Por Ricardo Festi (UnB)
Sadi Dal Rosso (Jaguari, RS, 1946) graduou-se em ciências sociais na Unisinos (1972) e realizou o mestrado e doutorado em sociologia na University of Texas System (1974-1978), com bolsa da Fundação Ford. Ingressou na Universidade de Brasília (UnB) em 1978 como professor do Departamento de Sociologia. Ao longo de mais de quatro décadas atuando na universidade, exerceu diversos cargos e funções de direção e foi um dos responsáveis pela criação do doutorado em sociologia em 1984.
Um dos maiores estudiosos sobre o mundo do trabalho no Brasil, o principal objeto que permeou as suas reflexões, pesquisas e publicações foi o tempo de trabalho. Questão estruturante da sociedade contemporânea, a abordagem realizada por Dal Rosso busca analisar as múltiplas perspectivas da concretude do tempo no âmbito do trabalho e do não trabalho. Dessa forma, pode constatar um dos principais fenômenos ocorridos nas últimas décadas, isto é, o avanço da valorização do capital para esferas típicas do não trabalho.
Três obras do autor se destacam em sua longa carreira: A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de Prometeu (1996), Mais trabalho!: a intensificação do labor na sociedade contemporânea (2008), Ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor (2017).
Em A jornada de trabalho na sociedade, Dal Rosso captou e analisou a tendência mundial de aumento da jornada de trabalho, um movimento que era visto pelas teorias formuladas na Europa e nos EUA como tipicamente dos países periféricos. Na contramão dessas teses, o autor não apenas apontou que o tempo de trabalho aumentaria em extensão e intensidade em todos os lugares, como demonstrou as limitações e as implicações teóricas das teorias do Norte Global. “Esta forma de conceber o problema é reducionista e induz a subestimar a complexidade da evolução da jornada. Sobre o ponto de vista epistemológico produz um corte na realidade social, que tanto dissimula como nega para o observador desatento” (1996, p. 424).
Dez anos depois, em Mais trabalho! (2008), Dal Rosso aprofunda a análise sobre a erosão do emprego na sociedade capitalista neoliberal, caracterizado pelo desaparecimento das relações estáveis de assalariamento e sua substituição por diferentes modalidades de contratos precários. Este processo produziu não apenas uma transformação das formas jurídicas como, sobretudo, do sentido do próprio trabalho e daqueles que o realizam. Assim, essas mudanças foram “um meio pelo qual o trabalho passaria a ganhar em intensidade, a exigir maior empenho, a consumir mais energias pessoais, físicas, emocionais e cognitivas” (2008, p. 14).
Por fim, em Ardil da flexibilidade (2017), o autor retorna ao tema da jornada de trabalho desde a ótica da flexibilização. Aqui, ele avança em sua contribuição à teoria do valor (conceito chave em sua obra), buscando atualizá-la a partir dos novos fenômenos concretos do mundo do trabalho. Como apontou, “as horas laborais constituem a essência do valor” (2017, p. 9) e o que se tem aprofundado e acelerado no capitalismo neoliberal é justamente a incorporação do tempo de não trabalho à produção do valor.
Dal Rosso também coordenou estudos e publicações sobre o movimento sindical. Além disso, ele próprio foi uma figura importante neste meio, com forte participação no movimento de docentes universitários nos anos 1980 e 1990. Atuou, ao longo desse período, nas lutas que impulsionaram a redemocratização do país, na Assembleia Constituinte em defesa do interesse da educação pública e, posteriormente, na resistência às políticas neoliberais que buscaram alterar o padrão de acumulação do capitalismo brasileiro.
Após ser presidente da Andes – Sindicato Nacional entre 1988 e 1990, quando dirigiu uma greve nacional por melhores salários e condições de trabalho, Dal Rosso foi fundador e editor da revista Universidade e Sociedade. No editorial de seu primeiro número, em fevereiro de 1991, escreveu: “hoje a conjuntura coloca, como parte da estratégia neoliberal de superação da crise do Estado, a privatização do público ou sua refuncionalização frente ao processo de reprodução capitalista. Por isso, deveremos sofrer o ataque mais cerrado já desferido à universidade pública e gratuita de que temos notícia em toda a história do movimento” (Editorial, Universidade e Sociedade, ano I, no. 1, fev. 1991).
Assim, tanto a sua obra teórica quanto a sua militância político-sindical encontra-se no campo da crítica ao trabalho no capitalismo. Por este e outros motivos, a sociologia de Sadi Dal Rosso tem como horizonte a perspectiva da emancipação humana.
Sugestões de obras do autor:
Dal Rosso. Sadi. A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de Prometeu. São Paulo: LTr, 1996.
Dal Rosso, Sadi. Mais trabalho !: a intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008.
Dal Rosso, Sadi. O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. São Paulo: Boitempo, 2017.