Por Anderson Ricardo Trevisan (Unicamp) e
Carla Bernava (USP)
Nasceu na capital paulista em 1956. Chegou perto de formar-se em Engenharia Civil, carreira que abandonou para ingressar no curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo em 1978. Concluída a graduação em 1981, Paulo ingressou no mestrado em 1982, mesmo ano em que se tornou professor do Departamento de Sociologia da USP, onde atuou até sua aposentadoria, em 2019.
Foi no mestrado que Paulo começou a enveredar-se pelo universo da pesquisa com imagens nas ciências sociais. Sua dissertação, Sob as cinzas da representação: manifestos e pinturas no começo do século XX, mergulhou no mundo das pinturas para problematizar os caminhos trilhados pela arte moderna. Para isso, realizou um instigante diálogo entre arte e sociedade passando por autores como Michel Foucault, Ernst Gombrich, John Berger, Walter Benjamin, entre outros. Mas foi especialmente na Sociologia da Arte de Pierre Francastel em que Paulo se apoiou, particularmente no conceito de pensamento plástico ou visual, que concebe os objetos figurativos não como reflexo de uma realidade supostamente dada, mas como uma expressão do pensamento humano, irredutível a outras formas de linguagem. Partindo disso, em sua pesquisa Paulo contrapôs os textos dos manifestos da arte moderna com as imagens ali criadas, identificando um abismo entre as duas linguagens. Concluiu o mestrado em 1989, que se tornou o livro A trama das imagens: Manifestos e Pinturas no Começo do Século XX, publicado em 1997.
A partir de então, em suas diversas publicações, Paulo desenvolveu um caminho até então inexplorado na Sociologia da Arte, que é aquele que tem nas imagens o foco da investigação, escapando assim das armadilhas de se pensar as manifestações artísticas como “reflexo” das estruturas sociais ou, ainda, como uma derivação do posicionamento dos artistas ou mecenas em lutar por poder.
Começou a desenvolver sua pesquisa de doutorado a partir de 1990, defendendo a tese Imagens no Tempo. Cinema: problematização e significação nos anos 70, em 1996, que resultou em seu segundo livro, À meia-luz: Cinema e sexualidade nos anos 70, publicado em 2001. Paulo fez ali uma importante contribuição aos estudos sociológicos do cinema, chamando atenção para como a experiência cinematográfica afeta o espectador, mobilizando sua memória e abrindo a possibilidade para que se reposicione moralmente sobre aquilo que vê na tela. A partir disso a análise fílmica em sociologia ganhou um novo sentido, voltando-se justamente para a participação do cinema na constituição do imaginário e das relações simbólicas que amparam a construção da realidade social.
Explorando as potencialidades críticas, para as ciências sociais, de discursos concebidos visualmente, Paulo lançou Pequena História Visual da Violência como artigo e como vídeo em 2001. Em ambos buscou construir conceitualmente a violência tendo como anteparo único imagens de pinturas e fotografias. Assim como, ao apropriar-se da linguagem cinematográfica, Paulo se eximira de fazer uso de uma narração em voz over no vídeo, deixando ao espectador a tarefa de apreender os sentidos propostos pelas imagens, no artigo elas aparecem sem as respectivas legendas, provocando o leitor a interpretá-las. Esses foram modos inovadores e audaciosos de promover a reflexão crítica sobre o discurso e o fazer das ciências sociais, que têm na linguagem escrita, ainda hoje, sua principal fundamentação e material de pesquisa.
Nas décadas seguintes, Paulo continuou a dirigir seu olhar para o cinema, interessando-se cada vez mais pelo documentário social e pelo filme etnográfico. Colaborando com pesquisadores do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da USP, foi pesquisador principal de dois projetos temáticos FAPESP: Imagem em Foco nas Ciências Sociais (1999-2002) e Alteridade, Expressões Culturais do Mundo Sensível e Construções da Realidade (2003-2007). Em 2009, defendeu sua tese de livre-docência, Cinema Documental e Fotografia no prisma da Sociologia, trabalho em que aprofundou a discussão sobre as questões epistemológicas e metodológicas pertinentes às imagens nas ciências sociais. Foi nesse contexto de reflexões em que se torna um dos principais interlocutores brasileiros da Sociologia de Cinema proposta por Pierre Sorlin. Sua contribuição mais significativa do período adveio da construção do conceito de representificação, cunhado para dar conta exatamente da relação social que se estabelece entre cinema, real e espectador, e que viria a nortear seus estudos, assim como as pesquisas de muitos dos seus orientandos.
