Por Afrânio Mendes Catani (USP/UERJ) e Débora Mazza (UNICAMP)
Paulo Argimiro da Silveira Filho nasceu em São Paulo em 19 de junho de 1937. Antes de ingressar na universidade fez carreira como oficial da Polícia Militar durante 12 anos, tendo pedido demissão da corporação no posto de capitão. Neste período exerceu simultaneamente atividades na área de seleção de pessoal – aplicando e avaliando testes psicológicos – e no campo do ensino, atuando na Escola de Formação de Oficiais e no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais.
Em 1968 bacharelou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e realizou vários cursos especializados em Psicologia Aplicada. No ano de 1972 ingressou como professor na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara- SP (incorporada a UNESP em 1976) sendo recebido no Departamento de Sociologia por Heleith Safiotti, professora e pesquisadora da violência de gênero e militante feminista.
Ainda como professor em Araraquara, defendeu sua tese de doutorado intitulada Do lado da história: uma leitura crítica da obra de Louis Althusser (1974), publicada em livro em 1978 com prefácio de Marilena Chauí. O trabalho criticava a leitura estrutural que Althusser fizera dos textos de Marx inserindo o debate no contexto mais amplo das concepções francesas de Lévi-Strauss, Foucault, Lacan etc.
Em 1976 ingressou por concurso, em tempo parcial, como professor do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Paralelamente, ministrou aulas no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. A partir de 1977, assumiu o regime de dedicação integral à docência e à pesquisa na USP e, em 1978, se credenciou junto ao Programa de Pós-Graduação da unidade.
De 1978 a 1985 suas disciplinas e investigações tiveram como interesse o aprofundamento dos estudos dos modos de produção e da sociabilidade de certos períodos históricos. A ideia central era perseguir a força de trabalho como mercadoria que gera mais-valia quer sob o regime de trabalho escravo quer sob o trabalho livre, tentando entender certas inflexões em nível nacional e internacional. Orientou dissertações de mestrado e teses de doutorado respeitando a liberdade de escolha temática dos estudantes no desenvolvimento de suas pesquisas.
Em meados da década de 1980, Paulo iniciou sua inserção na área da psicanálise buscando articulações possíveis entre as teorias marxista e psicanalítica que desembocassem em “uma contribuição efetiva, inserida em uma das dimensões da luta ideológica de classes”, assinalando a importância maior, ainda que “difícil e conflitiva, de articular na prática e, portanto, na política, as dimensões centrais da atividade humana: a dimensão objetiva e a dimensão subjetiva” (SILVEIRA, 1989).
Esta inflexão na carreira acadêmica e na posição de professor foi tributária de sua participação no congresso em Havana, Cuba (1986), que contou com a presença de psicólogos marxistas cubanos e psicanalistas brasileiros e argentinos. Esta experiência sensível compareceu de modo mais elaborado na tese de Livre Docência, Da alienação ao fetichismo: formas de subjetivação e de objetivação (SILVEIRA, 1989).
Em trabalhos posteriores, além de Marx e Freud, Silveira agrega novos interlocutores ao esforço de articular marxismo e psicanálise. Lacan, Althusser, Adorno, Horkheimer, Lefort e Zizek comparecem para realçar a homologia entre a forma-mercadoria de Marx e a concepção lacaniana do significante. “O autor estende o alcance desta reflexão para propor que o dinheiro, como equivalente geral, ocuparia exatamente o lugar de um significante que recobre imaginariamente o sistema constituído pelo intercâmbio geral de mercadorias, suposto como sistema de trocas de equivalentes. Esta ‘ilusão’ revelaria ‘a matriz ideológica por excelência da sociedade capitalista’; e a mais valia, como exceção não contida por essa totalidade impossível, constituiria o excedente real eliminado pelo sistema” (PACHECO FILHO, 2017, p. 411).
No texto “A interpelação ideológica: a entrada em cena da outra cena” (2010) Silveira estabelece uma relação entre a ideologia e a ética da psicanálise tal como foi concebida por Lacan para sugerir que a segunda se situa no reverso da primeira. A aposta por uma psicanálise fundada na ética do desejo seria uma possibilidade de ruptura do cordão ideológico imaginário.
Referindo-se a sua trajetória, Paulo Silveira afirmou que “renunciou ao marxismo como ‘sistema’ ou como ‘doutrina’, como ideologia, para ficar com algumas contribuições pontuais: a teoria do valor e seus complementos necessários: em um plano mais objetivo, a teoria da mais-valia, em um plano subjetivo, a teoria do fetichismo” (PACHECO FILHO, 2017, p. 412).
Sugestões de obras do autor:
SILVEIRA FILHO, Paulo A. A interpelação ideológica: a entrada em cena da outra cena. In A Peste. Revista de Psicanálise e Sociedade e Filosofia, no. 1 (2), p. 167- 182, jan./jun. 2010.
SILVEIRA FILHO, Paulo A. Lacan e Marx – a ideologia em pessoa. Crítica Marxista 14, São Paulo, p. 117- 124, 2002.
SILVEIRA FILHO, Paulo A. Narcisismo: sintoma social? Tempo Social. Revista de Sociologia da USP: São Paulo, v. 2, n.2, p. 129-144, 2º. Sem. 1990.
SILVEIRA FILHO, P. A. Da alienação ao fetichismo: formas de subjetivação e de objetivação. SILVEIRA FILHO, P. A.; DORAY, Bernard. (Org.). Elementos Para Uma Teoria Marxista da Subjetividade. São Paulo: Vértice, 1989, p. 41- 76.
SILVEIRA FILHO, Paulo A. Um publicista revolucionário. D´INCAO, Maria Angela (Org.). O saber militante (ensaios sobre Florestan Fernandes). Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo: UNESP, 1987, p. 287- 291.
SILVEIRA FILHO, Paulo A. Le fétichisme de la marchandise et la psychanalyse. Société Française, v. 1, n.23, p. 4-7, 1987.
SILVEIRA FILHO, Paulo A. Do lado da história (Uma leitura crítica da obra de Louis Althusser). São Paulo: Polis, 1978.
SILVEIRA FILHO, Paulo A. Acontecimento e estrutura. Revista Debate e Crítica. São Paulo: Editora Hucitec, v. 1, n.5, p. 139-141, 1975.
Sobre o autor:
PACHECO FILHO, Raul A. Silveira: de Marx y Althusser a Freud…y después a Lacan. In PARKER, Ian & PAVÓN-CUÉLLAR, David (comp.). Marxismo, psicología y psicoanálisis. México, DF: Paradiso Editores, 2017, p. 410-412.