Por Amélia Cohn (USP/Unisanta)
Regina Morel (Regina Lúcia de Moraes Morel) nasceu no Rio de Janeiro em 17 de outubro de 1944, filha de Evaristo de Moraes Filho e Hilleda Flores de Moraes. Ainda no início do ensino médio (naquele tempo Clássico, voltado para as ciências humanas), pensava em estudar Filosofia ou Letras, mas as aulas estimulantes da professora de sociologia fizeram-na mudar de ideia. Prestou então vestibular para a Escola de Sociologia e Política, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, graduando-se em 1967. Antes de se formar, em 1966 passou um semestre letivo na qualidade de bolsista frequentando a “Università Internazionale degli Studi Sociali ‘Pro Deo’”, onde cursou diversas disciplinas de sociologia. Durante a graduação trabalhou como tradutora e revisora técnica para a Editora Zahar, traduzindo entre outros autores Ralph Dahrendorf e Harold Laski.
Sua primeira experiência docente em universidade pública, onde sempre militou, foi na Universidade de Brasília, contratada em 1969 junto ao Departamento de Ciências Sociais. Como ocorrerá posteriormente no Rio de Janeiro, enfrenta aí uma realidade a ser reconstruída após a destruição institucional ocorrida com o golpe civil-militar de 1964, quando foram aposentados e afastados compulsoriamente renomados professores e pesquisadores. Nessa conjuntura de efervescência de resistência à ditadura, em 1972 ingressa no programa de mestrado em Sociologia da UnB, recém-criado, como orientanda de Bárbara Freitag Rouanet. Em 1975 defende a tese “Considerações sobre a Política Científica no Brasil”, publicada como livro em 1979 com o título “Ciência e Estado – a política científica no Brasil”, pela TA Queiroz. Considerado até hoje trabalho pioneiro no campo de estudos de ciência e tecnologia, tendo sido “obra de mesa” de Luiz Pinguelli Rosa, referência de ponta na área, e escrita durante a ditadura militar, a autora analisa a intensificação de medidas de política científica e de modernização institucional do período, contrapondo-a às práticas autoritárias e repressivas em relação às universidades e instituições de pesquisa, no contexto do denominado “milagre brasileiro”. Aponta como a eficácia da política científica é limitada pelas condições históricas de expansão do capitalismo e de concentração do desenvolvimento científico-tecnológico nos países hegemônicos, fato agravado pela ausência da participação da comunidade científica em sua formulação. Esses anos de docência e pesquisa na UnB correspondem a grande crescimento profissional, mas também de intensa participação no movimento dos docentes em defesa da universidade pública e da autonomia do pensamento. Em 1977 participou ativamente da criação da ADUnB, quando as forças de repressão se voltavam contra a universidade.
Em 1979, de volta ao Rio de Janeiro, ingressa como docente no Departamento de Ciências Sociais no IFCS/UFRJ, ao qual se dedicará integralmente até sua aposentadoria, em 2007. Mergulha ativamente num movimento de reconstrução institucional depois do expurgo ditatorial, aqui também como em todas as universidades públicas, de professores e pesquisadores da Faculdade de Filosofia e do então Instituto de Ciências Sociais. Suas atividades, nos anos 1980, concentraram-se em três frentes: na luta pela reconstrução e renovação da vida acadêmica no Departamento de Ciências Sociais, incluindo a criação da pós-graduação; no movimento docente e científico de resistência à ditadura e restauração da vida científica no país; e na pesquisa e formação de pesquisadores. Na universidade sua participação na reconstrução/construção institucional abarca desde chefia de Departamento, coordenação do programa de pós-graduação, participação em vários órgãos e colegiados, e na fundação, em 1987, juntamente com sua colega de trajetória Elina Pessanha, do Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ)/IFCS.
