Gustavo Venturi Junior

Por João Filipe Cruz (USP)
e Vanilda Chaves (USP)

Sociólogo, cientista político e pesquisador, Gustavo Venturi Júnior nasceu na cidade de São Paulo, em 17 de junho de 1958. Filho caçula de uma família de imigrantes, sua mãe, neta de portugueses, era dona de casa, e seu pai, de família italiana, técnico em contabilidade. Cresceu no bairro Jardim Paulista, na zona oeste de São Paulo, e durante os primeiros anos estudou no Externato Teixeira Branco. Após a realização de exame de admissão, ingressou, aos dez anos, no Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha, uma escola pública localizada no bairro do Brooklin, em São Paulo. Foi nessa época que teve seu primeiro contato com a pesquisa científica, ao realizar a tabulação de 200 questionários em uma pesquisa sobre o uso do papel carbono. Esse foi o primeiro de muitos trabalhos que realizaria nos anos seguintes, principalmente em projetos com aplicação de metodologias quantitativas e qualitativas. Concluiu o ensino médio no Colégio Objetivo, instituição que, conforme relato próprio, contrastava com a proposta pedagógica de ensino crítico de sua escola anterior (Venturi, 2007).

Em 1976, ao ingressar no curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP), retomou o contato com a pesquisa aplicada, sua vocação de uma vida inteira. Instigado pelo professor Sedi Hirano, à época responsável pela disciplina de Métodos, inscreveu-se e foi selecionado para compor a equipe de pesquisadores que entrevistaram, durante quatro meses, aproximadamente mil operários sobre suas condições de vida e trabalho em uma metalúrgica em São Bernardo do Campo.

Em síntese, a atuação de Gustavo Venturi pode ser estruturada em quatro pilares: investigação acadêmica e em institutos de pesquisa, ensino e consultoria, na fronteira da Sociologia e Ciência Política, conforme apresentaremos a seguir em sua cronologia de formação. Por não ter se restringido a um só campo, sua profícua trajetória revela diferentes possibilidades de atuação tanto na academia como no mercado, constituindo-se como uma inspiração para jovens cientistas sociais em formação que podem observar em sua trajetória inúmeras perspectivas profissionais.

Parte importante da biografia de Gustavo consiste no período em que se afastou da academia para empreender uma viagem de quatro anos pelas Américas. Em setembro de 1977, aos 19 anos, iniciou a viagem – que o afastaria da graduação pelos anos seguintes – com destino ao Canadá, onde atuou como professor de espanhol. Longe das salas de aula da USP, pôde desenvolver outras atividades intelectuais e dar vazão ao pensamento crítico e a suas inquietações sociológicas. Conheceu, principalmente, o Peru, o Equador, a Colômbia, especialmente a cidade de Bogotá, o México, a Guatemala e a Nicarágua. Essa viagem foi uma oportunidade de mergulhar e absorver a cultura desses países, principalmente a literatura hispanoamericana, e observar suas identidades e diferenças culturais, segundo relato próprio. Na Nicarágua, não fugindo à sua vocação de pesquisador, coletou dados, fotografias e relatos – ainda que nunca os tenha publicado – do início da Revolução Sandinista, um momento fundamental para a história recente do país, pois colocaria fim à ditadura que governava o país desde os anos 1930.

De volta ao Brasil, em 1981, retomou a graduação em Ciências Sociais, que viria a concluir em 1986. Durante esse período dedicou-se a trabalhos como pesquisador e professor: trabalhou na coleta de dados para a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), aplicando questionários em domicílios para a Pesquisa de Orçamento Familiar, realizada a cada período de dez anos; deu aulas em um curso supletivo e, ainda, atuou como professor substituto de Geografia para turmas do ensino fundamental de uma escola da rede pública, no bairro do Jabaquara. Na militância estudantil, dedicou-se à articulação e coordenou o censo da população de moradores da favela de São Domingos – onde havia aproximadamente 200 moradias – para apresentação dos dados no 1º Encontro das Favelas do Butantã. Mais uma vez fora do Brasil, em 1983, ministrou durante nove meses cursos de português na Berkeley Adult School, na Califórnia (EUA).

