trabalho de pesquisa para considerar a abordagem sistêmica. Por sua experiência no Brasil, foi convidado para ser chefe do Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social (SACTES), com sede em Belo Horizonte, entre março de 1990 e dezembro de 1992. Desde então, reside no Brasil.

O professor Heribert, como os alunos carinhosamente o chamam, após sua saída do serviço alemão veio residir em Belém e juntou-se ao grupo que daria origem ao Núcleo de Agricultura Familiar (NEAF) do Centro Agropecuário da UFPA, convidado pela sua experiência com a abordagem sistêmica. Por sete anos – três anos ainda sem vínculo formal – realizou pesquisas com agricultores familiares da região da rodovia Transamazônica sobre a transição do “sistema de corte-queima” (agricultura itinerante) para sistemas mais sustentáveis com o uso da mecanização por tração animal.

A partir dessa cooperação tornou-se professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) em 1996, na condição de visitante e coordenou o Curso de Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável (MAFDS), que começaria naquele ano. A partir de 1997, se tornou supervisor externo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no projeto Lumiar, atuando também na região da Transamazônica, ganhando experiência com a extensão rural, durante muito tempo um tópico central da Sociologia Rural. Nesse período estudou as relações entre técnicos e agricultores, muitas vezes conflituosas, na pesquisa e extensão rural. Esse tema está no cerne da sua tese de doutoramento que trata das relações de poder entre organizações de pesquisa e extensão e do Movimento pela Sobrevivência na Transamazônica.

Em 2004, fez concurso e tornou-se professor de Sociologia do quadro permanente da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e, a partir de 2005, da UFPA, vinculado ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Em seguida, tornou-se docente permanente no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA, nome atual). Seus estudos o fizeram professor de Sociologia Rural para os estudantes de ciências sociais da UFPA, constituindo-se um traço importante de sua identidade docente. Mesmo vinculado ao IFCH, continuou ministrando disciplinas e orientando alunos no MAFDS durante quase três décadas. Nestes anos, escolheu como tema principal a ação coletiva e se dedicou à temática dos movimentos sociais coordenando o Grupo de Pesquisa “Ação Coletiva e Conflitos Sociais no Campo e na Cidade”. As suas aulas na graduação se destacaram por incluir por uma experiência de campo com agricultores familiares e movimentos sociais.

Esse percurso e suas parcerias o levaram a pesquisas sobre as catadoras de mangaba nos tabuleiros costeiros, que contribuíram, inclusive, para fundar o movimento das catadoras. Aqui também entra o tema da gestão coletiva de bens comuns, relacionando mundo rural, movimentos sociais, organizações e economia familiar e enriquecendo o campo da ação coletiva no meio rural. As experiências de pesquisas e a riqueza teórica dos temas tratados demandaram uma forte atenção metodológica, área na qual também se tornou referência na sociologia da Amazônia.

É marcante na sua trajetória e na sua obra, a preocupação com o contemporâneo. Energia renovável (década de 1970), mecanização adaptada à agricultura ecológica (década de 1980), agricultura familiar (década de 1990), ação coletiva (desde a década de 2000) e movimentos sociais (década de 2010).

Contudo, a conjuntura brasileira dos últimos anos é marcada pelo fenômeno das mobilizações da nova direita no Brasil e no mundo, algo que os europeus e o próprio Heribert viram nascer e com o qual tiveram que “conviver” faz muito tempo. Esse tema tem sido então objeto de pesquisas e mereceu uma tese submetida a exame entre os pares para a obtenção do título de professor titular no IFCH/UFPA, em 2021, e que ainda deve render bons frutos.

Heribert Schmitz é um sociólogo do hoje e na Amazônia um sociólogo do rural em todas as suas dimensões, principalmente das ações coletivas.

Sugestões de obras do autor:

SCHMITZ, Heribert. Partizipation und Partnerschaft: Bauern, Forscher und Berater in Brasilien. Weikersheim: Margraf Publishers, 2005. 312p.

SCHMITZ, Heribert. Abordagem sistêmica e agricultura familiar. In: MOTA, Dalva Maria da; SCHMITZ, Heribert; VASCONCELOS, Helenira E.M. (Org.). Agricultura familiar e abordagem sistêmica. Aracaju: SBSP, 2005. p. 19-52.

SCHMITZ, Heribert (org.). Agricultura Familiar: Extensão Rural e Pesquisa Participativa. São Paulo: Annablume, 2010. 352p.

SCHMITZ, Heribert; MOTA, Dalva Maria da; SILVA JÚNIOR, Josué Francisco da; RODRIGUES, Raquel Fernandes de Araújo; JESUS, Nádia Batista de; PEREIRA, Emanuel Oliveira. Conflitos e movimento social: ameaças e reações das catadoras de mangaba. In: MOTA, Dalva Maria da; SILVA JÚNIOR, Josué Francisco da; SCHMITZ, Heribert; RODRIGUES, Raquel Fernandes de Araújo (Ed.). A Mangabeira. As Catadoras. O Extrativismo. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2011. p. 249-290.

SCHMITZ, Heribert; MOTA, Dalva Maria da; SOUSA, Glaucia Macedo. Reciprocidade e ação coletiva entre agricultores familiares no Pará. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 12, n. 1, p. 201-220, jan.-abr. 2017.

SCHMITZ, Heribert; FARIAS, Elielson Soares. Cooperação e persistência: um estudo da ação coletiva de agricultores familiares no Oeste do Pará, Amazônia. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 26, p. 1-22, 2021.