Por Amurabi Oliveira (UFSC)
Um Ph.D. nada típico[1]
Roberto Motta nasceu em 14 de setembro de 1940 na cidade do Recife, tendo uma formação familiar bastante particular como costuma demarcar, sendo neto de um pastor presbiteriano por parte de mãe, e sobrinho de um bispo católico por parte de pai. Seu pai era o intelectual Mauro Mota (1911-1984), que além de escritor renomado imortal da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de Letras, esteve na direção executiva do então Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (atual Fundação Joaquim Nabuco), de 1956 a 1970, tendo trabalhado com Gilberto Freyre (1900-1987).
Em seu processo formativo, Roberto Motta concluiu o curso ginasial em 1957 no Colégio Nóbrega em Recife, tendo optado por continuar seus estudos no campo da filosofia, segundo ele por influência de seu professor Fernando Barros Leal. Inicialmente movido por um desejo de seguir a carreira religiosa, ingressou em um seminário em João Pessoa, onde permaneceu por um ano, e depois em um seminário em Olinda, e apesar de não ter seguido esse caminho, destaca a relevância desse período para a formação de sua disciplina intelectual. Concluiu o curso de filosofia na Universidade Federal de Pernambuco em 1962, tendo sido aluno de Ariano Suassuna (1927-2014). Iniciou sua carreira lecionando história no ensino médio e atuando como tradutor no Instituto Joaquim Nabuco.
Ainda nos anos de 1960 ganhou uma bolsa de estudos para realizar seu mestrado em Ciências Sociais e Desenvolvimento no Instituto de Ciências Sociais na Holanda, tendo finalizado em 1964 a dissertação Towards a Study of Alienation amongst Some Foreign Workers in The Netherlands, regressando ao Brasil após o golpe militar de 1964. Voltou a atuar no Instituto Joaquim Nabuco e passou a lecionar na Universidade Federal de Pernambuco a partir de 1970, atuando no mestrado em Sociologia que havia sido fundado em 1967 como Programa Integrado de Economia e Sociologia[2]. Também no ano de 1970 obteve uma bolsa da comissão Fullbright para realização de estudos doutorais nos Estados Unidos, para cuja seleção contou com uma carta de recomendação de Gilberto Freyre. Apesar de seu desejo inicial de realizar seu doutorado na Sociologia, devido a suas notas nos testes com raciocínio lógico-matemático foi aconselhado por Charles Wagley (1913-1991) a realizar seus estudos na Antropologia, tendo iniciado seu doutorado na Universidade de Colúmbia, onde foi supervisionado por Robert F. Murphy (1924-1990).
É em seu período doutoral que Roberto Motta passa a se dedicar à pesquisa sobre o Xangô de Recife, tema sugerido por seu supervisor. Sua tese só foi finalizada quase dez anos depois do seu ingresso em Colúmbia, tendo sido defendida em 1983 sob o título Food for Thought: The Xangô Religion of Recife, na qual explora a dimensão sacrificial do Xangô. Nesse meio tempo além de se dedicar às atividades da graduação em Ciências Sociais e do mestrado em Sociologia da UFPE – mantendo seu vínculo com a Fundação Joaquim Nabuco[3] – também foi um dos fundadores, junto com René Ribeiro (1914-1990), do primeiro mestrado do Nordeste em Antropologia, em 1977.
Além de estudos mais empíricos acerca das religiões afro-brasileiras, Roberto Motta também trouxe contribuições significativas para o campo das ciências sociais da religião ao explorar a relação entre os cientistas sociais e a religião. Ademais, suas contribuições abarcam ainda a área de pensamento social, destacando-se suas publicações sobre MaxWeber e sobre Gilberto Freyre. Tanto suas interpretações do pensamento de Weber quanto de Freyre são pouco ortodoxas, desenvolvendo novas chaves de compreensão desses autores, que distam sensivelmente daquelas que se tornaram hegemônicas nas Ciências Sociais brasileiras.
No plano nacional pode-se dizer que Roberto Motta foi um dos fundadores do campo das Ciências Sociais como nós o conhecemos hoje em termos institucionais, principalmente ao considerarmos o processo de expansão e consolidação dessas ciências fora do eixo Rio-São Paulo. Todavia, longe de produzir uma carreira mais “regional”, Roberto Motta também foi um dos primeiros de sua geração a internacionalizar sua carreira, destacando-se o fato de ter realizado ainda estágios pós-doutorais nas universidades de Paris V, em Harvard e na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Foi ainda professor visitante nas universidades de Paris V, Lyon, Nice, Roma II, Caen, da Califórnia em Los Angeles, do Center for the Study of World Religions de Harvard, da Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, de Paris, sendo atualmente pesquisador associado do Groupe de Sociologie des Religions et de la Laicité do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS).
Roberto Motta foi orientador de toda uma geração de sociólogos e antropólogos da religião, especialmente no Norte e Nordeste, muitos deles se tornaram professores em departamentos de Ciências Sociais de outras universidades, tais como Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dentre outras.
Ao longo de mais de 50 anos como professor e pesquisador, Roberto Motta deixou sua marca no campo das Ciências Sociais brasileiras, além de sua vasta produção intelectual também é conhecido pelo seu humor sui generis, e pela sua personalidade carismática.
Sugestões de obras do autor
MOTTA, Roberto. Xangô, Jurema e Umbanda: anotações sobre três formas de religião popular na região do Recife. Revista del CESLA, nº 26, p. 3-24, 2020.
MOTTA, Roberto; FERNANDES, Marcionila (Orgs.). Gilberto Freyre: Região, Tradição, Trópico e Outras Aproximações. 1Rio de Janeiro: Instituto Miguel de Cervantes, 2013.
MOTTA, Roberto Max Weber’s Vocation: Some Remarks Concerning the Disenchantment of the Disenchanter. Social Compass, v. 58, p. 153-161, 2011.
MOTTA, Roberto Reação a Max Weber no Pensamento Brasileiro: O Caso de Gilberto Freyre. Estudos de Sociologia (Recife), v. 13, p. 185-206, 2008.
MOTTA, Roberto (Org.). L’Actualité de Roger Bastide: Race, Religion, “Saudade” et Littérature. Saint Paul de Fourques: Bastidiana, 2005.
MOTTA, Roberto. Paradigmas de Interpretação das Relações Raciais no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos, v. 38, p. 113-134, 2000.
Sobre o autor
MOURA, Carlos André Silva de; COSTA, Danilo Vaz-Curado Ribeiro de Meneses; SILVA, Drance Elias da. (Orgs.). Sociologia, Religiões e Modernidade – Ensaios em homenagem a Roberto Motta. Recife: EDUPE, 2020
OLIVEIRA, Amurabi. Entrevista com um “ph.d. nada típico”:Xangô, Weber, Gilberto Freyre e outrosassuntos com Roberto Motta. Latitude, v. 8, n. 2, p. 427-440, 2014.
[1] Esse título faz alusão ao artigo publicado em 1978 de autoria de Gilberto Freyre sobre Roberto Motta.
[2] Os programas de economia e sociologia continuaram integrados até 1981.
[3] O Instituto Joaquim Nabuco foi transformado em Fundação Joaquim Nabuco em 1980.