Por Ivan Fontes Barbosa (DCS/UFS)
A professora e pesquisadora Tania Elias Magno da Silva (1946) é uma importante referência da sociologia brasileira. Sua trajetória é um bom indicador da expansão e consolidação do campo desta ciência no Brasil e remete a um tipo de ciência social que orbitava, preponderantemente, em torno do explicito reconhecimento das implicações políticas desta modalidade de conhecimento. Militante dos movimentos sociais, filiou-se ao do Partido dos Trabalhadores em Sergipe em 1981, teve destacada atividade no cenário político deste estado chegando a se candidatar ao cargo de govenadora em 1992. Admitindo que a escolha do curso Ciências Sociais foi uma decisão política o seu testemunho atesta esta essa relação entre sociologia e lutas sociais:
Em São Paulo, quando fazia meu estágio no hospital, presenciei vários atos políticos e a imediata repressão e isso me animava a ir de encontro ao status quo, mas eu precisava entender mais a sociedade. Estava em São Paulo quando houve a invasão da faculdade de Filosofia da Rua Maria Antônia, de onde morava ouvia os tiros e tudo mais, era um cenário de guerra (PEREIRA, 2018).
Nascida na cidade de São Paulo–SP, sua formação inicial foi de normalista (1965). Em 1968, depois de ter cursado dois anos de pedagogia, se torna Educadora Sanitária. Em 1970, após ter ido morar na capital paulista, inicia o Bacharelado em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) concluindo o curso em 1973. Em 1976 termina a Licenciatura nesta mesma área pela Faculdade de Educação (USP) e dois anos após fixa residência em Aracaju, indo trabalhar no Conselho de Desenvolvimento de Sergipe (CONDESE) construindo indicadores sociais utilizados nas pesquisas e ações operadas pela referida instituição.
Seu itinerário no terreno do ensino e da pesquisa acadêmica tem início em 1979 quando foi aprovada em concurso público promovido pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) para o preenchimento de vaga de Professora Colaboradora Especial. Foi importante seu aporte para ao fortalecimento do campo da sociologia no Nordeste brasileiro ao atuar diretamente na abertura, nesta instituição, do bacharelado em Ciências Sociais (1991) e da criação do NPPCS (Núcleo de Pós-Graduação de Pesquisa em Ciências Sociais), que depois se tornaria o mestrado e doutorado em sociologia. Obteve o título de mestre em Ciências Sociais em 1988 pela Pontifica Universidade Católica (PUC-SP) com a defesa da dissertação “Nas Beiradas de Maré. Um Estudo do Professor Leigo em Comunidades Camponesas Pobres”, sob orientação de Octavio Ianni. Em 1998 obtém o doutorado em Ciências Sociais (PUC-SP) com a defesa da tese “Josué de Castro: para uma poética da fome” orientada por Edgar Assis Carvalho.
Do ponto de vista temático e teórico metodológico a sua trajetória é caracterizada pela recepção de questões abordadas a partir de perspectivas marcadas por diálogos interdisciplinares. É a partir desta moldura que podemos entender o alcance de suas contribuições.
Sua obra, com forte presença no campo dos estudos sobre desenvolvimento e meio ambiente, a sociologia brasileira, os impactos sociais decorrentes do desenvolvimento das nanotecnologias e o ensino de sociologia é marcada pelo compromisso transdisciplinar na abordagem dos fenômenos sociais. O início de sua trajetória é caracterizado pelo interesse pelas comunidades rurais pobres. Seus estudos sobre o desenvolvimento rural, realizados em torno do rio São Francisco ao longo da década de 1990, investigaram a alterações no modus vivendi dos pescadores artesanais da região, as relações entre as comunidades humanas e os recursos naturais e contribuiu para a construção de indicadores e diagnósticos acerca dos impactos das mudanças e políticas públicas relacionadas aos usos do rio para as populações ribeirinhas. Foi neste contexto que ela contribuiu para a fundação do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) e do Núcleo de Estudos do Semiárido (NESA) na UFS (BARBOSA, 2021)
A sua contribuição também tem encontrado reconhecimento em torno do debate sobre o desenvolvimento de dimensões profissionais e institucionais que configuram estas ciências. Neste sentido ela atuou diretamente na luta pelo reconhecimento da profissão de sociólogo e ampliação do seu mercado de trabalho através da participação na gestão da Federação Nacional de Sociólogos (FNS) e atuação junto a SBS (comissão de ensino de sociologia) no processo de reinserção do ensino de sociologia na escola brasileira. Ajudou, também, a fundar a Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS), instituição que capitaneou no biênio 2013-2014.
Desde a regulamentação da lei que reconhece a nossa profissão de sociólogo, em plena ditadura em 1981, ao decreto que regulamenta a profissão em 1984, e a batalha para a volta do ensino de sociologia no Ensino Médio em 2008, essa luta tem sido uma constante, dentro e fora da universidade. Luta que eu acompanhei, acompanho e tenho muito carinho por ela (ELIAS, 2008).
