Simon Schwartzman

Por Tiago Magaldi (UFSCar)

Simon Schwartzman nasceu em 1939, em Belo Horizonte, filho de imigrantes judeus. Criado na ala “progressista” da comunidade judaica belo-horizontina, o futuro sociólogo cedo se engajou em atividades culturais e políticas, incluindo a participação em uma célula da União da Juventude Comunista, ainda na década de 1950, da qual se afastaria em meio às convulsões internas provocadas pelo impacto do famoso discurso de Nikita Khrushchev que denunciava as perseguições e os crimes do líder soviético Josef Stálin.

O interesse pela política o seguirá ao entrar no curso de Sociologia e Política da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG, em 1958, na mesma turma de Theotônio dos Santos, Herbert de Souza, Antônio Octávio Cintra e outros que se destacaram posteriormente na vida intelectual. Em 1961, como membro da juventude do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), participou da fundação da Organização Revolucionária Marxista (mais conhecida pelo acrônimo “Polop” – Política Operária), mas o impacto político da Revolução Cubana de 1959 e o posterior surgimento da perspectiva da insurreição armada nas esquerdas brasileiras não encontrarão eco em Schwartzman. Logo após o término de sua graduação, em 1961, partiu para Santiago, no Chile, para fazer o mestrado em Sociologia na Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (Flacso). Os próximos anos seriam de constante andança pelo mundo.

Defendida a dissertação de mestrado na FLACSO – que versava sobre as condições de produção da consciência de classe ou do “aburguesamento” entre operários chilenos – em 1963, Schwartzman retornou ao Brasil apenas para sair novamente: como muitos intelectuais de sua geração, foi perseguido, impedido de trabalhar (possuía então vínculo ativo com a Face) e, finalmente, preso e processado na Justiça Militar (por “perverter a mente da juventude”). Solto depois de 40 dias, partiu clandestinamente para Oslo para trabalhar no International Peace Research Institute, graças ao convite de Johan Galtung, chegando na cidade em 1964. Seguiu depois, em 1966, para Buenos Aires, para trabalhar no Instituto Di Tella. Em ambos os casos, a proposta era estabelecer relações entre características socioeconômicas dos países e a estabilidade das instituições políticas nacionais, fazendo uso de metodologias quantitativas.

A oportunidade de doutorar-se chegou na temporada em Buenos Aires, quando recebeu da Fundação Ford bolsa para o curso de doutorado na Universidade da California, Berkeley para onde foi no início de 1967. Entre seus professores estava Reinhard Bendix, célebre biógrafo de Max Weber – autor de particular predileção de Schwartzman. Não será o único brasileiro a fazê-lo: na mesma época, estavam no país, realizando seus respectivos doutorados, José Murilo de Carvalho, Wanderley Guilherme dos Santos, Bolívar Lamounier entre outros. Em dezembro de 1968, quando estava pronto para retornar ao Brasil, foi decretado o Ato Institucional Nº 5. Decidiu voltar assim mesmo.

Impedido novamente de trabalhar na UFMG, foi admitido como professor, em 1969, no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), então dirigido por Bolívar Lamounier. Lecionou na instituição até 1987. Foi parte ativa da geração que contribuiu para a abertura das ciências sociais brasileiras à literatura anglo-saxã, expandindo as fronteiras bibliográficas para além do predomínio francês e latino-americano de então. Ao mesmo tempo, integrou-se ao Centro de Pesquisa da Escola Brasileira de Administração Pública (Ebap), da Fundação Getúlio Vargas, a qual buscou reorientar para a pesquisa sobre políticas públicas.

