Por Leonilde Servolo de Medeiros (CPDA/UFRRJ)
Regina Angela Landim Bruno nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1949. É a segunda filha de uma família de nove irmãos. Seu interesse pelas Ciências Sociais e pelo que esse campo de conhecimento poderia trazer em termos de instrumentos para “mudar o mundo” surgiu na adolescência, quando via o pai, médico, preocupado em prestar assistência às pessoas mais pobres. Esse desejo de mudança, comum à geração de 1968, foi uma das razões da escolha de um caminho profissional distinto da trajetória da família, uma vez que a maior parte dos seus irmãos seguiu os passos do pai e fez medicina. Ingressou na Universidade Federal do Ceará em 1968 e compôs a primeira turma do curso de Ciências Sociais da Universidade: um curso novo, criado sob influência, entre outras, da chamada Escola Paulista de Sociologia, em especial Florestan Fernandes e Luiz Pereira. Ao longo da graduação, se envolveu com pesquisas sobre frentes de trabalho em períodos de seca e, desde então, se sensibilizou pela pesquisa sobre o mundo rural, tema com o qual já convivera ainda na adolescência, quando circulava pelo interior do Ceará com um tio, Arquimedes Bruno, padre que acompanhava a criação dos primeiros sindicatos no estado e que foi uma grande referência em sua vida.
Terminada a graduação, foi fazer mestrado na Universidade de Brasília, onde sofreu forte influência teórica de Barbara Freitag. Interessada em estudar aspectos da reforma agrária, importante bandeira das lutas camponesas no período anterior ao golpe, optou por pesquisar os núcleos rurais criados com o objetivo de formar um cinturão verde do entorno de Brasília. Ingressou no Mestrado em 1972, sob orientação de Maurício Vinhas de Queiroz, por intermédio de quem conheceu José de Souza Martins, outra referência importante de seus trabalhos. Defendeu a dissertação intitulada As condições sociais da agricultura no Distrito Federal no início de 1976. Neste momento já fizera concurso para o Departamento Técnico-cientifico da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que tinha como uma de suas linhas de ação a assessoria a pequenos produtores. Ainda em 1976 foi para Paris, para fazer o doutorado no Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine, Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3, onde foi orientada por Jacques Chonchol, ex-ministro do governo Allende e responsável pela implementação da reforma agrária no Chile. Voltou ao Brasil em 1979, mesmo sem concluir a tese, e retomou o trabalho na Embrapa. No entanto, a pedido, em 1982, passou a ficar à disposição, mas com vínculos funcionais com a Embrapa, do então Centro de Pós-graduação em Desenvolvimento Agrícola (CPDA), hoje Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, que acabara de se transferir da Fundação Getúlio Vargas para a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Em 1987, foi aprovada em concurso para professora dessa universidade e desligou-se da Embrapa.
No CPDA/UFRRJ, Regina Bruno pôde se dedicar integralmente aos seus interesses de pesquisa sobre a questão fundiária no Brasil. Em meados dos anos 1980 escreveu o texto “Liberalismo e reforma agrária”. Num contexto em que essa questão era bastante discutida sob o ângulo das lutas por terra, inovou estudando o processo de produção do Estatuto da Terra e as discussões que ocorreram no interior da comissão encarregada de elaborá-lo, no início do governo Castelo Branco. A partir daí, progressivamente foi se encaminhando para o estudo de um segmento até então relativamente pouco abordado na sociologia brasileira: as classes dominantes no campo. Num contexto político bastante conturbado, de início da Nova República, escreveu um primeiro trabalho sobre o tema, analisando a União Democrática Ruralista, uma novidade política no período. Esse texto e outros escritos nos anos 1980 compuseram seu primeiro livro Senhores da Terra, senhores da guerra. A nova face das elites agroindustriais no Brasil, prefaciado por José de Souza Martins e publicado em 1997. Nele analisa não só as condições de surgimento e as práticas da UDR, como também o que chama de nova retórica das elites agrárias, dando destaque à criação da Associação Brasileira do Agribusiness, criada no início dos anos 1990. É ainda nesse livro que traz a público suas reflexões sobre o Estatuto da Terra, anteriormente mencionadas. Em 1986 ingressou no Doutorado em Ciências Sociais na Unicamp, onde, sob orientação de Maria de Nazareth Wanderley, aprofundou suas reflexões sobre as classes dominantes no campo no período da Nova República. Sugestivamente batizada como O ovo da Serpente. Monopólio da terra e violência na Nova República, a tese foi defendida em 2002.
