Elza Maria Franco Braga

Por Danyelle Nilin Gonçalves (UFC)

O conhecimento a serviço da justiça social

Nascida em 27 de fevereiro de 1949, em Fortaleza, em uma família de classe média, Elza Maria Franco Braga estudou grande parte da vida estudantil em um colégio de freiras, considerado por ela como “reacionário, mas ao mesmo tempo com um espírito de engajamento”. Tal experiência estimulou que ela se interessasse em cursar Ciências Sociais, na Universidade Federal do Ceará, já na primeira turma, em 1968, algo que ocorreu após a aprovação na seleção escrita e oral. A turma composta de 20 alunos vivenciou o surgimento do curso em meio ao Ato Institucional n° 5. A alegria por estar na universidade se mesclava ao medo causado pelas cotidianas invasões policiais ao prédio quando, dentre outras coisas, livros eram recolhidos, sobretudo os que fossem considerados marxistas.

Como era corriqueiro à época, iniciou a docência, substituindo professores ainda antes da colação de grau, quando teve a certeza da escolha da carreira. Foi professora horista da UFC e posteriormente prestou concurso para a mesma universidade.

Fez o mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1978) onde defendeu a dissertação “A Problemática do Emprego na Microregião do Cariri”, orientada por Manuel Correia de Andrade. Seu interesse pelas políticas públicas e movimentos sociais, traço marcante de sua trajetória, já se revelava na ocasião. Ainda antes de terminar o mestrado, se inscreveu no doutorado na Universidad Nacional Autonoma de Mexico, porém questões burocráticas a impediram de terminar o curso naquele momento, ocorrendo somente em 1992, quando defendeu a tese “Programas Federales de Vivienda Popular en Brasil”, orientada por Severo de Albuquerque Salles. Sua formação se completou com o estágio pós doutoral realizado na Universitat Autònoma de Barcelona (UAB), em 1998, com o tema Descentralização e Ação Participativa, orientado por Joaquim Brugué.
A estada no México nas duas ocasiões em que lá esteve, ofereceu a oportunidade de estudar com vários professores latino-americanos, como Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos, possibilitando muitas leituras de Gramsci e Marx que, junto ao conhecimento de Florestan Fernandes, adquirido na graduação e o contexto social vivido no Brasil e na cidade de Fortaleza, forjaram sua visão social e de Sociologia que se traduziu na certeza da necessidade de unir teoria e prática, como foco de uma sociologia crítica que fizesse a diferença social.

Grande parte de sua atuação se deu a partir do núcleo Estado, Planejamento, Políticas Públicas e Movimentos Sociais, composto por professores da UFC e técnicos do Estado em torno das questões de desenvolvimento urbano, políticas públicas e movimentos sociais. O núcleo firmou importantes parcerias, permitindo a realização de pesquisas de abrangência regional, sobretudo nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba sobre temas caros à época: movimentos sociais, planejamento, políticas habitacionais, gestão democrática.

Algo marcante na trajetória de Elza foi o foco em projetos extensionistas que se deram durante quase toda a sua estada na universidade. Partindo da ideia de que o “chão de sala era pequeno para a formação e precisava, portanto, ser ampliado”, utilizou a disciplina de Sociologia Urbana como laboratório para muitas experiências interdisciplinares com outros cursos, em especial, com a Arquitetura. Alguns projetos de alunos realizados sob sua orientação foram executados pela prefeitura de Fortaleza, melhorando a vida das comunidades de periferia da cidade.

