Marielle Franco

Por Lia de Mattos Rocha (UERJ)

Nascida em uma família de migrantes do Nordeste em 1979, Marielle Franco foi criada na Favela da Maré, bairro do Rio de Janeiro onde moravam em 2010 cerca de 140 mil pessoas (Censo 2010). Favelas são alvo de estigmas e criminalizações, mas são também lugar de resistência: a história da Maré e de seus moradores é também uma história de luta e organização coletiva, o que se refletiu diretamente na trajetória de Marielle. Foi a organização coletiva de seus moradores que criou, em 1988, o Pré-Vestibular Comunitário na localidade, onde eram feitas discussões políticas sobre as injustiças do mundo e como transformá-lo. Marielle foi aluna do Pré-Vestibular em 1998, e essa experiência marcou sua vida. Posteriormente foi aprovada na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro para cursar Ciências Sociais, com uma bolsa para estudantes pobres oriundos da Maré. Assim começou sua carreira acadêmica, sempre ligada à sua origem favelada e suas preocupações sociais e políticas.

As experiências no Pré-Vestibular e depois na PUCRio abriram para Marielle um mundo novo. A militância nos Direitos Humanos, a participação em partidos políticos (primeiro no Partido dos Trabalhadores e depois no Partido Socialismo e Liberdade), o trabalho como assessora parlamentar do Deputado Estadual Marcelo Freixo, a coordenação da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e, em 2016, a eleição como vereadora. A carreira política de Marielle foi rápida, ascendente, e todos nós que acompanhávamos sua trajetória tínhamos certeza que ela estava destinada a grandes realizações.

Sua campanha foi um marco na história política da cidade. Com a bandeira de ser uma mulher, negra e favelada militante dos direitos humanos, ela conseguiu o apoio de outros moradores de favelas, de intelectuais, dos movimentos negro, de mulheres, de jovens universitários que viam naquela mulher tão diferente dos outros candidatos uma oportunidade de fazer outra política. A campanha de Marielle articulava ideias que hoje são incontornáveis no léxico político, como representatividade, interseccionalidade, luta antirracista e contra todas as formas de opressão. Dos 51 vereadores eleitos no Rio de Janeiro em 2016, apenas seis eram mulheres e apenas um, além de Marielle, era negro. Ela foi eleita com surpreendentes 46.502 votos, sendo a quinta mais votada na cidade e a segunda mulher com o maior número de votos.

Antes de ser eleita, Marielle defendeu – ainda em 2014 – sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Administração, sob orientação da Prof. Joana D’Arc Fernandes Ferraz. Com o título “UPP – A Redução da Favela a Três Letras: uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”, a dissertação discute as raízes sociais que legitimam a submissão dos moradores de favelas, por meio da análise do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O trabalho apresenta as resistências populares e as alternativas para se produzir uma outra segurança pública que considere a vida e a cidadania dessa enorme parcela de cidadãos brasileiros, da qual Marielle fazia parte e era representante. A dissertação colabora para o debate sobre a necessidade de desmilitarização da Polícia Militar e abertura das instituições policiais para a participação da sociedade civil – que inclui, na perspectiva defendida por Marielle, fundamentalmente os moradores de favela, excluídos sistematicamente deste debate. Em 2018, após sua morte, a dissertação foi publicada pela Editora n-1 (FRANCO, 2018).

Era para lutar pelo direito de favelados, negros e negras, LGBTQIA+ e mulheres de participarem da vida política que Marielle orientou seu mandato, encerrado de maneira violenta pouco depois de um ano de sua posse.

O atentado que vitimou Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foi um terrível golpe em nossa vida política recente. Marielle foi executada, na noite do dia 14 de março de 2018, com quatro tiros. As investigações até hoje não foram capazes de identificar os mandantes desse crime. Após sua morte vimos muitas demonstrações de racismo e ódio contra sua figura, que quase cinco anos depois ainda desperta a raiva dos poderosos. Mas sua morte despertou também muita revolta, indignação e vontade de continuar sua luta.

Nos meses que se seguiram ao seu assassinato milhares de pessoas foram às ruas exigir “Justiça para Marielle e Anderson”, no Brasil e no mundo. Marielle foi e continua sendo muito homenageada, tornando-se símbolo de resistência e coragem. Por isso a pergunta “Quem mandou matar Marielle Franco?” permanece atual e urgente: nela está contida a possibilidade de construirmos um país mais justo e igualitário, onde violências e massacres não sejam naturalizados, e onde seja possível viver como defendia o slogan de sua campanha “Ubuntu – eu sou porque nós somos”.

Sugestões de obras da autora:

FRANCO, Marielle. UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro. São Paulo: Editora N-1, 2018.

Sobre a autora:

ROCHA, Lia de Mattos. A vida e as lutas de Marielle Franco. Revista Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, v. 16, n. 42, 2018.