Em 2007, publicou um novo livro, intitulado Um Brasil ambivalente. Agronegócio, ruralismo e relações de poder, que reuniu uma série de outros artigos sobre o assunto. Nos últimos anos tem continuado seus investimentos, voltando-se em especial para as formas de representação política do setor patronal e do agronegócio e focando um outro ângulo também pouco estudado, tanto na Sociologia como na Ciência Política: as suas articulações parlamentares, por meio do estudo da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como Bancada Ruralista, no Congresso Nacional. A partir dessa âncora temática, analisa questões relacionadas à violência, relações das entidades de representação dos proprietários fundiários com povos e comunidades tradicionais, com o trabalho escravo, com demandas e conflitos ambientais. No entanto, ao longo desses anos, também alargou seu campo de reflexão, com algumas pesquisas sobre assentamentos rurais e sobre relações de gênero em áreas rurais. Esses esforços de reflexão resultaram na criação do Núcleo de Estudos e Pesquisa Ruralismo, Agronegócio e Relações de Poder (Narup), agregando orientandos e estudiosos do tema.
Desde suas primeiras incursões no tema agrário e no estudo das classes patronais Regina Bruno tem uma forte inspiração teórica nas reflexões marxianas e em Gramsci. Não por acaso, fez um importante estudo sobre a concepção de burguesia em Marx (Demiurgos, sanguessugas e autômatos), publicado no livro Um Brasil ambivalente. Agronegócio, ruralismo e relações de poder. Tem se inspirado bastante também em Norbert Elias e em Bourdieu, em especial no que diz respeito à abordagem das relações de poder e à dimensão relacional da análise, muito presente nesses autores. A partir deles, analisa as práticas de classe das elites empresariais tanto nas suas associações, quanto por meio de sua representação parlamentar no Congresso Nacional, chamando a atenção para a forma como constroem suas demandas e os caminhos buscados para produzir sua legitimação simbólica. Ao longo de seus trabalhos preocupou-se ainda em trazer à luz as manifestações de rua das entidades patronais (“Tratoraço”, “Caminhonaço”), recorrentes nos anos 1990, mostrando-as não como episódios, mas como dimensões de lutas políticas que se davam em diferentes esferas.
Baseados em sólida pesquisa empírica, esses investimentos no conhecimento dos setores dominantes relacionados ao meio rural e ao agronegócio garantem a Regina Bruno um lugar de destaque no estudo das formas de dominação no Brasil contemporâneo.
Sugestões de obras da autora:
BRUNO, Regina.Um Brasil ambivalente. Agronegócio, ruralismo e relações de poder. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009.
BRUNO, Regina. Senhores da Terra, senhores da guerra (a nova face das elites agroindustriais no Brasil). Rio de Janeiro: Forense Universitária; Seropédica: Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 1997.
BRUNO, Regina. O processo de construção da hegemonia do agronegócio no Brasil: recorrências históricas e habitus de classe. Trabalho Necessário, vol. 20, no. 41, p. 1-26, 2022.
BRUNO, Regina. Bancada Ruralista, conservadorismo e representação de interesses no Brasil contemporâneo. In: MALUF, Renato; FLEXOR, George. (Org.). Questões Agrárias, Agrícolas e Rurais. Conjuntura e políticas públicas. Rio de Janeiro: E-papers ed., 2017, p. 155-168.
BRUNO, Regina. Representações de trabalhadores, gatos e empregadores sobre o trabalho escravo. In: FIGUEIRA, Ricardo Resende; PRADO, Adonia Antunes. (Org.). Olhares sobre a Escravidão Contemporânea. Novas contribuições críticas. Cuiabá: Ed. UFMT, 2011, p. 37-58 (em colaboração com Maria Antonieta da Costa Vieira).
BRUNO, Regina.Agronegócio e novos modos de conflituosidade. In: FERNANDES, Bernardo Mançano (Org.). Campesinato e Agronegócio na América Latina: a questão agrária atual. São Paulo: Expressão Popular, 2008, p. 83-105.
BRUNO, Regina. Le Statut de la Terre: entre la confrontation et la conciliation. Cahiers du Brésil Contemporain, Paris, 1995, também publicado, na versão em português, na revista Estudos Sociedade e Agricultura, 5, novembro 1995: 5-31