Orlandina de Oliveira

Por Ana Luisa Fayet Sallas (UFPR)

Uma socióloga no exílio

Orlandina, Lana para as amigas e amigos mais próximos, é aquela que sorri com os olhos. Dona de uma energia e vitalidade insuperáveis, confere a tudo que realiza e realizou em sua vida, um toque de alegria e entusiasmo próprio.

Segundo suas próprias palavras, teve sua infância, juventude e praticamente boa parte de sua vida caracterizada por muitas migrações. Nascida em Araguari (MG) em 25 de abril de 1943 (cidade de sua mãe), foi criada no Rio de Janeiro, junto com seus pais. Sua mãe havia estudado para ser professora, como os demais integrantes de sua família, vivendo num ambiente que estimulava a atividade intelectual, e seu pai era comerciante. Com o casamento, sua mãe passa a dedicar-se às atividades do lar. Aos seis anos de idade, sofre a primeira grande ruptura biográfica de sua vida, com a perda de sua mãe aos 29 anos. Diante dessa perda, passa a viver na casa de tios em Uberaba (MG) até seus 12 anos. Volta a viver no Rio de Janeiro junto ao seu pai, quando aos 17 anos retorna para Uberaba, para seguir seus estudos clássicos e, posteriormente, a formação em pedagogia.

O contato com a sociologia aconteceu pelas mãos de um professor que dava aula da disciplina para o curso de Pedagogia, despertando nela um vivo interesse pelas temáticas ali aprendidas. Pela ocasião de uma longa greve nacional dos estudantes, que durou três meses, foi passear em Belo Horizonte, onde conheceu a Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Encontrou ali seu lugar. Do retorno a Uberaba à realização do vestibular e mudança definitiva para a capital do estado, pouco tempo se passou. Foi nesse lugar de encontro com sua vocação que teve a sua formação em Sociologia e Política. Entre seus professores estavam Fernando Correia Dias, Fabio Guilherme Wanderley Reis, Simon Schartzman, Antônio Otavio Cintra entre outros. Seus colegas de geração foram Maria das Graças Grossi (irmã de Maria Stella Grossi Porto), Valéria Pena, Vania Drummond e as irmãs Lúcia Avelar e Sonia Avelar, Olavo Brasil Lima Junior e Renato Boschi. Além de outros estudantes de períodos anteriores como José Murilo de Carvalho, Bolivar Lamourier, Regina Faria, Vilmar Faria.

Foi marcada, como muitos jovens de sua geração pela militância política, que se iniciou ainda em Uberaba, na JEC, depois na JUC, e posteriormente na AP (Ação Popular). A militância política tornara-se um imperativo para muitos que viram no golpe militar de 1964 e no estabelecimento de uma ditadura no Brasil, algo a ser combatido de todas as formas possíveis. Na faculdade, por dispor de uma bolsa estudantil, ocupava uma sala destinada aos bolsistas, que foi invadida pelos militares e teve vários documentos apreendidos naquele momento. Em virtude desse acontecimento, foi indiciada, junto com outros colegas num inquérito político militar em Belo Horizonte e Juiz de Fora – recebendo uma acusação de 20 anos de prisão. Diante dessa situação e do aumento da repressão da ditadura militar, parte para o Santiago do Chile em 1967 – iniciando, a partir daí seu exílio, que pode ser considerada a sua segunda grande ruptura biográfica. Beneficiada de uma bolsa da UNESCO, ingressa na FLACSO no Chile, vivendo em Santiago por dois anos onde fez seu mestrado, tendo por professores Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Gláucio Odilon Soares, entre outros.

Seu mestrado que teve por título “Situación de clase y contenidos ideológicos: un análisis de comerciantes y empleados públicos en Santiago de Chile” (1968). Elaborou uma pesquisa sobre a estrutura social dos mercados de trabalho, dedicando-se ao estudo das classes medias, tomando distancia crítica daquelas visões que as pensavam como um setor homogêneo, tanto do ponto de vista ocupacional quanto socioeconômico e ideológico.

