Por Patricia Lessa Santos Costa (UNEB)
Ruthy Nadia Laniado tem uma trajetória pessoal que integra experiências de vida no Brasil e no exterior. Costuma referir-se à sua geração como a geração de 1968, ousada e contestadora, que contribuiu para tantas mudanças e influências nas sociedades ocidentais. Inclina-se, desde jovem, para uma vivência e atuação intelectual e acadêmica, tornando-se uma profissional com contribuições importantes para a Sociologia no Brasil. Como gosta de enfatizar, ela é o produto de uma boa educação pública, de qualidade, enquanto elemento fundamental para a formação dos sujeitos e da sociedade. Seus escritos estão alicerçados na perspectiva da crítica sociológica e têm influência de diversos autores nacionais e estrangeiros, por ela mencionados e discutidos nas suas obras principais, assim como nos diversos trabalhos discentes produzidos sob sua orientação.
Um marco inicial desta socióloga foi a sólida formação de base adquirida no Curso Clássico, entre os anos de 1965 e 1967, no Colégio de Aplicação da Universidade de São Paulo, com estímulo ao conhecimento engajado, ancorado na vida política e cultural, com crítica social. Em um período duro do regime militar, a partir do golpe de 1964, ela orienta seus interesses para discutir justiça, poder, classe social e democracia, entendendo que o conhecimento se move a partir da curiosidade intelectual acerca das dinâmicas sociais e dos diversos discursos de uma época.
Em 1968, com dezenove anos de idade, ingressa no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para aprofundar estudos sobre o pensamento crítico e a organização do poder na sociedade e na democracia. Na graduação conheceu e foi influenciada por excelentes professores, como Marialice Foracchi, Gabriel Cohn, Luis Perreira, Ruy Coelho, Maria do Carmo Campelo e Souza, Ruth Cardoso, Douglas Monteiro, Eunice Durham, Lucio Kowarick, Marilena Chauí, Francisco Weffort, Oliveiros S. Ferreira, dentre outros, que contribuiram imensamente para a consolidação das Ciências Sociais no Brasil.
Em 1975 ingressa no Mestrado de Ciência Política, na área de concentração em Estudos Latinoamericanos, da Universidade de Essex, Inglaterra. A dissertação defendida em 1977 é intitulada “An analysis of the Brazilian state after 1964”, orientada por Ernesto Laclau. Tem o aporte teórico em autores como Louis Althusser, Nicos Poulantzas e Antonio Gramsci para analisar o autoritarismo e o estreitamento do campo democrático no Brasil. De 1977 a 1978 realiza um programa de residência doutoral em Essex, perseguindo os estudos teóricos iniciados naquele departamento. Uma continuidade que representa conquistas realizadas por um espírito inquieto e uma mente brilhante, que ela atribui à formação obtida em boas instituições públicas brasileiras de ensino, um reconhecimento à importância destas e dos grandes mestres que teve.
Em 1980 ingressa como docente na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Sociologia, da Universidade Federal da Bahia. Na sequência, entre 1983 e 1985, prossegue os estudos de doutorado, integrando a experiência de docência na UFBA com o doutoramento em Essex. Pôde aprofundar temas relacionados ao poder, Estado e dominação, focando no processo de decisão sobre políticas econômicas no estado da Bahia antes e depois do golpe de 1964, tendo como pano de fundo o autoritarismo e o controle juridico institucional do país sob o regime militar. A tese de doutorado é intitulada “The formation of the Brazilian authoritarian state in relation to local society: the case of Bahia (1960- 74)”, orientada por Bob Jessop, e segue a mesma orientação teórica e intelectual dos estudos em Essex. Esse período completa um ciclo de interesse mais focado em estudos sobre Estado, poder e dominação. Foi bolsista da CAPES ao longo da pós-graduação.
