Por André Ricardo de Souza (UFSCar)
Nascido em 1946 na pequena cidade paulista de Potirendaba, Reginaldo Prandi se tornou um dos principais sociólogos brasileiros, tendo uma trajetória caracterizada por rápida ascensão profissional, bastante versatilidade e também reconhecimento. Sua capacidade adaptativa se mostrou já ao se transferir de um curso de medicina veterinária na USP ao de ciências sociais na Fundação Santo André, da cidade homônima, que concluiu em 1970, enquanto residia na Zona Leste paulistana. No ano seguinte, fez uma especialização em demografia também na USP, onde ingressou no mestrado em sociologia, além de se tornar pesquisador do CEBRAP, atuando junto com notórios intelectuais durante aquela que foi a fase mais dura da ditadura militar no país. Em 1972, iniciou um período de quatro anos como professor da PUC-SP, que também abrigava de modo destacado importantes pesquisadores. Atuou ainda em outras instituições particulares de ensino superior. Finalizado o mestrado em 1974, começou a fazer o doutorado, sob orientação de Aparecida Joly Correa na USP, onde se tornaria, dois anos mais tarde, professor do Departamento de Sociologia. Viria ser livre docente em 1989, professor titular em 1993 e, enfim, emérito em 2018.
No CEBRAP, onde permaneceu até 1976, Reginaldo trabalhou com pesquisa quantitativa junto com Elza Berquó, mas teve como mestre o grande pioneiro nos estudos de sociologia da religião no Brasil: Cândido Procópio Ferreira de Camargo. Aprendeu com ele como são os pilares de tal segmento sociológico, junto com o amigo que se tornaria outro eminente pesquisador dessa área, além de seu orientando de doutorado e também colega de departamento: Antônio Flávio de Oliveira Pierruci. Os três se dedicavam à compreensão do significado da religião no processo mais amplo de desenvolvimento do país. Em tal atividade, o filho dileto de Potirendaba teve contato investigativo, pela primeira vez, com as religiões afro-brasileiras, assim como o catolicismo, tendo sido esta vertente religiosa o tema de seu mestrado. Mas no doutorado, acabou versatilmente optando por pesquisar algo importante no âmbito dos estudos sobre o chamado capitalismo depentente: a condição do trabalhador por conta própria. Ambos trabalhos foram publicados, compondo quatro dezenas de livros de sua autoria, abarcando educação, religião e outros assuntos.
Sendo um dos primeiros pesquisadores brasileiros a lidar com a informática e tendo firmes conhecimentos de estatística – aplicados por ele, inicialmente, no ofício de professor particular e, depois, no ensino universitário de pesquisa por amostragem – Reginaldo Prandi foi responsável pelo desenvolvimento da metodologia, bem como um dos fundadores do Instituto Datafolha, vinculado ao jornal Folha de São Paulo, onde atuou entre 1982 e 1989. Mais que isso, por enfrentar os debates: político no Partidos dos Trabalhadores, do qual fazia parte e acadêmico na USP, então marcado por rejeição das pesquisas quantitativas, decidiu fazer sobre o tema, em 1987, um pós-doutorado nos Estados Unidos. Na volta ao Brasil, o extravio, por alguns meses, de sua bagagem – repleta de fotocópias e anotações, assim como o incentivo do amigo Procópio Camargo – o fizeram mudar radicalmente de plano para sua livre docência: pesquisar os contornos e significados da disseminação do candomblé na Região Metropolitana de São Paulo. Verificou ele ser esta não mais uma religião étnica, restrita a negros e pobres, mas algo abarcando também a branca classe média com elevada escolaridade. Iniciava ali uma inflexão investigativa que marcaria sua carreira e vida.
Em 1991, esse sociólogo publicou seu principal livro, Os candomblés de São Paulo, que, trinta anos depois, ganhou uma edição comemorativa e ampliada. É autor também de outras obras de referência na área, assim como vários e importantes artigos, abordando sobremaneira: catolicismo, pentecostalismo, espiritismo e a relação entre religião e modernidade. Deu significativas contribuições, enquanto avaliador, para o desenvolvimento de diferentes programas de pós-graduação em sociologia. Muito produtivo, foi pioneiro também em bolsas de pesquisa do CNPq, órgão que, em 2001, lhe conferiu, junto com SBPC e Ministério da Cultura, o prêmio Érico Vanucci Mendes, tendo sido premiado também, em 2017, pela Cátedra 10 Unesco-PUC-Rio, além de ter recebido, por quatro vezes, indicações para o Prêmio Jabuti de literatura. Coordenou o Comitê de Sociologia da CAPES (2001-2004) e foi membro do Comitê Acadêmico da ANPOCS. Além de sociólogo, tornou-se também um escritor bem sucedido ao publicar livros sobre mitologia, literatura infantojuvenil e ficção policial – com alguns traduzidos para outros idiomas – havendo inclusive dois best-sellers.
Com seu amplo conhecimento e a personalidade bastante objetiva, Reginaldo contribuiu expressivamente para a formação de pesquisadores atuantes em diversas universidades do país. As reuniões com grupos de orientandos em sua casa se caracterizaram por bastante competência, posicionamento enérgico, além de afeto e bom humor. Soube estabelecer reais laços de amizade a partir delas, de modo a combinar aspectos puramente intelectuais com outros eminentemente humanos.
Sugestões de obras do autor
PRANDI, Reginaldo. Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. São Paulo, Fapesp e Edusp, 1991.
PRANDI, Reginaldo; PIERUCCI, Antônio Flávio. A realidade social das religiões no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1996.
PRANDI, Reginaldo. Um sopro do espírito: a renovação conservadora do catolicismo carismático. São Paulo, Fapesp e Edusp, 1997.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixás. São Paulo, Companhia das Letras, 2001.
PRANDI, Reginaldo. Segredos guardados: orixás na alma brasileira. São Paulo, Fapesp e Companhia das Letras, 2005.
PRANDI, Reginaldo. Os vivos e os mortos: uma introdução ao espiritismo. São Paulo, Três Estrelas, 2012.