Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco

Por Vanilde F. de Souza-Esquerdo (Unicamp) e
Maristela Simões do Carmo (Unesp)

Fazer a bionota de uma pessoa tão querida, batalhadora e corajosa como a Sonia, com a qual convivemos durante muitos anos, nos honra e traz imensa alegria. Quão gratificante é o convívio não apenas intelectual, mas também familiar e afetivo com alguém valente, guerreira e fiel aos seus princípios!

Princípios que primam pela luta contra a desigualdade humana em todos os seus níveis, de gênero, de estratificação social, de exploração do trabalho, entre outros. Sua luta, com foco no rural, sempre buscou o fortalecimento dos agricultores e agricultoras nas suas realidades de enfrentamento com seus empregadores e também com os vínculos institucionais do Estado.

Sonia nasceu em Guaratinguetá, estado de São Paulo, em 31 de março de 1944, onde passou sua infância e parte da adolescência. Foi a sexta filha de oito irmãos do casal João Thomaz Pereira e Cacilda Pessoa Pereira.

Teve contato próximo às questões do rural por influência de seu pai, engenheiro agrônomo, extensionista pioneiro no estado de São Paulo, que costumava levar os filhos em suas andanças no trabalho junto aos agricultores e agricultoras familiares. Seu pai era muito ligado aos problemas sociais do campo, fato que a conduziu a cursar Agronomia na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”/USP, aonde ingressou em 1964. Sua formação na realidade do rural brasileiro lhe trouxe a compreensão e o amor pela causa da agricultura familiar e dos camponeses e camponesas, estrato da sociedade em que sempre depositou seus conhecimentos e dedicou toda a sua vida acadêmica.

Durante a faculdade, na sua afirmação acadêmica de aprendizado de política estudantil, foi diretora dos departamentos Feminino; de Divulgação; e de Extensão, do então Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz”. Durante sua gestão no Departamento Feminino organizou viagens para vários Estados do Brasil (RS, RJ, MG, BA), proporcionando nessas viagens, às colegas contemporâneas ver e aprender in loco as necessidades do rural brasileiro, além, é claro, de conhecer pessoas e novos lugares.

Também participou dos trabalhos junto ao Grupo de Educação Popular pelo método Paulo Freire, nos bairros periféricos de Piracicaba, aflorando desde então toda a sua preocupação e dedicação com a população do campo. Desses encontros, Sonia se aproximou da sociologia e seus ensinamentos, e no quinto ano da faculdade fez especialização em Economia Rural com enfoque na Sociologia Rural. Ainda se graduou em Ciências Econômicas da Associação de Ensino de Marília, tendo colado grau em março de 1973.

Quando se graduou no curso de Agronomia, em 1968, teve inúmeras propostas de emprego, porém escolheu se dedicar às famílias agricultoras carentes, num trabalho realizado em Araçatuba-SP, junto ao Instituto Paulista de Promoção Humana (IPPH), ligado à Igreja Católica. Sonia relata essa experiência como maravilhosa em sua vida, porém que pouco durou pelo fato desse Instituto ter sido fechado, já que vivíamos os anos de chumbo da ditadura militar. Após essa experiência profissional no IPPH, Sonia foi professora no colégio agrícola em São Manuel-SP e em abril de 1969 iniciou suas atividades docentes na Unesp de Botucatu.

Fez mestrado em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa (1976), mas já tinha defendido tese de doutorado em Agronomia em 1974, na Unesp de Botucatu, cujo título foi: “Nível de vida das famílias rurais do município de Botucatu-SP – 1972”. Sua Livre-Docência, também na Unesp de Botucatu, ocorreu em 1983, com a tese: “Agricultura e Assistência Técnica no estado de São Paulo”. Durante suas atividades acadêmicas, chama atenção a necessidade de expandir seus conhecimentos para além das fronteiras nacionais em cursos de especialização e de pós-doutoramento. Fez especialização em Extensão Rural para o Desenvolvimento Socioeconômico pela Wageningen University, em 1985; e entre os diferentes pós-doutorados realizados, cabe destacar o da École des Hautés Études en Sciences Sociales. Em 1987 ingressou no quadro permanente de docente da Unicamp, na Faculdade de Engenharia Agrícola, onde permaneceu até a sua aposentadoria.

Foi docente dos Programas de Pós-Graduação em Energia na Agricultura, na FCA-Unesp; Mestrado em Ciências Sociais, na Unesp-Araraquara; em Engenharia Agrícola, na Feagri/Unicamp; Doutorado em Ciências Sociais, no IFCH/Unicamp; e no Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural, da UFSCar.

Uma curiosidade sobre sua trajetória acadêmica é que ela fez dois concursos para professora Titular, um deles pela Universidade Estadual Paulista/Unesp, em 1990, e outro pela Unicamp, em 1992, sendo desta forma professora “bi-titular”.