Com a proximidade das eleições municipais de 1990, Elza também participou do projeto UniverCidade que reunia lideranças comunitárias, profissionais e universidade em torno da construção de propostas para a cidade, colhidas a partir de seminários territoriais. Na ocasião, os documentos produzidos por eles foram entregues aos prefeituráveis e debates foram realizados, mostrando a efervescência do momento.
Os interesses de Elza Braga a levaram a temas diversos, como: habitação popular, reforma agrária, alfabetização de adultos, economia solidária, segurança alimentar. Assessorou a Federação de Bairros e Favelas e Organizações Não Governamentais, como Cearah Periferia, na construção de projetos urbanos e na oferta de cursos de formação para lideranças populares. Posteriormente, alguns desses ex-alunos se tornaram gestores de instituições públicas e de ONGs. Atuou também com economia solidária, assessorando projetos exitosos como o Banco Palmas, um dos primeiros bancos comunitários do país. Toda sua atuação foi permeada pelo contato com as populações vulneráveis.

Sua participação no programa Ação da Cidadania, idealizado em 1993 pelo também sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, a fez ter contato com uma temática que revelava a face cruel da desigualdade brasileira: a fome. Esse inclusive, foi seu último tema de interesse quando ainda estava na universidade: a segurança alimentar.

Com a chegada do primeiro governo Lula e com o realce que a questão alcançou, foi escolhida como a primeira presidenta do Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA) do estado, representando a UFC. Posteriormente foi escolhida para o CONSEA nacional, onde durante 12 anos desenvolveu uma série de projetos.

Dessas experiências saíram vários trabalhos de conclusão de curso de seus orientandos, além de produção bibliográfica, como artigos, livros e relatórios técnicos.

Além de ter atuado ativamente com o tripé da universidade “Ensino, Pesquisa e Extensão”, também participou da administração superior: foi Pró Reitora Adjunta de Extensão (1997-1998), e Pró-reitora de Graduação (2000-2003), onde batalhou pelo reconhecimento de vários cursos de graduação, além de trabalhar para dar mais visibilidade às coordenações de curso, às licenciaturas e aos cursinhos populares.

Ao se aposentar, Elza Braga continuou atuando junto aos temas de seu interesse. Continuou como professora colaboradora do Mestrado de Políticas Públicas (programa que ela ajudou a criar), no Fórum Nacional de Soberania e Segurança Alimentar e no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local. Em 2021, lançou o livro escrito com os moradores de uma comunidade quilombola, localizada no maciço de Baturité intitulado “Olhares sobre a comunidade quilombola Serra do Evaristo – trajetórias, descobertas e construções identitárias”, onde retrata o território, a cultura, as lutas, a descoberta do cemitério indígena e os achados arqueológicos.

Como se percebe nessa breve nota, o espírito de engajamento adquirido na escola e a consciência de que a Sociologia pode atuar em prol da redução das desigualdades sociais marcam a vida de Elza Braga e é exemplo para as novas gerações de sociólogos, sobretudo em um país que está para ser reconstruído.

Sugestões de textos da autora:

BRAGA, Elza. M. Franco. Os Labirintos da Habitação Popular (Conjunturas, Programas e Atores). 1. ed. Fortaleza-CE: Fundação Demócrito Rocha, 1995. v. 1.

BRAGA, Elza. M. Franco. A Política da Escassez – Lutas Urbanas e Programas Sociais Governamentais. 1. ed. Fortaleza-CE: Fundação Demócrito Rocha/Stylusn Comunicação, 1991.

BRAGA, Elza. M. Franco. Seguridad Alimentaria y el Diseño de Nuevos Espacios Públicos en Brasil. In: Margarita Favela Gaveia; Diana Guillén. (Org.). Los derechos y las prácticas ciudadana a la luz de los movimientos populares. 1ed.Buenos Aires/Argentuna: Consejo Latinoamericano de Ciencias sociales CLACSO, 2009, p. 111-128.

BRAGA, Elza. M. Franco; NOGUEIRA, M. C; BARREIRA, M. S. C. Faces e Disfarces do Modelo de Desenvolvimento Sustentável. In: Arlindo Soares. (Org.). Orçamento dos Municípios no Nordeste Brasileiro. 1ed.Brasília-DF: ED. Paralelo, 1998, v. 1.