Jacques Lambert

Por Lúcia Lippi Oliveira (CPDOC-FGV)

Jacques Lambert nasceu em Lyon, em 1901, e faleceu na mesma cidade, em 1991. Doutor em Direito, fez sua carreira na Universidade de Lyon. Veio ao Brasil no bojo do processo de reaproximação entre a França e o Brasil por ocasião da criação das primeiras universidades no Brasil na década de 1930. A Universidade de São Paulo, em 1934, a Universidade do Distrito Federal, em 1935 e a Universidade do Brasil, em 1939. No processo de recuperação da montagem de universidades no Brasil é recorrente a lembrança de Pierre Monbeig e Roger Bastide na USP; Donald Pierson da Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo, Pierre Desfontaine na UDF; Jacques Lambert na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFI), entre muitos outros. Foi fundamental em tal aproximação George Dumas, figura chave que enfatizou a necessidade da criação de uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e que foi o responsável pela indicação de professores franceses para a recém-criada USP. No caso da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, criada em 1939, Dumas também auxilia na escolha, seguindo as orientações oficiais do governo federal.

Em sua estada como professor de Sociologia na FNFI, Jacques Lambert teve como alunos, entre outros, José Arthur Rios, Luiz de Aguiar Costa Pinto e Alberto Guerreiro Ramos, três figuras que, seguindo caminhos distintos, desempenharam importante papel na Sociologia do Rio de Janeiro. Costa Pinto veio a ocupar sua cadeira na FNFi quando Lambert volta à França. Vale notar que Lambert permanece muito tempo, de 1933 a 1945, no Brasil já que a Segunda Guerra suspendeu o fluxo de novos professores e prolongou a permanência dos que aqui estavam.

Anos depois, Jacques Lambert retorna ao Brasil para participar de um famoso Seminário organizado por Costa Pinto, quando este dirigia o Centro Latino-americano de Pesquisas em Ciências Sociais (CLAPCS), entre (1957 e 1961). Costa Pinto participou de diferentes experiências de institucionalização das Ciências Sociais exemplificada pela criação de cursos de graduação, de departamentos e institutos especializados em pesquisas que não integravam as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, voltadas principalmente para a formação de professores. No caso do Rio de Janeiro vale registrar o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e o Centro Latino Americano de Pesquisa em Ciências Sociais (CLAPCS).

Jacques Lambert publica na França em 1953 Le Bresil: structure e institutions politiques, obra que veio a ser editada no Brasil em 1959 pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), órgão do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) sob o título Os dois Brasis. Em 1967 tal obra estava em 2ª edição integrando a famosa Coleção Brasiliana número 335; em 1972, Os dois Brasis estava em 7ª edição na Companhia Editora Nacional.

Roger Bastide em seu livro Brasil, terra de contrastes e Jacques Lambert em seu Os dois Brasis, e também Charles Wagley em seu livro A revolução brasileira: uma análise da mudança social desde 1930, os três publicados em 1959, expressam que, além de desempenhar o papel de “mestres”, tais estrangeiros tiveram o Brasil como “objeto” de pesquisa e reflexão. Uma concepção de dualidade está presente nas obras acima citadas dos franceses Jacques Lambert e Roger Bastide.

Os dois Brasis é escrito e publicado em momento chave do século XX no Brasil, ou seja, entre a morte de Getúlio Vargas que, desde 1930, abriu caminhos para a industrialização brasileira e a construção de uma política de bem estar social, e o início do governo de Juscelino Kubitscheck, em 1956, quando o Estado se torna um indutor e articulador de uma nova fase da industrialização e modernização do país que tem como expoente a construção de Brasília.