Os aportes fornecidos pelo seu trabalho extrapolam a seara da ampliação das dimensões institucionais destas ciências em solo nordestino. No domínio da sociologia brasileira, como corolários de suas pesquisas sobre as comunidades rurais pobres, a retomada e o resgate da obra de Josué de Castro como marco para pensar as questões contemporâneas merecem destaque.
Não havia nenhum trabalho. Havia trabalhos sim, tanto de mestrado quanto de doutorado cujas temáticas passavam por ele. Então, você tem um capítulo, uma parte que trata de Josué de Castro, onde ele é, digamos, o objeto de estudo em si; para o doutorado o meu é o primeiro (ELIAS, 2008).
Outro importante contributo ao debate que marca a agenda da sociologia nos tempos atuais são suas incursões sobre as dimensões e implicações da nanotecnologia na experiência social contemporânea, indicando um
pioneirismo no conjunto de estudos e debates operados pela pesquisadora acerca dos impactos, no cenário contemporâneo, nas várias dimensões da vida social, ocasionados pelo desenvolvimento das nanotecnologias. Suas pesquisas desenvolvidas ao longo dos anos de 2009 e 2016 (“Nanotecnologias aplicadas aos alimentos e aos biocombustíveis” e, “Nanotecnologia e a atuação da RENANOSOMA na divulgação científica e popularização do conhecimento”) buscam refletir sobre os novos valores sociais decorrentes deste avanço tecnológico (nova revolução científica) e das possibilidades que são apresentadas à sociedade. Sobre esta temática, há vários artigos e capítulos de livros publicados, bem como participações em vários Congressos Nacionais e Internacionais, coordenando grupos de pesquisas e participando de Mesas Redondas (BARBOSA, 2021).
Em 2018 foi laureada com o título de professora Emérita da UFS. Continua como professora e pesquisadora colaboradora voluntária do PPGS-UFS (Programa de Pós-graduação e Pesquisa em Sociologia), com dezenas de teses e dissertações orientadas, coordenando o GEPIS (Grupo de Estudos e Pesquisa Itinerários Intelectuais, Imagem e Sociedade), rede que agrega diversos pesquisadores da Bahia, Alagoas e Sergipe, no âmbito do mestrado e do doutorado.
Otávio Ianni, em reflexão intitulada “A vocação política das ciências sociais”, afirmou que o produto do trabalho científico, nas ciências sociais, muitas vezes tende a incorporar-se ao objeto do conhecimento. Isto significa que o conhecimento produzido passa a ser parte da realidade social, como pensamento e prática. É este sentido que devamos utilizar para a traduzir o alcance do contributo que a socióloga Tania Elias Magno da Silva oferece ao campo da sociologia e sociedade brasileiras. As críticas e a publicização dos resultados de suas pesquisas têm sido incorporadas pela realidade social. Elas têm contribuído, aliadas a propagação da imaginação sociológica embutidas nas inúmeras certificações de pesquisas, pesquisadoras e pesquisadores, para compor e espraiar um diagnóstico sociológico de relevantes questões que temos enfrentado.
Sugestões de obras da autora:
SILVA, T. E. M. da; TAKAHASHI, L. T.; VERAS, F. A. V. As Várzeas Ameaçadas. Um estudo preliminar das relações entre as comunidades humanas e os recursos naturais da Várzea da Marituba em Alagoas. São Paulo: EDUSP, 1990.
SILVA, T. E. M. da S.; LOPES, E. S. A.; MOTA, D. M. Ensaios: Desenvolvimento Rural e transformações na Agricultura. Aracaju: J. Andrade Editora, 2002.
SILVA, T. E. M. Josué de Castro. 1a. ed. Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes, 2012. v. 01. 839p.
SILVA, T. E. M. Josué de Castro– Para uma poética da Fome. 1. ed. Curitiba: CRV, 2020. v. 01. 488p.
SILVA, T. E. M.; LOPES, E. S. A. Múltiplos Olhares sobre o semiárido nordestino. Sociedade, Desenvolvimento, Políticas Públicas. Aracaju: J. Andrade Editora, 2003.
SILVA, T. E. M.; WAISSMANN, W. (Org.) Nanotecnologias, Alimentação e Biocombustíveis – Um olhar Transdisciplinar. 1a. ed. Aracaju: Editora Criação, 2014. v. 01. 235p.
SILVA, T. E. M.; CARVALHO, E. de A. Et. al. Polifônicas Ideias: Antropologia e Universalidade. 1. ed. São Paulo: Imaginário, 1997. v. 1.
Sobre a autora:
BARBOSA, Ivan. Tânia Elias Magno Silva e a Sociologia em Sergipe. Aracaju, Jornal da Cidade. 29 de Setembro de 2021.
ELIAS, T. Entrevista: professora Tânia Elias. Revista Inter-Legere, n. 3, 19 dez. 2013.
PEREIRA, T. I. “Sou Professora e Amo Demais a Minha Profissão”: Entrevista Com Tânia Elias Magno da Silva.” Cadernos Da Associação Brasileira De Ensino De Ciências Sociais 2, no. 1 (2018).