Por Nina Rosas (UFMG)
Renan Springer de Freitas nasceu em 1957, em Belo Horizonte. Seus avós maternos, judeus berlinenses, chegaram ao Brasil em 1935, fugidos do nazismo. Seu pai, mineiro de Couto de Magalhães de Minas, foi seminarista em Diamantina, percorrendo a única possibilidade de estudo para quem, na época, vivia no Vale do Jequitinhonha.
Religião, etnicidade, migração e inquietações em torno do conhecimento conformaram não somente o contexto de vida de Renan, como também as grandes contribuições intelectuais oferecidas à Sociologia. Em 1980, graduou-se em Ciências Sociais, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, oito anos depois, havia realizado mestrado e doutorado em Sociologia no IUPERJ. Sua dissertação, intitulada Bordel, bordéis: negociando identidades, foi publicada pela Editora Vozes, em 1985, e ainda permanece como obra incontornável sobre o trabalho sexual em Belo Horizonte. Entre 1984-1986, Renan atuou como professor na Universidade Federal de Ouro Preto. Dela se desvinculou para ingressar como docente na UFMG, onde permanece.
Entre 1990-1992, Renan atuou como pesquisador visitante na University of Amsterdam, na Holanda, com bolsa de pós-doutorado concedida pela CAPES. Sempre preocupado com o fazer sociológico, sua incursão na Sociologia do conhecimento e da ciência já se desenhava a partir da provocação de debates situados nas grandes correntes do pensamento, como etnometodologia, marxismo, construtivismo, racionalismo e pragmatismo. Entre 1993-1994, Renan discutiu, posicionando seu diálogo para uma audiência internacional, os princípios metodológicos dos esforços científicos. Em 1997, publicou, na revista Philosophy of the Social Sciences, Back to Darwin and Popper: Criticism, migration of conceptual schemes and the growth of knowledge, artigo que posteriormente foi traduzido para o japonês. Há mais de dez anos Renan faz parte do corpo editorial do referido periódico.
Sua trajetória na primeira década dos anos 2000 se distinguiu por inúmeras contribuições à história da ciência e às suas metodologias, com destaque para o livro Sociologia do conhecimento, pragmatismo e pensamento evolutivo, publicado em 2003, após ter recebido a premiação do Concurso Edusc-ANPOCS. A obra apontava para o paroquialismo inerente ao esforço, peculiar à Sociologia do conhecimento que se desenvolveu a partir de 1970, no sentido de fazer dela a ciência da ciência. Destaque desse período também são os textos A saga do ideal de boa ciência, publicado na Revista Brasileira de Ciências Sociais, em 2004, e A sedução da etnografia da ciência, publicado na Revista Tempo Social, um ano depois. Em setembro de 2006, Renan foi professor visitante na Duke University, na Carolina do Norte/EUA. O final dessa década foi marcado pela investigação de uma questão que sempre esteve como pano de fundo das pesquisas do autor, qual seja, a de compreender como corpos não científicos influenciam a produção e a definição de ciência. Nessa trilha, em 2008, Renan investigou o caráter teológico do argumento sociológico a respeito da peculiaridade da civilização ocidental. Comparou a posição de Max Weber e de teólogos contemporâneos a respeito das relações entre o judaísmo antigo e o cristianismo primitivo, publicando, como resultado, uma série de artigos e, em 2010, sua tese de habilitação para professor titular, que se tornou o livro Judaísmo, racionalismo e teologia cristã da superação: um diálogo com Max Weber.
Nos anos subsequentes, continuou discutindo o fazer científico e suas controvérsias, dando ênfase a uma comparação entre áreas, tanto no que tange às diferentes subáreas da Sociologia, como a sociologia do crime, como colocando em perspectiva a Sociologia e as Ciências Biológicas.
Em 2013, inspirado pelo diálogo que vinha traçando com o trabalho do historiador Trevor-Roper, que mostrou a importância das migrações flamenga e portuguesa para o empreendedorismo econômico, Renan se propôs a escrutinar o papel das migrações de diferentes confissões religiosas para a articulação da indústria inglesa com a ciência moderna e com o capital financeiro. Como fruto desse esforço, mostrou que a imigração de escoceses e alemães para a Inglaterra, nos séculos XVII e XVIII, levou consigo uma cultura científica (trabalho em laboratórios e instituições de divulgação científica), além de conhecimentos técnicos (como os da química), capazes de impulsionar o desenvolvimento industrial comumente atribuído à tradição educacional científica da própria Inglaterra.
Em 2015, Renan obteve cátedra no Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT-UFMG), que visa concatenar temas de repercussão internacional com abordagens inovadoras e potencialmente transdisciplinares. Esse também foi o período em que se viu o aprofundamento de suas reflexões sobre as bases epistemológicas da ciência, questionando: 1) quanto à competência de corpos não científicos, como a Teologia do Novo Testamento, serem capazes de estabelecer uma agenda de investigação comum, sem se desdobrarem em escolas de pensamento ou paradigmas, contrariamente ao observado na Sociologia; 2) quanto à inefetividade de a Sociologia produzir uma síntese teórica (“corpo único de raciocínio teórico sistemático”), dada a ausência de demanda/problema específico que a fizesse necessária. Argumentações de grande fôlego foram produzidas nesses sentidos.
Em 2020, as preocupações do autor deram origem ao livro Ciladas no caminho do conhecimento sociológico, publicado para UFRJ, para abordar o comportamento da Sociologia em termos de seus méritos epistemológicos e da capacidade (ou não) de generalização de seu conhecimento. Renan visou compreender o modo como sínteses teóricas são feitas na Sociologia e em outras áreas, e por que, somente na Sociologia, há uma multiplicação de “seitas acadêmicas” em vez de agendas de investigação comuns.
Em 2021, seus artigos foram selecionados para compor parte da Coleção Cadernos Ultramares, publicada pela Editora Oca, de Lisboa. O volume foi intitulado Em busca da sociologia não paroquial, artigo originalmente publicado em 1998.
Renan realizou diversas funções administrativas na UFMG e em outras instituições, tendo exercido o cargo de editor chefe da Revista Brasileira de Sociologia, entre 2019 e 2020. Bolsista de produtividade em Pesquisa do CNPq, dá continuidade a uma agenda de pesquisa incansável, apesar dos grandes trabalhos já realizados.
Sugestões de obras do autor:
FREITAS, Renan Springer de. Back to Darwin and Popper: Criticism, migration of piecemeal conceptual schemes, and the growth of knowledge. Philosophy of the Social Sciences, vol. 27, n. 2, p. 157-179, 1997.
FREITAS, Renan Springer de. Ciladas no caminho do conhecimento sociológico. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020.
FREITAS, Renan Springer de. Judaísmo, racionalismo e teologia cristã da superação: um diálogo com Max Weber. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010.
FREITAS, Renan Springer de. Sociologia do Conhecimento, pragmatismo e pensamento evolutivo. Bauru: Edusc, 2003. (Prêmio EDUSC-ANPOCS, 2002)
FREITAS, Renan Springer de. What happened to the historiography of science?. Philosophy of the Social Sciences, vol. 32, n. 1, p. 92-106, 2002.