Por Deni Alfaro Rubbo (UEMS)
Sedi Hirano (1938-) é um dos grandes mestres da tradição sociológica brasileira. Formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) em 1964, o sociólogo nascido no bairro de Itaquera, zona leste de São Paulo, tornou-se, no ano seguinte, professor de sociologia pela mesma universidade, na qual também realizou suas pesquisas de mestrado e doutorado. Em mais de cinquenta anos de docência, ocupou diversos cargos relevantes na estrutura acadêmica, como Chefe do Departamento de Sociologia (1997-2000), Diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (2002-2005) e Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária (2005-2007).
De família de imigrantes japoneses instalados no interior de São Paulo, precisou trabalhar desde moço. Chamou a atenção de um professor, não por acaso, de mesma origem social. A disciplina e a disposição para o trabalho intelectual lhe garantiram a confiança, a admiração e o respaldo do autor de A revolução burguesa no Brasil, Florestan Fernandes. Para preencher a ausência de Fernando Henrique Cardoso, que então se exilou no Chile, Florestan Fernandes o indica para a cadeira de Sociologia I baseando-se em seu trabalho metódico. Nas palavras inusitadas de Florestan Fernandes, “você tem nádegas de paquiderme!”, testemunha Hirano. Além da cumplicidade afetiva, a ligação com Florestan Fernandes perduraria como uma marca indelével em todo o seu itinerário intelectual, refletindo-se tanto em seu comprometimento com o rigor científico quanto com a formação de pesquisadores e professores de alto nível.
Intrigante foi o seu primeiro trabalho acadêmico de fôlego: uma dissertação de mestrado cujo objeto principal eram as noções de casta, estamento e classe social em Marx e Weber. Seu apetite por temas clássicos da sociologia, marcados por discussões teóricas e metodológicas, não combinava com os trabalhos empíricos que eram regra das investigações sociológicas da USP. Contudo, Castas, estamentos e classes sociais: Introdução ao pensamento de Marx e Weber ([1973] 2006) é até hoje leitura obrigatória nas disciplinas de teoria de classes e estratificação social. Ao combinar análise meticulosa e clareza, Sedi Hirano nos orienta no mundo dos tipos ideais e da teoria da ação social de Max Weber. Em Marx, sob o prisma de uma totalidade aberta, sua atenção se concentra na produção social e na exploração do trabalho. Somente nesse contexto teórico é que as classes poderiam ser reveladas no seu funcionamento como categorias analíticas.
Em sua tese de doutorado, publicada sob o título Formação do Brasil Colonial ([1988] 2008), debate a questão do pré-capitalismo e do capitalismo na formação do Brasil colônia. Para desvendar a especificidade da formação social na colônia, seu horizonte analítico é novamente composto pela dupla Marx e Weber, em diálogo com os mestres Cardoso, Ianni e Fernandes. Segundo a avaliação do autor, a colônia não seria um empreendimento nem capitalista nem feudal, mas, antes, uma forma econômica pré-capitalista com prevalência de relações políticas como forma de dominação. Tese instigante que se inscreve na discussão da especificidade do capitalismo brasileiro desigual e combinado que tanto obceca nossa tradição crítica intelectual.
Seus temas de pesquisa se diversificaram à medida que o sociólogo “marxista-weberiano” construiu novos vínculos institucionais. Como membro fundador do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam), do qual foi presidente (1989-1995), aproxima-se de uma agenda latino-americana, com ênfase nas questões de desenvolvimento, modernização e pobreza. Nota-se que a consolidação do PROLAM abriu um leque interdisciplinar e latino-americano fundamental para a USP, em cuja construção de articulações e redes de apoio Hirano foi peça fundamental. Do outro lado do mundo, quando foi professor visitante do Departamento de Estudos Brasileiros da Universidade de Tenri, Japão (1995-1997), ampliou suas linhas de investigação sobre a cultura japonesa e o fenômeno da imigração. Essa circulação internacional lhe rendeu a comenda da Ordem do Sol Nascente com Raios de Ouro e Laço do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão, em nome do Imperador, por “relevantes serviços prestados para realização de convênios acadêmicos” entre a Universidade de São Paulo e universidades japonesas.
Não esqueçamos também que, em mais de meio século de atuação, Sedi Hirano formou e orientou dezenas de pesquisadores, muitos deles, professores de diversas universidades do país. A solidariedade aos jovens pesquisadores, acolhendo-os e incentivando-os com seu bom humor e suas histórias, bem como sua pesquisa, docência e gestão, trazem uma contribuição inestimável para a sociologia brasileira.
Sugestão de obra do autor:
Hirano, Sedi. (org). Pesquisa social: projeto e planejamento. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979.
Hirano, Sedi. Castas, estamentos e classes sociais. Introdução ao pensamento de Marx e Weber. Campinas, Ed. Unicamp, [1973] 2006.
Hirano, Sedi. Memorial. Concurso para Professor Titular de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
Hirano, Sedi. Formação do Brasil colonial: pré-capitalismo e capitalismo. São Paulo: Edusp, [1988] 2008.
Hirano, S. (org.) Histórias migrantes: um mosaico de nacionalidades e múltiplas culturas. São Paulo: Humanitas/FAPESP, 2014. (com Maria Luiza Tucci Carneiro)
Sobre o autor:
Rubbo, Deni Alfaro; Shishito, Fábio Akira. Peregrinações de um sociólogo caipira: entrevista com Sedi Hirano. Tempo Social, São Paulo, 33(1), 357-387, 2021.
Vasconcelos, Francisco Thiago Rocha; Taniguti, Gustavo Takeshy. Entrevista com Sedi Hirano. Plural, São Paulo, 18(1), 185-202, 2011.