Suas atividades apontam também para o compromisso com a instituição universitária. Contribui na gestão universitária como chefe do Departamento de Sociologia em 1996. Atua em colegiados e cursos de graduação e pós-graduação e comissões de diversos tipos, participa de inúmeras bancas na UFBA e de outras instituições, juntamente com o ensino e a orientação discente na graduação e pós-graduação. No Departamento de Sociologia da UFBA, onde permanece por trinta e oito anos, ministra disciplinas obrigatórias centrais para o currículo do bacharelado em Ciências Sociais, como Introdução à Sociologia; Sociologia I (a formação da Sociologia como ciência, Durkheim e Weber); Sociologia IV (marxismo contemporâneo); Formação da sociedade brasileira, assim como diversas disciplinas optativas vinculadas às atividades de pesquisa e orientação, em termos temáticos e de metodologia da pesquisa. Ingressa como professora permanente do atual Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais em 1987. É também professora permanente do Núcleo de Pós-Graduação em Administração (NPGA), da mesma universidade. Orientação e ensino contínuo na pós-graduação consolidam seu vínculo acadêmico nos diversos níveis. Como pesquisadora e orientadora, junto a estes dois programas, é bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq por mais de vinte anos, Pq2, subsidiando as pesquisas, o ensino e orientações sobre Estado, democracia, instituições, cultura politica, ação coletiva e relações internacionais.
Com o término do doutorado em 1985, e bastante influenciada pela conjuntura política do Brasil que enfrentava lutas pelo fim do regime militar e por redemocratização, volta-se para o estudo da ação coletiva e dos movimentos sociais no país. Em fins dos anos oitenta coordena, em cooperação com o CRH – Centro de Recursos Humanos da UFBA, o projeto financiado pela FINEP “Estado e movimentos sociais na Bahia: 1976-1986”, observando a dinâmica de ação das associações de bairro e das comunidades populares e suas relações com o Estado, projeto que integra professores e mestrandos.
A mobilização da sociedade civil foi também a área de estudo do primeiro pós-doutorado, com o projeto intitulado “Crise e ação coletiva no contexto democrático”, realizado no Latin American Center, da Universidade de Cambridge, St. Edmund’s College, Reino Unido, entre 1993 e 1994, com apoio da CAPES. Desta experiência surge a oportunidade de publicar o primeiro artigo no exterior, intitulado “Les normes sociales dans l’imaginaire collectif”, de 1995. O texto versa sobre a ação coletiva e suas relações com a democracia no que tange ao modo como atores sociais conseguem produzir reivindicações para a reprodução do bem viver.
Nos anos noventa ela amplia sua cooperação docente ao integrar o Núcleo de Estudos sobre Poder Local (NPGA) da Faculdade de Administração da UFBA. Pesquisa com sua equipe o tema “Cultura e desempenho na sociedade civil, entre 1997 e 2003, com apoio do CNPq. Inova ao desenvolver estudos sobre cultura e mentalidade empresarial em um contexto de globalização e mudanças na economia e na política brasileira. Uma parceria que permite desenvolver três projetos com pesquisa, orientações e publicações na área. O foco é a ação social econômica dos agentes para além da produção econômica e acumulação, isto é, uma ação também voltada para o desenvolvimento da sociedade. Os resultados das pesquisas rendem publicações em capítulos de livros e artigos em periódicos, assim como trabalhos discentes de graduação e pós-graduação. Como desdobramento dessa linha de estudos, em 2004, foi contemplada por Edital Universal do CNPQ para financiamento do projeto “Capital social, solidariedade e justiça: a percepção dos atores em organizações públicas”, sob sua coordenação.
Nos primeiros anos de dois mil, a professora pesquisadora volta seus interesses para as rápidas transformações políticas e econômicas no cenário internacional. Aguça o seu olhar para o entendimento dos processos contemporâneos da globalização que fragilizam fronteiras geográficas, políticas e teóricas no campo das relações internacionais. Mantém o foco na ação coletiva, justiça, democracia, direitos humanos e regionalismo. A partir de 2006, movida por estes novos interesses, integra o grupo de pesquisa Laboratório de Análise Política e Mundial – LABMUNDO, da Faculdade de Administração da UFBA, NPGA. Essa parceria permite realizar orientações, projetos internacionais e publicações no campo da Sociologia Política e Sociologia das Relações Internacionais. São estudos que permitem um diálogo ampliado, intercalando temas e métodos, permitindo justaposições teóricas e analíticas e um aprofundamento do pensamento crítico nas teorias sociais contemporâneas ao acompanhar as mudanças do sujeito social e da ação social, individual e coletiva. Isto é, permitem compreender melhor como a ação social e a política podem transcender fronteiras, tornando tenue a linha que secciona o local e o regional do internacional. Nesta área ministra as disciplinas Tópicos Especiais sobre Globalização e Organizações Internacionais, Contestação Política e Globalização na Ordem Social Contemporânea, Tópicos Especiais sobre Globalização e Política Internacional, dentre outras.