Essa foi uma década de intensa mobilização do movimento docente; participou ativamente da criação da ADUFRJ bem como das atividades da SBPC, naquele momento voz fundamental contra os arbítrios da ditadura, colaborou na criação da regional Rio da SBPC, e foi conselheira da SBPC nacional. Participou ainda do processo de revitalização das sociedades e associações científicas: na SBS desde 1987, ano de sua reconstrução, tendo sido membro da diretoria por duas gestões, e na ANPOCS, onde participou de diversos comitês científicos e foi coordenadora do GT Sindicalismo e Política. NA ISA foi do Executive Board do grupo Labour Movements.
Em 1984 iniciou seu doutorado no Departamento de Sociologia da USP, sob orientação do Prof. Gabriel Cohn. Em 1989 defende a tese “A Ferro e fogo – construção e crise da família siderúrgica” (1941-1968), nunca publicada sob a forma de livro, mas um best-seller em fotocópias. Nela analisa a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e suas relações com a cidade de Volta Redonda (RJ) e os trabalhadores.
Utilizando fontes documentais e depoimentos de trabalhadores aposentados, investiga a CSN enquanto empresa estatal, a construção e crise da gestão “paternalista”, bem como formas de resistência e mobilização dos trabalhadores. Essa nova vertente de pesquisa da socióloga – a organização dos trabalhadores e suas memórias – consolida-se na década de 2000 com pesquisas sobre o modelo de regulação do mercado de trabalho no Brasil, o que a encaminha para o estudo sobre a Justiça do Trabalho, núcleo fundamental da mediação de conflitos entre capital e trabalho, e que desde os anos 90 vinha sendo combatida e ameaçada de extinção. Com Elina Pessanha e Angela de Castro Gomes, com financiamento da FAPERJ e do CNPq (do qual teve bolsa de pesquisa de 1989 a 2010), coordena pesquisa sobre a recuperação da história da Justiça do Trabalho, a partir de depoimentos de seus fundadores – Arnaldo Sussekind e Evaristo Moraes Filho, e realiza um extenso survey sobre o perfil dos juízes do trabalho. Tais estudos resultaram em várias publicações e na organização da Biblioteca Virtual Evaristo de Moraes Filho, que tem a organização de seu extenso acervo em continuidade até os dias de hoje.
A finura e sutileza de sua percepção do mundo, que caracterizam também sua produção científica, estão expressas em dois de seus textos: O ´Lápis Bicolor´, para o livro Evaristo de Moraes Filho – um intelectual humanista (TopBooks, 2005) e “O improvável encontro entre um pernambucano e uma carioca na Áustria”, para o livro “Carlos Morel 70 anos, trajetória de um cientista brasileiro” (Azougue, 2013).
Sua trajetória expressa fielmente o perfil de uma geração de mulheres corajosas que se profissionalizaram durante a ditadura militar, resistiram a ela, ao mesmo tempo que criaram filhos, tendo que compatibilizar a construção de uma carreira acadêmica com a militância na luta pela recuperação da ordem democrática no Brasil, sempre ameaçada.
Sugestões de obras da autora:
MOREL, R. L. M. Ciência e Estado – A Política Cientifica No Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979. 162p .
MOREL, R. L. M. (Org.) ; PESSANHA, E. G. F. (Org.) ; GOMES, A. C. (Org.) . Sem medo da utopia – Evaristo de Moraes Filho, arquiteto da Sociologia e do Direito no Brasil. 01. ed. São Paulo: LTR, 2006. v. 01.
MOREL, R. L. M. (Org.) ; PESSANHA, E. G. F. (Org.) ; VILLAS BOAS, G. (Org.) . Evaristo de Moraes Filho – Um Intelectual Humanista. 01. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. v. 01. 429p .
PESSANHA, E. G. F. ; MOREL, R. L. M. . Gerações Operárias: Rupturas e Continuidade Na Experiência de Metalúrgicos No Rio de Janeiro. REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, RIO DE JANEIRO, v. 6, n.17, p. 68-83, 1991.