Por Simone Wolff (UEL)
Ricardo Luiz Coltro Antunes, nascido em São Paulo (1953), é professor titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/UNICAMP) desde 1986. Graduou-se em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas/SP (1975), onde lecionou de 1977 a 1981. É mestre em Ciência Política pela UNICAMP (1980) e doutor em Sociologia pela USP (1986). Foi professor visitante na Universidade de Sussex (Inglaterra), na Universidade Ca’Foscari (Veneza/Itália) e na Universidade de Coimbra (Portugal). Como reconhecimento de sua atuação no campo da Sociologia do Trabalho no Brasil e América Latina, foi contemplado com a Cátedra Florestan Fernandes do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO) e com a Comenda do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Sua tese “As formas de greve: o confronto operário no ABC paulista – 1978/80”, deu origem ao livro “A rebeldia do trabalho” (Editora da Unicamp, 1992), que logo se tornou referência para os estudos sobre sindicalismo no país. Em continuidade com o tema da sua dissertação de mestrado, que versou sobre a consciência de classe do operariado brasileiro, Antunes analisa esta questão tomando como objeto as greves operárias que eclodiram no setor industrial paulista no final dos anos 1970. A partir de uma concepção ampla das relações entre classes sociais e Estado, o livro aborda os determinantes históricos que levaram o movimento operário da época a se distanciar de um sindicalismo de classe, seu projeto inicial, em favor de um sindicalismo de negociação.
Na contramão das leituras que viam na criação da primeira central única de trabalhadores do país, a CUT, o coroamento de um novo sindicalismo de ethos socialista, Antunes demonstrou que, diante do contexto da ditadura, prevaleceu um sindicalismo pragmático, voltado para a garantia de direitos de cidadania em detrimento da luta de classes. Como resultado, o velho sindicalismo herdado do getulismo, baseado na dependência do Estado e na colaboração entre capital e trabalho, foi remodelado para se adequar à abertura democrática que se avizinhava.
Em seus últimos balanços sobre o tema, Antunes aponta que este novo sindicalismo se transfigurou em um sindicalismo negocial de estado, visto que continua atrelado ao Estado, ao mesmo tempo em que é fortemente influenciado pela agenda neoliberal, que busca eliminar a intervenção estatal das negociações trabalhistas.
Em 1994, obteve o título de professor Livre-Docente em Sociologia do Trabalho na UNICAMP com a tese “Adeus ao trabalho? Ensaio Sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho”; publicada em livro sob o mesmo título pela primeira vez em 1995 (Ed. Cortez), encontra-se na sua 16ª edição. Esta obra se tornou um clássico da Sociologia do Trabalho contemporânea, tendo sido publicada na Argentina, Colômbia, México, Espanha, Itália e, mais recentemente, no Reino Unido (Ed. Brill, 2022).
Em 1999, outro clássico vem a público, “Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho” (Ed. Boitempo). Fruto de seu período de pesquisa na Universidade de Sussex, que resultou na tese pela qual obteve o título de Professor Titular da UNICAMP (2000), este livro teve igual repercussão internacional, sendo publicado nos Estados Unidos, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, Argentina, Venezuela e Colômbia.
Dentre suas obras mais recentes, destacam-se “Infoproletários” (2009), “O continente do labor” (2012) e “O privilégio da servidão” (2018), além da organização das coletâneas “Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil”, volumes I (2006), II (2013), III (2014) e IV (2019), e “Uberização, trabalho digital e indústria 4.0” (2020); todas publicadas pela editora Boitempo onde ele coordena a Coleção Mundo do Trabalho.
Estes trabalhos, assim como o restante de sua vasta bibliografia, refletem os mais de 40 anos de dedicação a pesquisas sobre o mundo do trabalho, que vêm influenciando tanto a Sociologia quanto as diversas áreas em que esta temática tem relevância, tais como Serviço Social, Ciência Política, História, Geografia, Direito, Administração, Economia, Psicologia, Saúde Coletiva, Medicina do Trabalho. Sua transversalidade entre diferentes campos do conhecimento permitiu construir pontes preciosas para pensar o trabalho em suas várias perspectivas, abrindo diálogos fecundos para a compreensão de um objeto cada vez mais heterogêneo, multifacetado e em constante mutação.
As questões e debates sobre as metamorfoses no mundo do trabalho que Ricardo Antunes trouxe em “Adeus ao trabalho?”, em um contexto neoliberal ainda incipiente, edificaram um programa teórico original de grande envergadura, inaugurando as principais pautas que viriam a ser desenvolvidas nas próximas décadas acerca desta temática no Brasil. Este programa rompeu com o adeus ao trabalho postulado pelo paradigma da Sociedade Pós-Industrial, então hegemônico não só nos estudos do trabalho, mas nas principais teorias sociais que emergiram do pós-Maio de 1968, situando-o como um grande expoente da Sociologia brasileira.
