Valter Roberto Silvério

Por Danilo de Souza Morais (FHO e UFSCar)

Nascido em maio de 1956, na cidade de São Paulo, Valter Roberto Silvério é filho de pai metalúrgico e mãe trabalhadora doméstica. Desde criança, a partir da compreensão vinda de sua família, aprendeu que a possibilidade de mobilidade social ascendente era por meio da educação formal. Na escola, entretanto, uma das experiências mais marcantes foi com um professor que lhe disse: “você é muito inteligente, mas é uma pena que seja negro”. Neste momento teve a solidariedade dos colegas de turma, que rechaçaram o professor e, desde então, apenas assistiam às aulas daquele docente virados de costas a ele. Este evento de discriminação racial, em sua trajetória escolar, segundo Valter Silvério, foi determinante para sua escolha em ser professor, para que o exercício de sua docência propiciasse uma formação diferente aos/às educandos/as.

Na juventude chegou a cursar alguns anos de Engenharia Química, sem finalizar a graduação na área, foi militante no movimento estudantil e em organização trotskista, bem como no movimento negro. Iniciou sua formação enquanto sociólogo com a graduação em Ciências Políticas e Sociais, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1985). Na pós-graduação seu mestrado foi em Sociologia realizado na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1992) e o doutorado, em Ciências Sociais, na Universidade Estadual de Campinas (1999). Desenvolveu posteriormente estágio pós-doutoral em duas instituições: no Instituto Internacional de Sociologia Jurídica de Oñati, País Basco (2006); e no Goldsmith College, University of London (2017). Desde 1992 é docente na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), como professor titular do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia.

É um dos intelectuais responsáveis pela consolidação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UFSCar (criado em 1991), uma das experiências frequentemente referenciadas nacionalmente, enquanto espaço – com participação de estudantes e docentes negras/os e não negros/as –, que de forma multidisciplinar e transdisciplinar contribui com a pesquisa, extensão e ensino de temas relevantes aos/às afro-brasileiras/os,  o reconhecimento da África e sua diáspora. Para esta contribuição, dentre outras/os importantes intelectuais e educadores/as, compartilhou da liderança na construção do NEAB com Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – referência maior no tema da educação das relações étnico-raciais no país.

A contribuição expressiva de Valter Silvério à extensão – entendida enquanto forma criativa, como descreveu em algumas oportunidades – está na perspectiva tanto do envolvimento ativo da universidade com questões a serem transformadas na vida social e em mudanças institucionais (na educação formal, por exemplo), mas também como meio de engajamento de estudantes e apoio à sua permanência, como sempre fez pela busca em garantir bolsas aos/às extensionistas, para realização e conclusão de seus estudos com melhores condições materiais. Destaca-se, neste campo, o papel pioneiro que desempenhou ao coordenar, a partir do NEAB/UFSCar, o programa de formação continuada de professores/as denominado “São Paulo: educando pela diferença para a igualdade (2003-2006)”, iniciativa do Conselho Estadual da Comunidade Negra, em parceria com o governo do estado de São Paulo e em diálogo com organizações do movimento negro. O Programa envolveu estudantes da graduação e da pós-graduação como educadores/as, deslocados/as para municípios de todas as regiões do estado –, para auxiliar uma das primeiras iniciativas de implementação no ensino público, por meio da oferta de cursos aos/às professores/as da educação básica de SP, para formação adequada à então recente mudança na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura da África e dos Afro-brasileiros (Lei 10.639/ 2003). Promoveu-se no “projeto São Paulo”, como frequentemente era referido, significativa sinergia entre universidade e educação básica, assim como a potencialização da agência dos ainda poucos estudantes negros/as – num contexto anterior à implementação em larga escala de ações afirmativas para acesso ao ensino superior. Junto de muitas ações semelhantes derivadas do programa e promovidas pelo NEAB/UFSCar, o “projeto São Paulo” marcou positivamente a trajetória de dezenas de então estudantes universitários/as e mais de oito mil professores/as da rede estadual de SP (ainda na 1ª edição), que realizaram os cursos do referido programa.

No contexto das primeiras duas décadas do século XXI, Silvério teve papel destacado para a defesa e implementação – na agenda pública nacional – de políticas de ação afirmativa, em especial no ensino superior[1]. Ainda no plano nacional atuou, na primeira gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Ministério da Educação (MEC), em uma das coordenações da então Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), entre 2004 e 2005. Apesar do breve período no MEC, foi diretamente responsável pela construção do 1º edital UNIAFRO (Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas Instituições Públicas Federais e Estaduais de Educação Superior), instrumento inovador e que apoiava, a partir de recursos financeiros do ministério, os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros de Universidades Públicas e outras iniciativas nestas instituições, que promovessem ações afirmativas para a população negra.