Entre 2009 e 2010, a professora pesquisdora realiza o segundo estágio pós-doutoral, fruto de uma cooperação acadêmica entre a UFBA e o Institut d’Études Politiques (Sciences-Po) de Paris, apoiado por convênio CAPES-COFECUB. Seu projeto tem como tema “O campo da justiça social global, o desenvolvimento dos direitos humanos e a questão democrática em contextos distintos: os atores da ação política no Brasil e na França, Comunidade Europeia”. Com refinada análise aborda como atores, organizações e redes estão cada vez mais engajados em mobilizações nacionais e transnacionais em torno de soluções democráticas e de cidadania ampliada no campo da justiça, com dimensão local, nacional e global. Várias publicações são fruto desses estudos e da parceria com o LABMUNDO, assim como a produção de trabalhos discentes de graduação e pós-graduação, contribuindo para a consolidação da área de Relações Internacionais na UFBA.
Em sua carreira, seus trabalhos revelam seu interesse e atuação nos estudos sobre Estado, instituições, democracia, justiça, cultura política, ação coletiva e relações internacionais. Ruthy Nadia Laniado influenciou várias gerações de jovens sociólogos e cientistas políticos na Universidade Federal da Bahia e conta com o reconhecimento desses sobre a importância que teve com a boa qualidade do seu trabalho acadêmico e, também, por parte dos seus colegas de profissão. Inúmeros de seus orientandos, antes aprendizes, seguiram a carreira acadêmica e obtiveram inserção profissional em institutos de pesquisa e universidades, certamente influenciados por um trabalho contínuo de valorização do estudo, do conhecimento e da ciência como destacados pela professora.
Sugestões de obras da autora:
Laniado, R.N. Les normes sociales dans l’imaginaire collectif. Cahiers de l’imaginaire”. Paris. Ed. L’Hartmattan, v. 11, 1995.
Laniado, R.N. Troca e reciprocidade no campo da cultura política. In: Sociedade e Estado. Dádivas e solidariedades urbanas. Vol XVI, No. 12, jan-dez 2001.
Milani, C. R. S.; Laniado, R.N. – Transnational social movements and the globalization agenda: a methodological approach based on the analysis of the World Social Forum”. Brazilian Political Science Review, Vol.1, No 2. 2007.
Laniado, R. N. – As fronteiras da política democrática: a justiça social e as diferentes escalas da ação coletiva participativa. Martins, P.H.; Mattos, A.; Fontes, B. (Orgs.). Limites da democracia. Recife: Editora da UFPE, 2008.
Ivo, Anete B. Leal; Laniado, R. N. – The Brazilian approach to the crisis: growth recovery, basic social income and wide social pact. Ulrike Schuerken (Org.). Socio-Economic outcomes of the global financial crisis. Nova York/ Londres: Ed. Routledge, 2012.
Laniado, R. N. – Justiça social. A. Ivo (Org.): Dicionário temático desenvolvimento e questão social. 81 problemáticas contemporâneas. São Paulo: Annablume, 2013.
Laniado, R. N. – Poder e estratégias econômicas na formação do Estado autoritário no Brasil. In: Organizadores: C.A. Gallo; S. Rubert. Entre a memória e o esquecimento. Porto Alegre, Ed. Deriva, 2014.
Laniado, R. N. – Territórios, fronteiras nacionais e cidades cosmopolitas na globalização. In: Organizadoras: D. Vitale; E. S. Kraychete: O Brasil e a cooperação Sul-Sul. Salvador, Ed. UFBA, 2016.