Em Os dois Brasis Jacques Lambert diz que “a diversidade do Brasil, não se reduz unicamente a esse contraste entre o país desenvolvido e o país subdesenvolvido: as subculturas brasileiras são muito numerosas e o seu inventário apenas começou. Criadores das planícies irrigadas do Sul, criadores das caatingas ressecadas do Nordeste, ribeirinhos dos cursos de água da Amazônia em suas palafitas, assalariados agrícolas das usinas de açúcar do Nordeste, colonos arregimentados das plantações de café de São Paulo, aqui e acolá, colonos semi-independentes das fazendas decadentes, camponeses do tipo europeu de Santa Catarina ou do Rio Grande do Sul, pioneiros do Oeste, todos têm seus modos de vida muito peculiares. Muitos outros ainda, pescadores, mineradores de ouro ou seringueiros, operários das cidades, contribuem para a diversidade do imenso império. Mas, dentro dessa diversidade, todos pertencem a um ou outro Brasil, o Brasil arcaico e o Brasil novo.” (Lambert, 1967: 102-103)

O título do livro em questão sintetiza a dicotomia da nação e nessa obra o autor registra a existência de um Brasil de muita pobreza convivendo com um outro Brasil de opulência, modernidade e avanço. Lambert afirma, entretanto, que a estrutura social dualista não é uma característica particular à realidade brasileira, mas esse contraste é particularmente acentuado pela imensidão territorial responsável pelas dificuldades de comunicação.

A dualidade estaria presente na oposição entre duas estruturas: interior estático (representado pelo latifúndio) x litoral dinâmico (indústrias). Essa visão não era exatamente nova já que se fazia presente no dualismo litoral/sertão, mas em Lambert foi apresentada sob uma nova roupagem que logo encontrou adeptos entre os desenvolvimentistas, entre eles, Ignácio Rangel.

A unificação dos dois Brasis constitui o grande problema econômico e social contemporâneo e os brasileiros, em geral, têm plena consciência disso. A unificação, naturalmente, não se poderá efetuar a não ser pela generalização a todo o país dos modos e níveis de vida que prevalecem no Sul; trata-se menos de aumentar as vantagens de que gozam os habitantes do Brasil desenvolvido do que de integrar nesse Brasil, a fim de que lhe desfrutem tais vantagens, os milhões de habitantes do Brasil arcaico (LAMBERT, 1967:193).

Do ponto de vista da Sociologia tal questão – arcaico vs. moderno; rural vs. urbano- foi tratada no importante Seminário Internacional sobre Resistência e Mudança; Fatores que impedem ou dificultam o Desenvolvimento, realizado pelo CLAPCS em outubro de 1959, no qual Jacques Lambert apresentou o trabalho “Obstáculos ao desenvolvimento decorrentes da formação de uma sociedade dualista” que pode ser lido como uma síntese das ideias do autor.

Quando a Editora Zahar publica a Coleção Textos Básicos de Ciências Sociais, organizada por Antônio Roberto Bertelli, Moacir Gracindo Palmeira e Otávio Guilherme Velho, o texto acima mencionado integrou o volume da Sociologia do Desenvolvimento, publicado em 1967. No mesmo volume foi publicado o famoso artigo de Rodolfo Stavenhagen, “Sete teses equivocadas sobre a América Latina”.

Anos depois, em 1974, o economista Edmar Bacha usou a expressão “Belíndia”, para denominar o Brasil como um misto de Bélgica, desenvolvida, e Índia com sua pobreza, ainda maior àquela época. E mais recentemente, em 2012, publicou Belíndia 2.0: Fábulas e ensaios sobre o país dos contrastes.

Sugestões de obras do autor:

LAMBERT, Jacques. Os dois Brasis. São Paulo: Coleção Brasiliana, 1967.

LAMBERT, Jacques. Obstáculos ao desenvolvimento decorrentes da formação de uma sociedade dualista. In: Sociologia do Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p.65-73.

LAMBERT, Jacques. Le Brésil. Structure sociale et institutions politiques. Paris: Librairie Armand Colin, 1953.

Sobre o autor:

MASSI, Fernanda. Franceses e norte-americanos nas Ciências Sociais brasileiras (1930-1960). In: MICELI, Sérgio (Org.). História das Ciências Sociais no Brasil volume 1, São Paulo: Vértice/ Revista Dops Tribunais/Idesp, 1989, p.410-456.

PONTES, Heloisa. Brazil com Z; a produção estrangeira sobre o país, editada aqui, sob a forma de livro, entre 1930 e 1988. In: MICELI, Sérgio (Org.). MICELI. História das Ciências Sociais no Brasil, volume 2. São Paulo: Vértice/Revista dos Tribunais/Idesp, 1995, p.443-477.