Por André Rocha Santos (IFSP)
Octavio Ianni nasceu em Itú no interior de São Paulo em 1926. Ingressou aos 23 anos na turma de 1949 do curso de Ciências Sociais da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). Vindo de família humilde e enfrentando dificuldades financeiras teve mesmo que interromper os estudos por dois anos, período no qual desempenhou trabalhos manuais como assistente de editora na Companhia Editora Nacional, e como tipógrafo. Do curso terminado em 1954 algumas marcas que irão compor a personalidade do sociólogo que iria se tornar: a perseverança em enfrentar os obstáculos (materiais e intelectuais) e a opção pelas classes subalternas.
Teve participação importante em diferentes momentos da consolidação da Sociologia no Brasil. Logo após a formatura, integrou a chamada Escola paulista de sociologia, expressão pela qual ficou conhecido o grupo de docentes-assistentes que se vincularam à cadeira de Sociologia I, dirigida por Florestan Fernandes fortemente marcada pela luta em favor do reconhecimento da profissão de sociólogo, pela institucionalização da pesquisa e pelas ações de natureza claramente intervencionista.
Em paralelo, outro fato marcante iria se destacar e influenciar fortemente o percurso de Ianni: sua participação, entre 1958 e 1964, na primeira geração do famoso Seminário d’ O Capital, ou simplesmente Seminário Marx. O grupo multidisciplinar de recém-professores era formado inicialmente por José Arthur Giannotti (Filosofia), Fernando Novais (História), Ruth Cardoso (Antropologia), Paul Singer (Economia), Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso (Sociologia) e dele também fizeram parte, com “estatuto de aprendizes”, alguns estudantes como Roberto Schwarz (Crítica Literária), Bento Prado Júnior (Filosofia), Francisco Weffort (Ciência Política) e Michael Löwy (Sociologia).
A influência do Seminário não tardou a se fazer presente nas formulações intelectuais do cientista social Octavio Ianni que introduziu pioneiramente na USP cursos sobre Marx e iniciou ali um processo fecundo de análise da realidade social brasileira a partir da perspectiva marxista. Como poucos soube utilizar, de forma consistente e totalizante, o método dialético, o materialismo histórico e a análise das classes sociais para elucidar – sem qualquer dogmatismo – temas caros à nossa realidade social.
Da mesma forma, participou do Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho (Cesit), no período entre 1961 e 1962, que formulou uma agenda específica de estudos na área de sociologia política sobre o subdesenvolvimento, o Estado e as classes sociais no Brasil. Para Octavio Ianni, o resultado direto da experiência do projeto Cesit foram algumas obras da sua sociologia crítica marcada por intervenções escritas “no calor da hora”, como Política e revolução social no Brasil (1965), organizada em parceria com Gabriel Cohn, Paul Singer e Francisco Weffort, e sua tese de livre docência O Estado e o desenvolvimento econômico defendida em 1964, assim como o clássico O colapso do populismo no Brasil (1968), elaborado na conjuntura de endurecimento da ditadura. Aposentado arbitrariamente por ato baseado no Ato Institucional nº 5 (AI-5), foi alijado de suas funções docentes e de pesquisador na USP. Mais tarde, chegou a ser preso pela operação Tarrafa em abril de 1970.
Fez parte da equipe de pesquisadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), fundado em maio 1969 e do qual se tornou membro no início da década de 1970. No centro de estudos e pesquisas produziu obras de destaque como Imperialismo na América Latina (1974), A formação do Estado populista na América Latina (1975), Escravidão e racismo (1978), Ditadura e agricultura (1979), a organização do livro Marx: sociologia (1979) e O ABC da classe operária (1980). No seu último ano como pesquisador no Cebrap, em 1981, produziu ainda o notável A ditadura do grande capital.
Nos anos 1970 foi professor visitante e conferencista em universidades no México, Estados Unidos, Inglaterra, Espanha e Itália. Durante o seu exílio, sua produção alçou voos internacionais, tendo publicado livros nas línguas espanhola, italiana e inglesa. No retorno ao Brasil voltou a lecionar em 1977 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) que se distinguiu como espaço de resistência à ditadura e abrigou nomes como Florestan Fernandes, Maurício Tragtenberg, Paulo Freire e Paul Singer e, em 1986 voltou à universidade pública como professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Tanto na USP como na Unicamp recebeu o título de Professor Emérito, além dos títulos de professor Honoris Causa da Universidade de Buenos Aires (UBA) e pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Foi um dos intelectuais mais influentes do Brasil e, na década de 1990, sua pesquisa se concentrou na crítica à globalização, enquanto nova face do capitalismo “como modo de produção e processo civilizatório”. Desta última fase ganhou, ainda, dois prêmios Jabuti na categoria Ensaios com o livro A sociedade global (1992) e na categoria de Ciências Humanas com o livro Teorias da globalização (1996).
Foi 1º secretário da Sociedade Brasileira de Sociologia entre 1960-1962 quando da presidência da entidade pelo Prof. Florestan Fernandes. Em 2003 recebeu o prêmio Florestan Fernandes instituído pela SBS neste mesmo ano.
Com o livro Enigmas da modernidade-mundo (2000) recebeu o prêmio de Ensaio, Crítica e História Literária da Academia Brasileira de Letras, assim como o Prêmio Juca Pato, da União Brasileira de Escritores, como intelectual do ano em 2000. Sua biblioteca particular foi doada em 2002 à Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Araraquara, pelo próprio sociólogo, que veio a falecer de câncer em São Paulo aos 77 anos no dia 04 de abril de 2004.
Sugestão de obras do autor
IANNI, Octavio. O ABC da classe operária. São Paulo: Hucitec, 1980.
_____. Estado e planejamento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2009.
_____. A ditadura do grande capital. São Paulo: Expressão Popular, 2019.
Sobre o autor
FALEIROS, Maria Izabel Leme; CRESPO, Regina Aída (Org.). Humanismo e compromisso: ensaios sobre Octavio Ianni. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996.
IAMAMOTO, Marilda Villela; BEHRING, Elaine Rosseti (Org.). Pensamento de Octavio Ianni: um balanço de sua contribuição à interpretação do Brasil. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009.