Em 1973 finalizou a redação de sua tese de doutorado, recebendo o título de doutor em Ciência Política. Seguindo a linha de Raymundo Faoro, Schwartzman propunha interpretar a história da dinâmica política brasileira não somente pelo conceito de “representação de interesses” – que conduzia a análise da sociedade civil ao Estado, este sendo o portador dos interesses dominantes naquela – mas também pelo de “patrimonialismo” – que deslocava a análise para os grupos que concentravam o poder estatal e o utilizavam para seus próprios fins, levando a uma dependência duradoura dos grupos sociais ao centro político. Por meio dessas chaves analíticas, chegaria à conclusão de que a instabilidade política brasileira se devia à posição relativamente subordinada do centro do poder econômico-contratual (São Paulo) em relação ao eixo do poder político-patrimonial (Rio de Janeiro-Brasília). Divergindo frontalmente das interpretações marxistas hegemônicas na época, às quais não hesita em chamar de “simplistas”, o primeiro livro de Schwartzman publicado no Brasil dá o tom de sua verve polêmica, marca de sua produção intelectual.

Será ainda na década de 1970 que Schwartzman abrirá um novo campo de investigação que se tornaria tema central de suas preocupações: a organização nacional da ciência e tecnologia. Convidado em 1975 para a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), coordenou a pesquisa que levou ao livro Formação da comunidade científica do Brasil, lançado em 1979, uma narrativa acerca da história da comunidade científica brasileira desde o Império. O tema será objeto de diversas publicações futuras do autor, que a partir da década de 1980 começa a se afastar das problemáticas típicas da ciência política e passa a se envolver cada vez mais com as de ciência, tecnologia e educação, sobretudo depois de integrar, a partir de 1988, o Núcleo de Pesquisa do Ensino Superior (Nupes) na Universidade de São Paulo, convidado por Eunice Durham, participando de um esforço então inédito no país.

Dessa fase destaca-se o livro Tempos de Capanema (1984), publicado conjuntamente com Helena Bomeny e Vanda Maria Ribeiro da Costa, fruto dos esforços de pesquisa do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da FGV. Nele, os autores procuram dimensionar a importância histórica da célebre reunião de políticos e intelectuais ao redor do então Ministro da Educação do primeiro governo Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, cujas ideias, valores e propostas foram longevos na institucionalidade brasileira, sobretudo na educação. Mais à frente, publicará outro livro que estava destinado a se tornar célebre: The new production of knowledge (1994), sobre a importância de se passar de um modo tradicional e disciplinar de se produzir ciência para um modo transdisciplinar e pragmático, centrado em problemas específicos e no impacto econômico e social da produção científica. Escrito em colaboração com cinco outros especialistas internacionais, o livro teve grande repercussão, sendo referência permanente na área. O investimento em história e sociologia da ciência foi fruto de apoio da FINEP dos anos 1970, e resultou na publicação de uma obra de referência entre as publicações de Simon: Formação da Comunidade Científica. O interesse foi prolongado com o projeto de elaboração de uma nova política para a área de ciência e tecnologia, resultado de um grupo de trabalho que levou a vários livros editados pela FGV Editora. O envolvimento de Schwartzman com as questões do ensino superior, ciência e tecnologia provocou sua inclusão, em 1985, na Comissão de Reforma da Educação Superior, tendo sido nela o relator dos trabalhos ali desenvolvidos.

Atuante no mundo científico acadêmico e institucional, foi presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (1990-1991); e, em 1994, no governo Itamar Franco, Schwartzman assumirá sua função mais publicamente exposta: a presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ficará na instituição até 1998, tendo buscado, no período, realocar sua função precípua para o atendimento da sociedade como um todo, não a considerando apenas uma auxiliadora do planejamento estatal – visão esta que criticou como “totalitária”. Finda a passagem pelo IBGE, Schwartzman acrescenta aos seus temas de trabalho a questão das políticas sociais, e passa a integrar o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS). Em 2004, com a guinada no ambiente político ocasionada pela posse de Luís Inácio Lula da Silva para a presidência da república, o autor publica dois livros: As causas da pobreza e Pobreza, exclusão social e modernidade: uma introdução ao mundo contemporâneo.

Aprofunda-se ainda nos temas relativos à educação básica e profissional, sobre os quais versarão muitos de seus escritos nos anos 2000. Por isso, em 2016, já sob Michel Temer, voltará a colaborar com o governo federal ao participar das discussões que culminaram com a aprovação da reforma do ensino médio em 2017 e das reuniões e relatórios do Conselho Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes).

