Por Alexandre A. Cardoso (UFMG)
Ronaldo de Noronha nasceu em Belo Horizonte, MG, em 1945. Cursou os antigos ‘ginásios’ e ‘científico’ no Colégio Estadual, que então gozava de excelente reputação e por onde haviam passado várias gerações de intelectuais mineiros. Em 1966, concluiu o Curso de Sociologia e Política da FACE/UFMG e, em seguida, foi selecionado para o recém-criado Mestrado em Ciência Política, onde, com bolsa da Fundação Ford, sob orientação de José Murilo de Carvalho, titulou-se em 1971 com a dissertação Orientações Políticas dos Setores Médios, estudo baseado em pesquisa por questionário aplicado a uma amostra da população belo-horizontina e desenvolvido conforme a orientação funcionalista que caracterizaria de forma persistente o mainstream da sociologia e da ciência política praticadas na Belo Horizonte de então.
Durante o Mestrado, lecionou no famoso “curso paralelo”, iniciativa dos alunos do Curso de Ciências Sociais, que reputavam o currículo do Curso, bem como o preparo e desempenho dos professores, insatisfatórios e implementaram autonomamente um conjunto de novas disciplinas independentes da estrutura acadêmica formal da Universidade. Ainda durante o Mestrado, em 1969, passou a integrar o corpo docente do Departamento de Sociologia e Antropologia, onde permaneceu até 2015, quando se aposentou contra a vontade, ao completar 70 anos.
Nos anos de juventude, por volta dos 16, 17 anos, militou no Partido Comunista Brasileiro, do qual se desligou por perda da crença no marxismo-leninismo-maoismo e pela decepção com a direção do partido. Desde então e duradoura foi, porém, sua paixão pelo cinema, que, além da frequência assídua às salas de exibição, o levou a se relacionar pessoalmente com cineastas, técnicos, artistas e críticos em Belo Horizonte e a se engajar na crítica de cinema, escrevendo-as quase diariamente no jornal Estado de Minas entre 1965-69, além de militar no cine-clubismo e de trabalhar na realização de filmes experimentais, abundantes naquele tempo. Seu projeto de doutoramento, na École de Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Paris, sob orientação do historiador Marc Ferro, no início dos anos 1980, foi também sobre cinema. Infelizmente, retornou ao Brasil sem concluir a tese.
Sua abordagem do cinema foi inovadora e procurou articular as dimensões ‘internas’ do fazer cinematográfico, como as limitações técnicas e as escolhas estéticas envolvidas na produção de um filme, com aquelas ‘externas’, relativas às condições estruturais, econômicas, políticas e culturais que sempre conformam a produção e recepção das obras de arte.
Nos anos iniciais de sua carreira como professor, Ronaldo ensinou metodologia e, diferentemente de sua abordagem do cinema, na sala de aula se mantinha nos marcos do mainstream de então. As questões de investigação social que tratava eram a produção e tratamento de dados, amostragem, a construção de variáveis, seus indicadores, sua operacionalização, formulação de hipóteses, análise de dados, etc. Também ofereceu cursos sobre os principais paradigmas da teoria e da filosofia da ciência, os de Karl Popper, Gaston Bachelard e Thomas S. Khun.
A partir dos anos 80, com a criação do Mestrado em Sociologia da FAFICH/UFMG, passou a ensinar teoria sociológica e sociologia da cultura. Ministrou várias disciplinas na área teórica, cobrindo as contribuições ‘clássicas’, dentre as quais manifestava especial apreço pelas de Georg Simmel e de Max Weber. Dentre as perspectivas mais contemporâneas, revelava certa preferência pelas contribuições de Walter Benjamin, de Alfred Schutz, de Michel Foucault, de Norbert Elias, de Pierre Bourdieu, de Bernard Lahire e dos norte-americanos Howard Becker e Erving Goffman. Lecionou também disciplinas temáticas em sociologia da cultura, da arte, do cinema e da literatura, geralmente apoiadas em projetos de pesquisa específicos, realizados por grupos de pesquisa, envolvendo alunos. Suas aulas na graduação e na pós-graduação sempre foram muito concorridas e gozaram de alta consideração pelos alunos, preparadas que eram com esmero, recheadas de grande erudição e apresentadas com a elegância de um fino humor.
Com ênfase na literatura e nas artes visuais integrou, nos anos 2000, o grupo de pesquisa formado pelos professores Paulo Henrique Osório Coelho, Leonardo Figoli, Maria Beatriz Coelho e alunos. A equipe realizou ampla pesquisa financiada pela FAPEMIG, intitulada Campo artístico em Minas Gerais. O grupo também participou do projeto BH Área Survey, de pesquisa de survey longitudinal na Região Metropolitana de Belo Horizonte, com parcerias internacionais. O grupo foi responsável pela elaboração e análise das questões sobre ‘capital cultural’ no survey. Relacionadas a essas pesquisas, orientou 11 dissertações de mestrado, duas monografias de especialização, 16 trabalhos de conclusão de curso de graduação e apresentou trabalhos em congressos da ANPOCS, SBS e ABA. Também exerceu funções administrativas na Universidade, como a coordenação do Curso de Ciências Sociais, a chefia do Departamento de Sociologia e Antropologia e representação no Conselho Universitário, entre outras.
Os interesses de Ronaldo também abarcaram os esportes e a música. Torcedor ‘de pijama’, “desde criança”, do América, de fato, sempre foi pouco indulgente com o futebol brasileiro e preferia acompanhar pela tv os campeonatos europeus de clubes, os torneios da NBA, da PGA e da WTA. Sua grande paixão esportiva, no entanto, foi o xadrez. Além de haver disputado duas vezes o campeonato mineiro, recebeu durante décadas grupos de amigos em casa nos fins de semana, para rodadas de xadrez, regadas com boa música e outros estimulantes da imaginação e do bom humor.
Sugestões de obras do autor:
NORONHA, Ronaldo. A formação dos gostos: sociologia dos juízos estéticos in Teoria & Sociedade, n.3, julho 1999
NORONHA, Ronaldo. A produção coletiva da arte: artistas, mundos sociais e convenções in Teoria & Sociedade, n.13.2, jul.dez. 2005
NORONHA, Ronaldo.‘O invasor’: luta de classes à brasileira? in Inês A.C.Teixeira e José S.M. Lopes, orgs. A diversidade cultural vai ao cinema, ed. UFMG, 2006
NORONHA, Ronaldo. “Desigualdades sociais e capital cultural” in Neuma Aguiar, org., Desigualdades sociais, redes de sociabilidade e participação política, Ed. UFMG, 2007
NORONHA, Ronaldo. A era do rádio, de Woody Allen in Rádio em Revista, FAFICH/UFMG, junho 2010
NORONHA, Ronaldo. Godard, nosso educador in Mário A. Coutinho e Ana L. S. Maior orgs. Godard e a Educação, 2013
NORONHA, Ronaldo. Luzes e sombras in Mário A. Coutinho e Paulo A. Gomes, orgs. Presença do CEC: 50 anos de cinema em BH.