Por Maria Aparecida Bridi (UFPR)
Silvia Maria Pereira de Araújo nasceu em 03 de setembro de 1948 em Curitiba. Filha de pai pequeno comerciante, cedo sentia-se atraída para as questões sociais discutidas em família e, mais intensamente, as de natureza democrática ao cursar Ciências Sociais em plena vigência do AI-5, no Brasil, com perseguições aos estudantes e professores universitários. Socióloga, graduou-se em Ciências Sociais em 1971, fez mestrado em História Social (UFPR) em 1980 e doutorado em Ciências da Comunicação (USP) em 1991. A experiência com o pós-doutoramento junto à Università degli Studi di Milano no Istituto di Studi del Lavoro, (1996-1997) na área de Sociologia do Trabalho, deu sequência à sua trajetória de pesquisa e envolvimento com as questões do trabalho e das organizações dos trabalhadores, tornando-se uma referência da Sociologia do Paraná.
Sua entrada como docente na UFPR, em 1976, ocorreu no período do regime ditatorial no Brasil, tendo sido uma das jovens mulheres do Curso de Ciências Sociais que estavam na luta pela democratização da universidade e da sociedade, pelo que empreendeu muitas ações nessa direção, o que contribuiu também para a renovação do curso, com destaque para o trabalho pedagógico da diretoria do Sindicato dos Sociólogos no Paraná, a qual integrou.
Silvia Maria de Araújo vivenciou a universidade em todas as suas dimensões: o ensino, a pesquisa, a extensão e a gestão. Participou como fundadora dos Cursos de Mestrado e de Doutorado em Sociologia, momentos de grande resistência institucional interna, mas que contou com a massa crítica de professores pesquisadores de consolidada produção intelectual. Como gestora, exerceu diversas funções administrativas, desde a coordenação do curso de Ciências Sociais. até a direção do então Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPR, hoje Setor de Ciências Humanas por escolha através do voto da comunidade acadêmica.
Pelos relatos de seus alunos, sabemos que às 7:30 horas da manhã ela já estava na sala de aula, impecavelmente vestida, destacando-se pelo trato e atenção com todos à sua volta e pelas aulas sempre cuidadosamente preparadas. Elegância, generosidade, humanidade e coerência são adjetivos que cabem à sua figura. Ministrou aulas para várias gerações, formando muitos que hoje são professores universitários, passando assim a trilhar os caminhos do ensinar, aprender e pesquisar marcados pelo seu jeito de dar aula, de abordar um objeto, de pesquisar. A vida e a teoria estavam em perfeita sintonia, o que também inspirava seus alunos rumo a uma ciência social engajada, crítica e criativa.
Sua excelência como professora da graduação é lembrada e reconhecida até hoje pelos alunos e pelas alunas, que relatam que suas aulas de teoria sociológica e sociologia clássica e contemporânea os levavam a conhecer, além dos fundamentos daquela ciência “misteriosa” para os então iniciantes, também os métodos de análises de cada autor, o poder explicativo de suas teorias e suas questões para o presente. Da mesma forma, na pós-graduação. Suas aulas, além de provocar inquietações teóricas tanto pela literatura acionada quanto pelas reflexões, sinalizavam os caminhos da pesquisa e de uma ciência comprometida com a transformação do real. A professora Silvia Araújo levava a cabo um dos ensinamentos da sociologia, o de que não bastava conhecer o real, era preciso transformá-lo. Isso explica a sua inserção e vinculação com as organizações dos trabalhadores do Paraná, seus projetos de extensão e sua relação com a comunidade. Foi com ela que aprendemos que o Paraná é um grande greenfield para os estudos do trabalho e do movimento sindical.
Junto com as professoras Benilde Lenzi Motim e Liana Carleial, Silvia Araújo fundou o Grupo de Estudo Trabalho e Sociedade (GETS/CNPq), em 1993; um dos primeiros do curso que, junto com o Grupo de Estudo Agricultura e Sociedade (GEAS), foi crucial para a própria criação do PGSOCIO-UFPR, em 1995. Com efetiva participação nos GTs da ANPOCS ela atuou nas linhas de pesquisa centradas na organização dos trabalhadores (Imprensa Operária e Sindical, Atores, Poder e estratégias nas organizações sociais) e nas linhas relacionadas ao trabalho (Trabalho, Tecnologia e inovações organizacionais, Reestruturação produtiva e trabalho, Relações de Trabalho, Trabalho, Tempo e subjetividade). Suas pesquisas de campo e estudos teóricos, desde seu início nas décadas de 1970 e 1980, estavam voltados para as formas de organização coletiva, resultando na obra “Eles: a cooperativa; um estudo sobre a ideologia da participação” de 1982, fruto da dissertação de mestrado. Em 1986 o destaque ocorre para a produção em coautoria com Alcina Maria de Lara Cardoso, do livro “1º de Maio; cem anos de solidariedade e luta”. Em fins da década de 1990, quando o governo brasileiro abraçava a abertura dos mercados, o projeto de privatização e uma inserção na globalização neoliberal, os estudos sobre a indústria automobilística no Paraná em um projeto interinstitucional e multidisciplinar foram fundamentais para compreender a reconfiguração da dinâmica econômica do estado, e também os desafios do sindicalismo diante do novo contexto. O revigoramento dos estudos sobre o sindicalismo no Paraná que contou com a participação de Marcos Ferraz e estudantes da pós-graduação, resultou na publicação do livro “O sindicalismo equilibrista: entre o continuísmo e as novas práticas”, em 2006.