Casou-se em Santiago com o mexicano Humberto Muñoz Garcia em janeiro de 1969. Foi a partir de um convite de Gláucio Odilon Soares que o jovem casal cogitou retornar ao Brasil como docentes convidados na Universidade de Brasília. No entanto, o Ato Institucional n.5 (AI-5) em dezembro 1968, significou a impossibilidade de regresso ao Brasil, dada a condição de Lana ter processo aberto em inquérito político militar. Também significou o recrudescimento da ditatura, a perseguição e a restrição dos espaços de trabalho para cientistas sociais, além de institucionalizar a tortura no país.

No inicio de 1969 realiza sua primeira viagem ao México, quando foi selecionada para integrar um projeto de pesquisa sobre migração interna, estrutura ocupacional e mobilidade social. O projeto teve a participação técnica da CEPAL, sendo coordenado pela UNAM juntamente com o Colégio do México. Orlandina assumiu esse projeto além de iniciar a sua atuação como docente-investigadora no Centro de Estudos Econômicos e Demográficos (CEED) em 1970. Realiza seu doutorado na Universidade do Texas em Austin (Estados Unidos) em 1973. Sua tese de doutorado em Sociologia “Entry Labor Force Changes in Mexico City: A cohort analysis from 1930 to 1969” (1975) toma por base os dados da pesquisa anteriormente mencionada.

Naturaliza-se mexicana em 1972 e vincula-se definitivamente ao Colégio do México e ao Centro de Estudos Sociológicos (CES) em 1973, onde finalmente encontrou seu lugar de vida e trabalho. Se por um lado, encerra seu período de formação e das migrações iniciadas desde sua infância ao se estabelecer na Cidade do México, não deixou ao longo de sua trajetória as suas itinerâncias como professora convidada em diferentes centros de pesquisa em diversas partes do mundo. No México, criou raízes e vínculos duradouros tanto acadêmicos quanto pessoais. Constituiu sua própria família da união com Humberto Muñoz Garcia, com quem teve um filho – Luis Humberto e um neto – Matias. Desde 2006 vive seu segundo matrimônio, do reencontro na maturidade de amor da juventude, interrompido nos anos 60 pelos imponderáveis da vida daquela época.

Seu retorno ao Brasil se deu na condição de professora visitante entre os anos de 1980 e 1981 atuando em uma pesquisa comparativa sobre as condições de trabalho nas cidades de Recife e São José do Rio Preto, a partir de um convite do CEBRAP em São Paulo. Em 1994 atuou como professora visitante na Universidade de Minas Gerais, assim como entre os anos de 2004 e 2005 esteve como pesquisadora visitante na Universidade Federal do Paraná.

Mas foi sobretudo no CES que Lana pôde desenvolver e consolidar sua trajetória acadêmica e de pesquisa, onde ministrou mais de 40 cursos, além de assumir por dois períodos (1988 a 1994) a direção do Centro. Participou, em 1973, com outros colegas, sob a direção de Rodolfo Stavenhagen, da fundação do Programa de Doutorado em Ciências Sociais – Sociologia, além de colaborar na criação do PIEM (Programa Interdisciplinar de Estudo da Mulher) em 1984 vinculado ao CES. Integra o Sistema Nacional de Investigadores (SNI) desde 1984 e é atualmente pesquisadora emérita tanto do SNI quanto do Colégio do México.

Pelo reconhecimento de suas atividades de pesquisa e docência recebeu ao longo de sua trajetória vários prêmios e homenagens como o Edward Larocque Tinker Chair (1992) na Universidade do Texas (Austin); o Simon Bolivar Chair do Institut des Hautes Etudes de L’Amerique Latine da Universidade de Paris III: Sorbonne Nouvelle (1994-1995); o Alfonso Reyes Chair do Institut des Hautes Etudes de L’Amerique Latine, em Paris e em 2003-2004 recebeu o Madero Visiting Scholar do David Rochefeller Centre for Latin American Studies (DRCLAS) da Universidade de Harvard em Cambridge.