Paralelamente à graduação na USP, em 1985, iniciou o trabalho como assistente de pesquisa no Datafolha, fundado anos antes como um departamento da Folha da Manhã. Como professor de Métodos, Gustavo lecionou na graduação na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, entre 1987 e 1988.

No ano seguinte ingressou no mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia na USP, sob orientação do professor Antônio Flávio Pierucci, defendendo, em 1995, a dissertação “Autonomia e heteronomia em moral sexual: meio social, idade e gênero no desenvolvimento moral”, um trabalho interdisciplinar com abordagens da Sociologia e da Psicologia Social.

Durante o mestrado, seguiu atuando no Datafolha, onde permaneceu por 11 anos, entre 1985 e 1996, dirigindo-o por quatro anos. Participou ativamente da elaboração do desenho de pesquisas (metodologia e técnicas de pesquisa), da análise e da coordenação de mais de mil surveys de opinião pública, centrados em questões político-sociais e comportamentais, e de aproximadamente 400 estudos de mercado. A saída do Datafolha, em 1996, foi seguida pela atuação duradoura como consultor dedicando-se à realização de estudos quantitativos e qualitativos para governos, partidos políticos, ONGs, fundações e empresas de diversos segmentos, contribuindo como especialista em métodos e técnicas de pesquisa para diversas entidades, como o Serviço Social do Comércio (SESC); a Organização Internacional do Trabalho (OIT); e a ONU Mulheres.

De volta à universidade, em 1998, ingressou no doutorado em Ciência Política, realizando uma pesquisa interdisciplinar entre a Filosofia Política e a Psicologia Social. Em 2003, defendeu a tese “Democracia e autonomia moral: universalismo moral e relativismo ético em teorias normativas da democracia”, sob orientação do professor Gabriel Cohn.

Em 2006, foi professor temporário e, no ano seguinte, tornou-se professor efetivo das disciplinas de Métodos e Técnicas de Pesquisa no curso de Ciências Sociais da USP, ministrando-as com outros professores do Departamento de Sociologia. Gustavo foi um dos responsáveis, anos depois, pela reestruturação do projeto pedagógico de Métodos e Técnicas de Pesquisa – que antes consistia em duas matérias que abordavam separadamente métodos quantitativos e métodos qualitativos -, passando a ser integrada em dois módulos consecutivos, ministrada como um curso anual. Além destas, ministrou cursos e oficinas sobre opinião pública, comportamento eleitoral, moralidade e marcadores sociais da diferença. Também foi cotutor do PET – Ciências Sociais (Programa de Educação Tutorial do MEC) e orientou estudantes de iniciação científica na graduação em Ciências Sociais e alunos do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP. No âmbito da então disciplina de Métodos I, contando com o apoio do PET, coordenou com outros professores a aplicação de um survey anual, a fim de mapear o perfil dos ingressantes do curso de Ciências Sociais. Esta pesquisa continua a ser realizada (2006 -) e a sistematização dos seus dados pôde contribuir para os debates sobre o impacto positivo da adoção de políticas de ação afirmativa na universidade pública.

Suas contribuições para a pesquisa aplicada seguiram na sua atuação na Fundação Perseu Abramo, onde criou e estruturou o Núcleo de Opinião Pública daquela entidade e coordenou pesquisas pioneiras sobre cultura política e marcadores sociais da diferença (gêneros e sexualidades, raças, etnias, classes sociais, juventudes e velhices), entre 2007 e 2014. Tais trabalhos, não raro, forneceram importantes contribuições para a elaboração de políticas públicas em diferentes âmbitos administrativos.

Publicou, desde os anos 1990, trabalhos que combinam resultados de investigações realizadas no âmbito profissional e acadêmico; e foram veiculadas em revistas científicas e na imprensa. Seus trabalhos mais recentes centraram-se nos temas de gênero e sexualidade, interseccionalidades e direitos humanos, moralidade e tolerância à pluralidade de identidades, alinhados à uma agenda de pesquisa que vinha desenvolvendo com interesse há muitos anos: a articulação entre teorias construtivistas de desenvolvimento moral, em especial as perspectivas de Piaget e Kohlberg, aliadas à investigação empírica sobre discriminações e intolerâncias sob a ótica da opinião pública. Alguns livros resultantes de trabalhos que Gustavo coordenou em parceria com outros pesquisadores, são: “Agenda Juventude Brasil – Leituras de uma década de mudanças” (2016); “Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado – Uma década de mudanças na opinião pública” (2013); “Indígenas no Brasil – Demandas dos povos e percepções da opinião pública” (2013); “Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil” (2011); “Direitos Humanos – Percepções da opinião pública” (2010); e “Racismo Cordial” (1995).

