Elizabeth Fiúza Aragão

Por Irapuan Peixoto Lima Filho (UFC)

A academia é um espaço social com vários meandros e permite realizar percursos distintos. Elizabeth Fiúza Aragão é destaque justamente por não encerrar uma trajetória óbvia, mas investir no diálogo da ciência com a sociedade, outros públicos e atores, e na formação de sociólogas/os capazes de atuar na comunidade. Crescida em um ambiente repleto de arte, na verdade, Beta (como é conhecida por todos) nasceu em 09 de junho de 1951, em Fortaleza, Ceará, filha de um médico anestesista que faleceu aos 47 anos, em 1965, deixando cinco filhos, uma viúva e uma família em uma situação financeira difícil. Coube à mãe, Ignez Fiúza, tal responsabilidade, transformando-se numa marchand, dona de galeria, curadora de exposições e importante “patrona” das artes da cidade.

Transitando nesse cenário, Elizabeth Fiúza se viu envolvida pelo interesse no humano, na compreensão da questão social, e ingressou na graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1971 como parte da quarta turma do curso (inaugurado em 1968), em plena Ditadura Cívico-Militar, e viveu o que chamou de “período de silêncio”, marcado pela prisão de estudantes, torturas, expulsões da universidade e um clima de perseguição ao pensamento crítico.

Convicta de que queria ser professora, em 1974, se tornou docente das disciplinas de Sociologia na Escola de Serviço Social, instituição independente que seria, poucos anos depois, integrada à nascente Universidade Estadual do Ceará (UECE). Ela faria o Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento pela UFC em 1978, na primeira turma do curso, pesquisando as relações de trabalho na indústria têxtil do estado, num momento em que o setor fabril passava por uma transformação, saindo do modelo tradicional (ou arcaico) advindo do século XIX e passando à profissionalização exigida pelo financiamento de caráter desenvolvimentista do Estado.

A temática da indústria continuou a ser desenvolvida na década de 1980, quando participou do primeiro grupo de pesquisa organizado das Ciências Sociais do Ceará, liderado pela professora Tereza Haguette, o Núcleo de Documentação Cultural (NUDOC), voltado a formar sociólogos cujos trabalhos pudessem ser utilizados pelo Estado, sociedade civil e iniciativa privada, e no qual realizou a primeira sistematização histórica da indústria têxtil do Ceará.

O Brasil vivia então o contexto de redemocratização e a efervescência de movimentos sociais e políticos, com reorganização do Estado e ampliação da sociedade civil. A preocupação em formar um corpo de sociólogos que pudesse efetivamente atuar como profissionais em prol da sociedade, na gestão e monitoramento de políticas públicas, assessoria de movimentos sociais, partidos políticos e da iniciativa privada mobilizou um corpo de professores (da qual ela fez parte) com o propósito de criar um curso de Ciências Sociais na UECE, inaugurado em 1989.

Sempre tive um pensamento de levar a universidade para fora, levar a academia para o extramuros, para não ficar encastelada. Eu tinha isso quase como uma missão.

No novo curso, Elizabeth Fiúza teve um papel fundamental em duas ações complementares. Primeiro, a partir de 1993, ao lado da professora Fátima Villanova, no projeto de extensão “Conhecendo e se fazendo conhecer”, na qual foi realizada uma pesquisa com os egressos de Ciências Sociais, para em seguida, num esforço de “cavar” oportunidades de empregabilidade e estágio, mobilizar estudantes a dialogarem com atores e experiências nas quais pudessem atuar profissionalmente, fosse na gestão pública, em órgãos da sociedade civil organizada ou na iniciativa privada. Pouco depois, ela e o professor Domênico Battocchio fundaram o primeiro grupo de estudos daquele curso, voltado à pesquisa dos bairros da cidade por meio da confrontação de dados oficiais e outros colhidos em campo, promovendo discussões com a comunidade e o levantamento de demandas, o que deu origem ao GPDU (Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão: Gestão Pública e Desenvolvimento Urbano), em 1998.

Em 2002, as pesquisas sobre a indústria têxtil e o diálogo com a sociedade civil organizada renderam frutos quando Beta foi convidada pelo Sindicato das Indústrias Têxteis do Ceará para ampliar o antigo estudo do NUDOC, e organizar um extenso levantamento dos 120 anos de indústria têxtil no Ceará, à frente de uma equipe de sociólogos em trabalho de campo e pesquisa documental que entrevistou empresários, sindicalistas e funcionários, resultando numa obra que vai além do mero registro histórico, mas faz uma análise do desenvolvimento social da industrialização no estado em etapas sucessivas. O sucesso da publicação motivaria a realização de uma segunda edição ampliada dez anos depois.

Elizabeth Fiúza se aposentou da universidade em 2003 e, então, fez o Doutorado em Sociologia na UFC, estudando as mudanças no mundo do trabalho com a restruturação produtiva, flexibilização e seu impacto nos jovens. Fora da universidade pública, atuou no ensino superior privado e fez pesquisas sobre memória, longevidade e envelhecimento, o que abriu um novo capítulo de sua carreira para a produção de biografias. Ela descobriu a interessante possibilidade de reflexões sobre cultura, comportamento, visões de mundo e desenvolvimento da cidade a partir do olhar de sujeitos específicos, não somente “celebridades”, mas essencialmente, sujeitos ordinários, cujas trajetórias singulares e olhares sensíveis permitem realizar narrativas que extrapolam o lugar comum e, como ela disse, tornam possível encontrar o extraordinário naquilo que parece (apenas parece) ser ordinário.

Dessa forma, a trajetória de Elizabeth Fiúza Aragão permite demonstrar como o fazer sociológico encontra diversas maneiras de se apresentar e contribuir à sociedade seja no mundo acadêmico, seja além dele.

Sugestões de obras da autora:

ARAGÃO, Elizabeth Fiúza. Relações de trabalho na indústria de Fortaleza. Fortaleza: Mestrado em Sociologia do Desenvolvimento/ UFC, 1983. Coleção Pesquisa Social, v. 2.

ARAGÃO, Elizabeth Fiúza. A trajetória da indústria têxtil no Ceará: o setor de fiação e tecelagem – 1880-1950. Fortaleza: Edições UFC/ Editora Stylus/ NUDOC, 1989. NUDOC: Coleção Estudos Históricos, v. 2.

ARAGÃO, Elizabeth Fiúza; FREITAS, Giovani J.; SANTOS, João Bosco F.; ALMEIDA, Rosemary O. (orgs.). Fortaleza e suas tramas: olhares sobre a cidade. Fortaleza: EdUece, 2008.

ARAGÃO, Elizabeth Fiúza. Os sentidos do trabalho para jovens universitários. Revista O Público e o Privado, Fortaleza, vol. 11, 2008, p. 109-121.

ARAGÃO, Elizabeth Fiúza et al. O Fiar e o Tecer: 130 anos da indústria têxtil no Ceará. Fortaleza: Sinditêxtil/ LCR, 2014.