Por Rosemary Fritsch Brum (UFRGS/UNISINOS)
Renato Paulo Saul nasceu em Porto Alegre em 28 de maio de 1934. Entre 1963 e 1974 cursou e concluiu Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Seguiu-se uma Especialização em Planejamento Urbano e Regional no Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, PROPUR, na mesma universidade.
Em 1983 concluiu o Doutorado em Ciências Sociais na Universidad Autónoma do México, UNAM, com a tese “Propriedad, Trabajo y Liberalismo en una Sociedad Esclava Moderna (Brasil Siglo XXI)”, na área de Estudos em Sociologia do Desenvolvimento, com Especialização em Pensamento Social, tese que recebeu o primeiro lugar no Concurso de Teses sobre a História da América Latina, promovido pela Associação de Historiadores Latino Americanos e do Caribe, ADHLCA. Nesse mesmo ano Renato Saul foi agraciado com a Menção Honorífica da Faculdad de Ciencias Politicas e Sociales da UNAM.
Como docente e pesquisador destacou-se pela abrangência de seu olhar sobre o pensamento social latino-americano e sua realização histórica no Brasil. Questionou como determinados paradigmas epistemológicos e soluções ideológicas correspondentes impuseram-se na teoria e na prática sociológicas. Horizontes explicativos, que na contemporaneidade do neoliberalismo justificam a hierarquia da dominação material, política e simbólica sobre os grupos sociais. Optou por perscrutar crítica e analiticamente como o mundo do trabalho, a ideologia e a violência social são assentadas no processo histórico.
A atividade profissional docente foi iniciada em 1970, quando ingressou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde permaneceu até 1993, quando se aposentou, já como professor Titular do Departamento de Sociologia e do PPGSociologia. Em 1996 recebeu Menção de Reconhecimento pela Atuação no Magistério Superior da UFGRS.
Foi professor Visitante Titular na UNISC, Universidade de Santa Cruz do Sul/RS, de 1994 a 1999, onde orientou dissertações e teses no PPG em Desenvolvimento Regional, com ênfase na Sociologia do Desenvolvimento, Processo de modernização e Desenvolvimento Sociocultural. A partir de 1999, foi docente na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS, São Leopoldo/RS, onde permaneceu até 2004. Na graduação lecionou a disciplina de Epistemologia das Ciências Sociais, e no PPG em Ciências Aplicadas pesquisou e orientou mestrandos e doutorandos em temas da contemporaneidade do trabalho, suas transformações e alternativas.
Após a publicação da “Modernidade Aldeã”, em 1990, onde sistematiza suas reflexões principalmente sobre o Pensamento Social, assistimos a uma constante fertilização intelectual desdobrada em capítulos de livros, artigos publicados e trabalhos em congressos e seminários de abrangência nacional e internacional.
Sua trajetória revela uma práxis sociológica insurgente, teórica e metodologicamente, sublinhada pelo inconformismo diante do crescente corporativismo em todas dimensões da vida social. Seus escritos obedecem a uma espécie de convocação moral e axiológica da Sociologia diante da crescente desigualdade garantida pela violência perpetrada pelas instituições e corporações nacionais e internacionais. Coloca como as transformações tecnológicas sobre o mundo do trabalho resignificam as tradições categoriais da Sociologia, tais como capital humano e capital social. A esse movimento, Renato Paulo Saul esteve alerta e demonstrou como, retiradas do seu contexto histórico, essas categorias confundem –se ao próprio conceito de sociedade civil. A velocidade desses projetos nas sociedades capitalistas sujeita os trabalhadores à desmaterialização do processo de trabalho e à apropriação do conhecimento gerado.
Todos esses fatores concorrem para a tematização sobre os direitos humanos, justiça social, a moralidade da questão social e o apagamento ideológico das liberdades civis, o que expõe a Sociologia para o leque do concurso das demais disciplinas sociais. O alerta do pesquisador volta-se para a crise e a regeneração paradigmática da Sociologia, o risco concreto da pulverização da sua própria organização e objeto. O estilhaçamento do ser social epistêmico será a consequência desse apagamento virtual da reflexão e da historicidade dos conceitos fundantes e dos paradigmas da Sociologia como ciência. Mas, se constata esse movimento, outras manifestações sociológicas chamam seu interesse. Tratam-se das conformações urbanas, dos movimentos sociais e seus conteúdos, o atravessamento entre o mundo real e o mundo virtual. Saber o que desejam, o que questionam, quais os mecanismos de vazão política em estado de potência são as questões preeminentes para as ciências sociais no Brasil.
O pensamento de Renato Paulo Saul é, pois, uma convocação permanente para a vigilância epistemológica, teórica e metodológica da ciência social. É o olhar manifesto do docente, pesquisador e cidadão que se sabe um ser social responsável no seu tempo. Em vista disso, sua qualidade pessoal deve ser nomeada. Na condução do debate interno e externo ao ambiente acadêmico, a germinação de suas ideias e programas de estudos foram instados a distintos sistemas socioculturais próprios. Em todos ambientes lhe foram requeridas as virtudes da intransigência ética alinhada a uma postura racional, considerando que a Sociologia e seus praticantes são acometidos e confrontados pelas operações do caráter utilitário e instrumental da sociedade abrangente. Renato Paulo Saul emprestou sua voz insurgente e deixou sua marca na formação de pesquisadores, professores, alunos e cidadãos.
Sugestões de obras do autor:
SAUL, Renato Paulo. A modernidade aldeã. Porto Alegre, UFRGS.1990.180p.
SAUL, Renato Paulo; SANTOS, J. Vicente dos; BARREIRA, Cesar; BAUMGART, Maira (Org.). O dilema do desenvolvimento na formação do século XX: entre a justiça social e a democracia econômica. Crise social e multiculturalismo. São Paulo, HUCITEC, 2003. pp.47-66.
SAUL, Paulo Renato; Kell, Ivete; ALBURQUERQUE, Paulo; SOLON, Viola. (Org.).Tradição sociológica, terceiro caminho e direitos humanos. Direitos humanos, alternativas de justiça social na América Latina. São Leopoldo, UNISINOS, 2002, pp.29-63.
SAUL, Renato PAULO. Sociedade negacional e pobreza. Centro de Estudos Marxistas-RS (Org.). Os fios de Ariadne. Porto Alegre, Universidade de Passo Fundo, 1999, pp.93-115.
SAUL, Renato Paulo. Marxismo analítico, o marxismo burguês. Centro de Estudos Marxistas (Org.). Luz e sombra. Ensaio de Interpretação marxista, Porto Alegre. UFRGS, 1997.