Deve-se sublinhar, para uma melhor leitura das contribuições à Sociologia de Valter Silvério, a primeira vez que teve contato com uma biblioteca especializada em estudos de África, no estágio sanduíche na Northwestern University (Chicago/ EUA, 1997-1998), algo que influenciou decisivamente sua carreira, desde seu doutorado, em que foi orientado por Octavio Ianni. A partir das descobertas desse momento para a pesquisa que levaria ao seu trabalho de doutorado sobre a racialização, Além da influência de Ianni, conforme explica em sua tese para professor titular, Silvério localiza pontos significativos no decorrer de sua carreira, em que se destacam as experiências na África do Sul, Líbia, Zimbábue, Gana, Etiópia, Angola, Camarões, além de visitas à China e ao Japão (SILVÉRIO, 2022). A estas viagens aos continentes africano e asiático, somam-se mais de dez anos de trabalho em projetos relacionados à obra História Geral da África(da original General History of Africa – GHA), liderando (de 2007 a 2010), a partir do Brasil, o projeto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) de tradução e adaptação da obra para o português dos oito volumes; e desde 2013 o exercício da vice-presidência do International Scientific Committee, voltados à elaboração de três novos volumes (IX, X e XI), a serem agregados à referencial obra (GHA – UNESCO).

Tais experiências se constituem relevantes para que, nos últimos anos, Silvério tenha avançado numa agenda de pesquisa e intervenção que busca compreender o pensamento e política transnacional da diáspora africana – reinterpretando uma história do pensamento e ação protagonizados por estes sujeitos e suas relações. Uma agenda que, mesmo situada nas condições empíricas do sul geopolítico global, não se dissocia das dinâmicas dominantes e emergentes das antigas metrópoles coloniais, dos imperialismos de ontem e de hoje. Propõe, a partir desta via, uma renovação da imaginação sociológica – inspiração na perspectiva de Wright Mills, reinformada em autores como Stuart Hall e Paul Gilroy –, que instigam uma sociologia política e do conhecimento, pela análise da agência criativa negra/africana na diáspora. Esta aposta numa nova imaginação sociológica, coloca-se como alternativa crítica, ao mesmo tempo, à branquitude e aos novos essencialismos – aos quais adere uma parte da agenda associativa e de certos movimentos sociais contemporâneos, inclusive imbricada às atuais dinâmicas do capital. Sua perspectiva de trabalho é alternativa às interpretações canônicas (e minimalistas) sobre relações raciais no Brasil, que focam raça enquanto categoria e em seus efeitos em termos de estratificação social, mas às quais escapa a compreensão dos processos de racialização e sua relevância para a configuração da hegemonia – não apenas nos Estados Nacionais, mas também no plano transnacional. Compreender a plasticidade dos processos de racialização, inclusive as condições em que se pode desconstrui-la, conforme argumenta Valter Roberto Silvério, é indispensável à efetiva transformação social, que não se limita aos quadros de interpretação e ação no espaço-tempo nacional.

Sugestões de Obras do Autor:

SILVÉRIO, Valter Roberto. Ação afirmativa e o combate ao racismo institucional no Brasil. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), São Paulo, v. 117, p. 219-246, 2002.

SILVÉRIO, Valter Roberto; SILVA, P.B.G; BARBOSA, L.M.A. (Orgs.) De preto a afro-descendente: trajetos de pesquisa sobre o negro, cultura negra e relações étnico-raciais no Brasil. 1. ed. São Carlos: EdUFSCar, 2003.

SILVÉRIO, Valter Roberto; ELIOTERIO DOS SANTOS, H.; OLIVEIRA DA COSTA, F.; NASCIMENTO DE MELO, C.   W. E. B. Du Bois no centro: da Ciência, do Movimento de Direitos Civis, ao Movimento Black Lives Matter. Revista ABPN, v. 12, p. 367-387, 2020.

SILVÉRIO, Valter Roberto. Transnacionalismo negro diáspora africana: uma nova imaginação sociológica. 01. ed. São Paulo: Intermeios Casa de Artes e Livros, 2022.

SILVÉRIO, Valter Roberto. Agência criativa negra: rejeições articuladas e reconfigurações do racismo. 01. ed. São Paulo: Intermeios Casa de Artes e Livros, 2022. 

Sobre o autor:

FRANCO, Luiza. Frente democrática no Brasil não pode deixar de lado o problema do racismo, diz pesquisador. BBC News Brasil, São Paulo, 21 junho 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53031445. Acesso em: 05 dez. 2022.

RODRIGUES, Engel; RUY, Luana; MALDONADO, Janaína; JARA, Simon. A intersecção entre diferença e conflito urbano nas Ciências Sociais: uma entrevista com Valter Roberto Silvério (UFSCar) e Gabriel de Santis Feltran (UFSCar). Áskesis. São Carlos – SP, v. 9, n.1, p. 153-174, jan./jun. 2020. 

[1] Um exemplo é sua participação no debate público em torno do julgamento – em que uma das etapas foi a audiência pública de 2010 –, no Superior Tribunal Federal (STF), pela constitucionalidade das ações afirmativas para a população negra no ensino superior público e privado – o que ficou conhecido como julgamento sobre a constitucionalidade das cotas (SILVÉRIO et al., 2012).