A atuação de Gustavo não se limitou ao que foi apresentado até aqui: foi pesquisador associado do Núcleo de Prevenção da Aids (Nepaids-USP); do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos (IEA – USP); do grupo de pesquisa Opinião Pública: marketing político e comportamento eleitoral (CNPq – UFMG); e do Centro de Estudos de Opinião Pública (CESOP – Unicamp) – sendo que foi um de seus fundadores, em 1992, representando o Datafolha. Também foi coordenador do Núcleo de Sociologia, Gênero e Sexualidade (NÓS-USP) e, enquanto assessor do Escritório USP Mulheres, conduziu a pesquisa “Interações na Universidade de São Paulo” (2018). Além disso, participou em diversas frentes na USP: foi coordenador adjunto do Consórcio de Informações Sociais (Anpocs/USP); e representante do Departamento de Sociologia na Comissão de Direitos Humanos da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, desde 2017, presidindo-a no biênio de 2019/2020. Nessa função, apresentou propostas para o enfrentamento de discriminações étnico-raciais, de gênero, LGBTfóbicas e ações de cuidado à saúde mental.

Com uma vida dedicada à investigação científica e ao trabalho docente, Gustavo Venturi foi um profissional sensível e curioso e, atento às demandas de seu tempo, esteve engajado e comprometido com a construção de um mundo menos desigual. Faleceu em 12 de janeiro de 2022. Deixou saudades para aqueles que tiveram a sorte de conviver e aprender com ele e também uma imensa contribuição para as Ciências Sociais brasileiras e para a formação de uma nova geração de pesquisadores, motivados a investigar os problemas sociais e políticos a partir de suas complexidades teórico-metodológicas.

Sugestões de obras do autor:

COUTO, Marcia; GRANGEIRO, Alexandre; VENTURI, Gustavo; LEVY, Renata. Rendering visible heterosexually active men in Brazil: A national study on sexual behaviour, masculinities and HIV risk. Current Sociology, v. 66, n. 5, p. 704-723, 2018.

VENTURI, Gustavo. Consumo de drogas, opinião pública e moralidade: motivações e argumentos baseados em uso. Tempo Social (Online), v. 19, p. 159-186, 2017.

VENTURI, Gustavo. Cultura de violência e drogas ilícitas no cotidiano juvenil. In: Regina Novaes; Gustavo Venturi; Eliane Ribeiro; Diógenes Pinheiro. (Org.). Agenda Juventude Brasil. Leituras sobre uma década de mudanças. 1ed. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2016, p. 175-189.

VENTURI, Gustavo. PT 30 anos: crescimento e mudanças na preferência partidária. Impacto nas eleições de 2010. Perseu: História, Memória e Política, v. 5, p. 197-214, 2010.

VENTURI, Gustavo. O universalismo ético: Kohlberg e Habermas. Lua Nova (Impresso), v. 36, p. 68-84, 1995.

Sobre o autor:

PASQUINI, Patrícia. Mortes: Amante da natureza, foi um mestre em ouvir e ensinar. In: Folha de S. Paulo. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/01/mortes-amante-da-natureza-foi-um-mestre-em-ouvir-e-ensinar.shtml. Acesso em: 10 dez. 2022.

VENTURI, Gustavo. Memorial Circunstanciado. 2007. Disponível em: https://www.fflch.usp.br/sites/fflch.usp.br/files/2017-11/Gustavo_Venturi.pdf. Acesso em 10 dez. 2022.

VOCACIONAL – Uma aventura humana. Direção: Toni Venturi. São Paulo: Mamute Filmes e SescTv, Olhar Imaginário, 2011. (78 min.).