Embora tenha abandonado a atividade militante cedo em sua trajetória, o estilo contundente de seus escritos (do qual a polêmica travada com Richard Morse em finais da década de 1980 oferece um exemplo particularmente afiado) e a perspectiva voltada para políticas públicas não escondem o sentido prático de seus esforços, voltados não só para a compreensão dos problemas, mas também para sua superação. É nesse sentido que, sobretudo na educação, a perspectiva da avaliação ganha grande relevo: não basta formular objetivos grandiloquentes ou aumentar indiscriminadamente o investimento na área; faz-se necessário precisar quais fatores auxiliam ou impedem o seu desenvolvimento prático, sem concessões patrimonialistas ou pretensões de planejamento total da realidade.

Em seu conjunto, os temas da formação e atuação do Estado brasileiro; da organização da ciência e tecnologia no país e no mundo; da educação superior e básica; e da pobreza e desigualdade social concentraram seus principais esforços, mas não exaurem sua contribuição: tendo passado por dezenas de instituições de ensino e pesquisa, públicas e privadas, nacionais e internacionais – a maioria das quais de importância central seja para as ciências sociais, seja para a produção de políticas públicas –, além das propriamente governamentais, Schwartzman foi e segue sendo um importante ator institucional das ciências sociais brasileiras.

Foi pesquisador e professor visitante em diversas universidades e instituições, entre as quais o Woodrow Wilson International Center for Scholars, Universidade de Columbia, Universidade da Califórnia, Berkeley, Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, École Pratique des Autes Études – Paris, Swedish Collegium for Advanced Studies in Social Sciences (SCAS)- Upsala, St. Anthony’s College, Oxford, Universidade de Stanford e Universidade de Harvard. Desde 2002, é membro titular da Academia Brasileira de Ciências.

Sugestões de obras do autor:

SCHWARTZMAN, Simon. Bases do Autoritarismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1982.

SCHWARTZMAN, Simon. O espelho de Morse. Novos estudos, nº 22, 1988.

SCHWARTZMAN, Simon; GIBBONS, Michael; TROW, Martin; LIMOGES, Camille; NOWOTNY, Helga; SCOTT, Peter. The new production of knowledge: the dynamics of science and research in contemporary societies. London, Thousand Oaks, California: Sage Publications, 1994.

SCHWARTZMAN, Simon; BERTERO, Carlos Osmar; GALLEMBECK, Eduardo Krieger e Fernando (eds). Ciência e Tecnologia no Brasil. Uma nova Política para um mundo global. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1995.

SCHWARTZMAN, Simon, Carlos Osmar Bertero, Eduardo Krieger e Fernando Gallembeck, (eds). Ciência e Tecnologia no Brasil: a capacitação brasileira para a pesquisa científica e tecnológica. Vol. 3. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996.

SCHWARTZMAN, Simon. O Ensino superior no Brasil. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 1999.

SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. São Paulo e Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra e Fundação Getúlio Vargas, 2000.

SCHWARTZMAN, Simon. Um Espaço Para a Ciência: A Formação Da Comunidade Científica No Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2015.

Sobre o autor:

BRITO, Leonardo Octavio Belinelli de. Os dilemas do patrimonialismo brasileiro – as interpretações de Raymundo Faoro e Simon Schwartzman. 1. ed. São Paulo: FAPESP/Alameda, 2018.

DURHAM, Eunice Ribeiro. Sobre Simon Schwartzman. In: SCHWARTZMAN, Felipe F. et al. O sociólogo e as políticas públicas: Ensaios em homenagem à Simon Schwartzman. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Americanos: representações da identidade nacional no Brasil e nos EUA. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.

VIANNA, Luiz Werneck. Weber e a interpretação do Brasil. Novos Estudos, nº 53, 1999.

ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. Simon Schwartzman. Disponível em https://www.abc.org.br/membro/simon-schwartzman/

FGV-CPDOC. Entrevista com Simon Schwartzman. Projeto Memória das Ciências Sociais: https://www.youtube.com/watch?v=b_qm2bYi19Y