A preocupação com a formação crítica de alunos e de novos pesquisadores, o rigor teórico-metodológico e a generosidade foram marcas de sua atuação como professor e orientador. Na USP, entre outras funções, atuou também como Membro da Comissão Editorial e Editor-responsável da revista Tempo Social (1994-2003), Diretor da Divisão de Publicações, Comunicação Visual e Produção do Museu de Arte Contemporânea (1997-1998), Membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Estudos Brasileiros (1999-2001) e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (2011-2013).
Com ampla atuação nacional e internacional, Paulo foi Professor Visitante da Universidade do Estado do Mato Grosso (1996-1997) e Diretor de Estudos Associado da École des Hautes Études en Sciences Sociales (2003). Tornou-se Professor Visitante da Universidad Nacional de Cuyo, em 2011, e da Universidade do Chile, em 2014.
É membro e colaborou com inúmeras associações científicas. Entre 1997 e 2008, integrou a Comissão de Imagem e Som da ANPOCS em três biênios. Foi Vice-Presidente (2002-2003) e Diretor (2017-2019) da SBS. A partir de 1997, exerceu diversas funções junto a SOCINE. Foi também Presidente Ex-officio do Comitê de Pesquisa em Sociologia da Arte (RC37) e Membro do Conselho Executivo do Grupo de Trabalho em Sociologia Visual (WG03) da ISA (2014-2018). É membro do Conselho Internacional de Museus (ICOM) e da Associação International de Sociologia Visual (IVSA).
Paulo Menezes soube como poucos antes dele levar o mundo visual para o interior da Sociologia, construindo um caminho profícuo de ensino e pesquisa que pensa o mundo como uma complexa trama que se organiza, também, pelas imagens que constrói sobre si mesmo. Trama essa que deve ser analisada a partir da problematização, da dúvida e do rigor metodológico. Nesse sentido, ele é uma referência inquestionável para a Sociologia da Arte brasileira, tendo construído uma tradição que agora é levada adiante por diversos pesquisadores, uma nova geração que está cada vez mais ciente do poder da imagem para organizar o imaginário e a vida social.
Sugestões de obras do autor:
MENEZES, P. A Trama das Imagens: Manifestos e Pinturas no Começo do Século XX. São Paulo: EDUSP, 1997.
MENEZES, P. Pequena história visual da violência. Tempo Social, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 81-115, maio 2001.
MENEZES, P. À meia-luz: Cinema e sexualidade nos anos 70. São Paulo: USP, Curso de Pós-Graduação em Sociologia: Ed. 34, 2001.
MENEZES, P. Problematizando a “representação”: fundamentos sociológicos da relação entre cinema, real e sociedade. In: RAMOS, F.P. (org.). Estudos de Cinema 2000 – SOCINE. Porto Alegre: Sulina, 2001, p. 333-348.
MENEZES, P. Representificação: as relações (im)possíveis entre cinema documental e conhecimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 51, p. 87-97, fev. 2003.
MENEZES, P. “O Cinema Documental como Representificação”: verdades e mentiras nas relações (im)possíveis entre representação, documentário, filme etnográfico, filme sociológico e conhecimento. In: NOVAES, S.C. et al. (orgs.). Escrituras da Imagem. São Paulo: EDUSP: FAPESP, 2004, p. 21-45.
MENEZES, P. O nascimento do cinema documental e o processo não civilizador. In: MARTINS, J.S.; Novaes, S.C.; Eckert, C. (orgs.).O Imaginário e o Poético nas Ciências Sociais. Bauru: EDUSC, 2005, p. 27-78.
MENEZES, P. Les Maîtres Fous, de Jean Rouch: Questões epistemológicas da relação entre cinema documental e produção de conhecimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 22, n. 63, p. 81-91, fev. 2007.
MENEZES, P. Sociologia e Cinema: aproximações teórico-metodológicas. Teoria e Cultura, Juiz de Fora, v. 12, n. 2, p. 17-36, jul.- dez. 2017.