O seu debate com Habermas à luz da ontologia de Lukács, estruturou uma crítica consistente às teses do pós-industrialismo, aprimorada em “Os sentidos do trabalho”, revelando o seu viés eurocêntrico e trazendo aportes teóricos inovadores, que revigoraram o método de Marx para reafirmar o trabalho como essência fundante do ser social. E, enquanto tal, como categoria-chave da Sociologia. Ao invés do fim da centralidade do trabalho, havia fetiche, alienação e ideologia; conceitos fundamentais para entender as mediações que levavam ao estranhamento do trabalho, a ponto de se negá-lo na teoria. Ao invés de sociedade pós-industrial, da informação, de serviços, desvelava-se um capitalismo que faz avançar a lógica da industrialização para a esfera da circulação e das finanças, trazendo novas modalidades de exploração do trabalho que ampliam, quantitativa e qualitativamente, a concepção de classe trabalhadora.
O vanguardismo desta agenda absorveu demandas reprimidas de pesquisas críticas ao paradigma dominante, assim como carentes de um aparato teórico que pudesse perfilar estas transformações à nova fase de acumulação capitalista, assinalada pelo neoliberalismo. Através de Ricardo Antunes, conceitos como novo sindicalismo, reestruturação produtiva, acumulação flexível, toyotismo, trabalho digital, flexibilização e precarização do trabalho se consolidaram no léxico sociológico brasileiro, renovando a Sociologia do Trabalho do país e contribuindo significativamente para a sua projeção internacional.
Em especial, trouxe para o debate tópicos até então em segundo plano à perspectiva de classes, tal como a sua articulação com as questões de gênero, raça e identidades, atestando a fecundidade do marxismo para responder aos novos desafios teóricos e práticos colocados à classe trabalhadora.
As inovações teórico-metodológicas abertas por Ricardo Antunes consubstanciam-se hoje como uma tradição de pesquisa consolidada dentro do estado da arte da Sociologia do Trabalho no Brasil. Uma tradição que permanece sintonizada com as atuais transformações no mundo do trabalho, e que vem frutificando-se em novos e candentes problemas e objetos de pesquisa, tais como empreendedorismo, uberização do trabalho, trabalho de plataformas, indústria 4.0, proletariado de serviços.
Sociólogo público e sempre atuante junto a partidos políticos, movimentos sociais e sindicais, suas contribuições igualmente subsidiam suas disputas em torno da manutenção de direitos humanos e trabalhistas, bem como a sua extensão para as novas formas de trabalho decorrentes dos avanços da indústria 4.0 e do aprofundamento do projeto neoliberal no país. O seu legado ecoa, assim, não só nas várias gerações de pesquisadores e pesquisadoras que ele tem formado no decurso das últimas décadas, mas nas diversas práxis que contraditam os discursos que naturalizam a precarização do trabalho no capitalismo contemporâneo.
Sugestões de obras do autor:
ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho, Edição comemorativa 20 anos. 16. ed. São Paulo: Boitempo, 2015.
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre afirmação e a negação do trabalho. Edição revista e ampliada. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2015.
ANTUNES, Ricardo. O Continente do Labor. São Paulo: Boitempo, 2012.
ANTUNES, Ricardo. Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009.
ANTUNES, Ricardo. O Caracol e a sua concha. São Paulo: Boitempo, 2005.
ANTUNES, Ricardo. Desertificação Neoliberal no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2005.
ANTUNES, Ricardo. O Que é Sindicalismo. 19. ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.
ANTUNES, Ricardo. Neoliberalismo, Trabalho e Sindicatos. São Paulo: Boitempo, 1999.
ANTUNES, Ricardo. O Novo Sindicalismo no Brasil. São Paulo: Pontes, 1995.
ANTUNES, Ricardo. A Rebeldia do Trabalho. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.
ANTUNES, Ricardo; SILVA, Jair Batista da. Para onde foram os sindicatos? Do sindicalismo de confronto ao sindicalismo negocial. Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 75, p. 511-528, Set./Dez. 2015. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/20066
Sobre o autor:
NOGUEIRA, Claudia Mazzei; SILVA, Maria Liduína de Oliveira e. Adeus ao Trabalho? Vinte anos depois…. Entrevista com Ricardo Antunes. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 124, p. 773-799, out./dez. 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/RZSyCv5F8dfQZrydPkDJc4w/?format=pdf&lang=pt
SOLDERA, Lucas Martins. Entrevista com Professor Dr. Ricardo Antunes (UNICAMP – Campinas-SP). Entrevista concedida ao Laboratório Interinstitucional de Subjetividade e Trabalho – LIST, acerca do tema Trabalho, Política e Ação. Psicologia em Estudo [online], Maringá, v. 25, e48193, p. 1-8, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.48193