Sonia fez tantos eventos, realizou tantos debates, reuniões, encontros e congressos que precisaríamos de mais de 100 páginas para nominá-los e descrevê-los. Por isso, vamos apenas ressaltar alguns, nos mais distintos períodos da sua caminhada acadêmica.

Dentre os eventos que organizou e coordenou em conjunto com vários professores e pesquisadores destacamos os seguintes: as Reuniões Nacionais sobre Mão de Obra Volante na Agricultura; as Reuniões do Projeto de Intercâmbio de Pesquisa Social em Agricultura – PIPSA e seu desdobramento na Associação PIPSA (APIPSA). Importante ressaltar que este projeto de intercâmbio, enquanto um espaço democrático de discussão entre pesquisadores, docentes, estudantes e outros intelectuais teve sua continuidade na Rede de Estudos Rurais a partir de 2006.

Entre os diversos cargos ocupados destacamos dois deles: foi presidente da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – Sober, no biênio 1995-1997, instituição na qual tornou-se, em 2013, membro legendário. Também foi presidente da Asociación Latinoamericaca de Sociología Rural, de 2006 a 2009.

Dos contatos no exterior houve dois projetos que cabem salientar, o Projeto Alfa – Rede Estrela de Desenvolvimento Rural, em conjunto com a École Nationale Supérieure Agronomique de Rennes; e o Projeto CAPES-Brafagri, para intercâmbio de estudantes de graduação do Brasil e da França.

Como resultado das parcerias internacionais, em 2003 organizou a 1ª Jornada de Estudos em Assentamentos Rurais, na Feagri/Unicamp, em parceria com a École des Hautés Études en Sciences Sociales, evento este que permanece na atualidade, realizado a cada dois anos, alternado com o Simpósio sobre Reforma Agrária e Questões Rurais, organizado sob a coordenação da professora Vera Lúcia da Silveira Botta Ferrante, na Uniara, (Universidade de Araraquara).

Próxima à sua aposentadoria, Sonia coordenou o curso de especialização latu sensu “Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura Familiar e Camponesa” – Residência Agrária no âmbito do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera/MDA/INCRA/CNPq, na Feagri/Unicamp, de 2012 a 2015. Este curso gerou dois livros a partir dos artigos relacionados aos Trabalhos de Conclusão de Curso dos educandos.

Uma bionota sobre Sonia Bergamasco não poderia deixar de citar o seu lado de liderança, afável, contemporizador e sua grande capacidade de agregar seus colegas, alunas e alunos em inúmeros eventos sociais por ela promovidos. Suas orientandas e orientandos, certamente, recordarão das diversas horas de orientação permeadas pelo acolhimento, não apenas na faculdade, mas também na sua residência.

Sonia continua em atividade, como professora colaboradora voluntária na Feagri/Unicamp, e também orientando alunos da pós-graduação do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais no IFCH/Unicamp, demonstrando seu vigor e capacidade de continuar lutando pela agricultura familiar e camponesa.

Sugestões de obras da autora:

BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira e NORDER, Luiz A. Cabello. O que são assentamentos rurais. São Paulo, Brasiliense, 1996. (Primeiros Passos, 301).

BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira e KAGEYAMA, Angela. A estrutura de produção no campo em 1980. Perspectivas, São Paulo, n. 12/13, 1989/1990, p. 55-72.

BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira e CARMO, Maristela Simões do. Reforma agrária dá certo? O (in)sucesso dos assentamentos de trabalhadores rurais. Reforma Agrária, v. 21, p. 60-68, jan./abr. 1991.

BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; BLANC-PAMARD, Chantal; CHONCHOL Maria-Edy. Por um atlas dos assentamentos brasileiros: espaços de pesquisa. Rio de Janeiro: DL/Brasil; 1997.

BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; CARMO, Maristela Simões do; OLIVEIRA, Julieta Teresa Aier de; COMITRE, Valeria; FIGUEIREDO, Nelly M. S. Estudo prospectivo de demanda por terra: cenários possíveis para a reforma agrária. Brasília: Coleção FAO/INCRA, 2000. 107p.

BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira e NORDER, Luiz A. Cabello. A alternativa dos assentamentos rurais: organização social, trabalho e política. São Paulo: Terceira Margem, 2003.

KAGEYAMA, Angela A.; BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; OLIVEIRA, Julieta Teresa Aier de. Uma tipologia dos estabelecimentos agropecuários do Brasil a partir do Censo de 2006. Revista de Economia e Sociologia Rural, 2013;51(1):105-122.

DELGADO, Guilherme e BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira (Eds.). Agricultura familiar brasileira: desafios e perspectivas de futuro Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2017.

Sobre a autora:

CAMARGO, R. Ap. Leite de; BORSATTO, Ricardo S.; SOUZA-ESQUERDO, Vanilde F. de. Entrevista com Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco: Uma história de vida dedicada à agricultura familiar paulista. Agricultura Familiar e Políticas Públicas no estado de São Paulo. São Carlos: EDUFSCar, 2022, 526p.