Desde de suas primeiras pesquisas, Lana esteve atenta em analisar os processos de transformação do mercado de trabalho e suas consequências na reprodução social, com destaque para as mudanças no interior das unidades domésticas e, de forma destacada, na posição das mulheres. Num primeiro momento procurou compreender esses processos de mudanças estruturais e seus impactos nos mercados de trabalhos urbanos vinculados aos processos migratórios do campo para as cidades. Desse foco de analise derivaram muitas de suas pesquisas subsequentes, observando as relações entre as crises econômicas das últimas décadas do século XX e as diferentes formas de reorganização dos mercados de trabalho, da inserção das mulheres nesses mercados, bem como os processos de precarização do trabalho, que promoveram novas formas de desigualdade e exclusão social – de gênero, classe e idade. Procurando aprofundar suas pesquisas sobre como diferentes grupos e categorias vivenciam a exclusão social, nos últimos anos dez anos tem se dedicado à pesquisa sobre como as e os jovens vivenciam os processos sociais marcados pela desigualdade: quais são suas vantagens e desvantagens sociais herdadas, seus itinerários biográficos, expectativas e o tipo de agência que desenvolvem em sua cotidianidade.

Dois aspectos notáveis de sua trajetória: o trânsito interdisciplinar e o trabalho colaborativo em equipes. Este trânsito interdisciplinar está presente pela aproximação constante que busca estabelecer entre sociologia e demografia, estando sempre muito comprometida com o desenvolvimento da sociodemografia na América Latina. Também como resultado dessa dimensão interdisciplinar encontramos em suas pesquisas enfoques metodológicos tanto de bases quantitativas como qualitativas, empenhada em destacar as experiências e os processos de subjetivação dos fenômenos demográficos, econômicos e socioculturais na trajetória de vida das pessoas. Aliada a esta visão, tem produzido, de forma fecunda, análises que articulam o macrossocial com o micro social, encontrando nas unidades domésticas um lugar de mediação entre essas diferentes instâncias do social.

Quanto ao trabalho colaborativo, participou em pesquisas conjuntas com Brígida Garcia, Fernando Cortés, Vania Salles, Bryan Roberts, Humberto Munhoz e Teresita de Barbiere, entre outras e outros pesquisadores. Notável é que entre seus parceiros de pesquisa, encontramos ex-orientandos como Marina Ariza e Minor Mora Salas, que seguem se inspirando nessa alegria irradiante que apresenta diante dos embates e desafios da pesquisa, tornando tudo muito divertido, pois Lana, Laninha confere alegria nas descobertas da investigação, com esse espírito do destemor que a tem colocado no lugar de destaque que se encontra até hoje.

Sugestões de obras da autora:

OLIVEIRA, Orlandina de, Brígida GARCÍA y Humberto MUÑOZ, Familia y mercado de trabajo (un estudio de dos ciudades brasileñas), México, El Colegio de México, UNAM, 1983.

__________________________ y Brígida GARCÍA, Trabajo femenino y vida familiar en México, México, El Colegio de México, 1994.

__________________________ y Brígida GARCÍA, Las familias en el México metropolitano: visiones femeninas y masculinas, México, El Colegio de México, 2006.

OLIVEIRA, Orlandina; ARIZA, Marina. Imágenes de la familia en el cambio de siglo, universo familiar y procesos demográficos contemporáneos Instituto de Investigaciones Sociales (IISUNAM): Mexico City, Mexico (2004)

OLIVEIRA, Orlandina e MORA SALAS, Minor. Entre la desilusión y la esperanza: Jóvenes en una sociedade desigual. Ciudad de México: El Colégio de México, Centro de Estudios Sociológicos, 2022.