Sua vinculação com a educação e a educação básica está expressa em suas ações de assessoria junto à Secretaria de Educação do Paraná, quando o estado se encontrava voltado para uma formação cidadã e favorecia o ensino das humanidades, inclusive a Sociologia e a Filosofia. Nesse campo, na década de 2000, participou do livro “Para Filosofar”, obra coletiva organizada por Avelino Correa que recebeu o prêmio Jabuti em 2001, e pela Scipione o livro “Sociologia” editados em 2015 e reeditado e ampliado em 2018, aprovados no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) nos respectivos anos. Essa produção voltada ao ensino de Sociologia ocorreu concomitante aos estudos sobre o trabalho, com destaque para temas trabalho, sindicalismo contemporâneo e ações coletiva e sindical, editados no “Dicionário de Trabalho e Tecnologia”, em colaboração com Antonio Cattani (2006 e 2011) e os estudos sobre trabalho e tempo de trabalho do século XXI, publicado no livro “Trabalho: horizonte 2021” (Escritos, 2014).
Além de suas ações internas na universidade, colaborou para a promoção da sociologia produzida no Paraná a partir de suas ações, conexões e parcerias no âmbito nacional. Contou para isso a sua inserção em projetos e redes interinstitucionais, nacionais, a exemplo da UNITRABALHO, nos primeiros anos da década de 2000, seja como integrante, pesquisadora, e/ou representante da regional Sul. Outro marco nessa trajetória foi ser a primeira socióloga a ter assumido a presidência da ABET ‒ Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (biênio 2011-2013), junto a uma comissão interna composta pelos membros do GETS e estudantes da pós-graduação e graduação da Sociologia da UFPR.
Pelo diálogo interdisciplinar, mas ancorada no conhecimento disciplinar rigoroso da Sociologia do Trabalho, construiu uma visão do trabalho, dos trabalhadores e de seus movimentos associativos a partir de um presente vivo e em constante transição. Suas aulas de ciência e epistemologia na pós-graduação eram um grande convite para a autorreflexão da ciência e a abertura do pensamento necessária para a pesquisa que se propõe uma sociologia crítica. Estimulava os estudantes à imaginação sociológica, à análise da realidade social e à descoberta de vieses novos, defendendo que, com rigor e com base, poderíamos “batizar a interpretação”, ou seja, ousar criar conceitos. Com base nos autores clássicos tradicionais e contemporâneos da Sociologia, assim nasceu o conceito de trabalho pulsante e o esforço em trabalhar uma Sociologia das adversidades.
Publicou dezenas de capítulos de livros, artigos em periódicos com resultados de suas pesquisas e muitos livros em coautoria e coletâneas, que revelam um traço peculiar: a sua disposição em trabalhar coletivamente e uma visão de que a produção da ciência é sempre coletiva, seja com seus pares, seja com seus “aprendizes de feiticeiros”, seus orientandos e orientandas. Muitos de seus ex-alunos adentraram no admirável mundo acadêmico nacional de forma generosa pelas suas mãos.
Aposentada em 2003, e tendo permanecido como professora sênior da pós-graduação até 2010, Silvia Araújo mantém projetos na área de trabalho. Após esse período adentrou por outra seara, inaugurando agora uma nova etapa em sua vida, ainda que não tão nova, visto sua inserção como membro da Academia Feminina de Letras do Paraná desde 1998, mas agora incursionando com mais tempo pelo sentido da vida e suas múltiplas dimensões, dando asas à sua imaginação com a publicação de diversas obras no campo da literatura. Nesse contexto, além de diversos cursos ministrados, publicou pela Editora Paulinas o livro “Projeto de vida – uma visão ampliada” (2016), valendo-se do conhecimento sociológico na análise da vida em termos globalizados. Nossa surpresa, contudo, se deu com a descoberta de que a intelectual que protagonizou a Sociologia do Paraná, e que contribuiu para a formação de toda uma geração de professores e pesquisadores de Sociologia, também é uma artesã de mão cheia dedicada ao patchwork, à produção de lindas peças a partir de retalhos de tecidos emendados de várias cores para encantar os olhos e a alma, contando com exposições em painéis em Quiltarte nos Estados Unidos.
Sugestões de obras da autora:
ARAÚJO, S. M. P. Coleção Surpresas Crônicas, trilogia de livros. Rio de Janeiro: Quártica, 2019
ARAÚJO, S. M. P.; BRIDI, M. A.; MOTIM, B. M. L. Sociologia. 2ª. ed., São Paulo: Scipione, 2018. v. 1. 394p.
ARAUJO, S. M. P. de; GIRARDI, A. Projeto de vida – uma visão ampliada. São Paulo: Editora Paulinas, 2016.
ARAÚJO, S. M. P.; BRIDI, M. A.; MOTIM, B. M. L. Sociologia: um olhar crítico. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2009. v. 1. 255p.
ARAÚJO, S. M. P. (Org,) Trabalho e capital em trânsito: a indústria automobilística no Brasil. 1. ed., Curitiba: Editora da UFPR, 2007. v. 1.338p.
ARAÚJO, S. M. P; FERRAZ, Marcos (Orgs.). Trabalho e sindicalismo: tempo de incertezas. 1. ed., São Paulo: LTr, 2006. v. 1. 287p.
ARAÚJO, S. M. P (Org.); BRIDI, M. A. (Org.); FERRAZ, Marcos (Org.). O sindicalismo equilibrista: entre o continuísmo e as novas práticas. 1ª. ed., Curitiba: UFPR/SCHLA, 2006. v. 1. 349p.
ARAÚJO, S. M. P. de; CARDOSO, A. Jornalismo e militância operária. Ed. UFPR, 1992.
ARAÚJO, S. M. P. de. Eles: a cooperativa. Curitiba: Beija-flor, 1982.