Neyara Araújo

Por Joannes Paulus Silva Forte (UVA-CE)

Maria Neyara de Oliveira Araújo nasceu em 24 de abril de 1951, às margens do Rio Preguiça, no município serrano de Maranguape, região metropolitana de Fortaleza. Neyara é a filha mais velha de cinco irmãos, com os quais se criou entre as brincadeiras da infância, as descobertas da juventude, o trabalho familiar e a escolarização. Em sua auto apresentação, impressa no ano 2000 em seu principal livro, ela se revelou como mãe e estudiosa por alegria. Revelou-se ainda muito comprometida com o futuro de nossas vidas e de nosso país. E, sobretudo, mostrou o desejo que a faz uma pessoa e uma socióloga singular em um mundo no qual se diz que “tempo é dinheiro”: “do que mais gostaria era de viver sem pressa” (ARAÚJO, 2000)[1].

Em 1971, ingressou no curso de Comunicação Social (jornalismo) da Universidade Federal do Ceará (UFC), tendo se formado em 1974. Entre 1976 e 1980, em busca de “compreender melhor”, cursou o mestrado em Sociologia na UFC, tendo desenvolvido a dissertação intitulada Ter ou não ter: estudos sobre crediário entre a população de baixa renda, sob a orientação da Prof.ª Tereza Maria Frota Haguette, uma das fundadoras do primeiro curso de Ciências Sociais do estado do Ceará, em 1968.

Em 1977, Neyara se tornou professora do então curso de Ciências Sociais da Universidade de Fortaleza (Unifor), onde lecionou até 1984, exercendo a docência no difícil contexto da ditadura civil-militar brasileira. Mas Neyara, que fazia parte da resistência contra o autoritarismo e em defesa das liberdades democráticas, seguiu sua marcha docente inspirada pela vontade de um Brasil de todos/as. Não por acaso, fez parte do movimento estudantil secundarista e universitário, no início dos anos 1970, vinculando-se política e ideologicamente à Liberdade e Luta (Libelu), uma das tendências da época, e, entre 1979 e 1980, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), no Ceará, do qual se tornou militante e filiada.

Nos idos de 1980, Neyara, que já era mãe de três “criaturinhas”, Yara, Neyara e Luís Paulo, ingressou, por meio de concurso público de provas e títulos, no Departamento de Ciências Sociais da UFC como professora da área de Sociologia. Com a abertura política, continuou a busca de “compreender melhor”, analisando temas caros à Sociologia e às Ciências Sociais, tais como os processos de trabalho, as transformações capitalistas e as utopias contemporâneas que se desenharam, nos anos de 1990, a exemplo da Economia Solidária.

Entre 1992 e 1996, Neyara fez o doutorado em Sociologia na Universidade de São Paulo (USP), sob a orientação do Prof. Francisco de Oliveira, na análise e reconstituição da “história dos sem-trabalho”, daquelas e daqueles que viviam a mendicância no Ceará e no Brasil, ajudando-nos a conhecer e a compreender a trama entre a formação sócio-histórica e econômica do Brasil, a questão da terra, o desemprego estrutural e a desproteção social. Com uma escrita poética e inovadora, que mostra bem a relação entre os rigores da Ciência e a estética literária e teatral realista, Neyara desenvolveu a sua tese de doutoramento com grande potência etnográfica e astúcia intelectual, mostrando o drama da história social da mendicância e seu cenário em quatro atos, que, além da riqueza de detalhes e da refinada análise sociológica, enredam e emocionam o/a leitor/a pelas vidas e circunstâncias sociais de cada um de seus protagonistas (mendigos do Sertão, de favela, de rua, do abrigo). Fruto da tese, em 2000, foi publicado o livro A miséria e os dias: história social da mendicância no Ceará, com prefácio de Francisco de Oliveira. À época, o editor teria dito que o livro de Neyara era para o futuro. Ele tinha razão.

Sempre interessada em estudar e aprender para interpretar e intervir no mundo, a 11ª tese de Marx sobre Feuerbach lhe cai como uma luva: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo diferentemente, importa é transformá-lo” (MARX, 2007 [1845], p. 29)[2]. Foi com esse espírito que entre 1999 e 2000, Neyara deu prosseguimento aos seus estudos no estágio pós-doutoral que realizou na Université Lumière Lyon II, sob a supervisão do antropólogo François Laplantine, oportunidade em que se dedicou à análise dos sistemas de troca locais (troca local e sem dinheiro) – SELs. Pensando com as noções de fundo público (Francisco de Oliveira) e esfera pública plebeia (Habermas), Neyara examinou a hipótese de que os SELs enunciavam uma modalidade de regulação dos conflitos, podendo constituir um aspecto do que foi denominado de sociedade do bem estar (Pierre Rosauvallon). A hipótese geral era de que, tendo o século XIX feito surgir a forma acabada de uma esfera pública burguesa, que seguidamente tão bem se consolidou como face sociocultural da mercadoria, no início do século XXI, os SELs começaram a dar sinais da emergência de uma esfera pública plebeia, como face sociocultural do fundo público (ARAÚJO, 2004).

Na trilha das “novas utopias”, em meados dos anos 1990, Neyara e seus colegas de outras unidades acadêmicas da UFC fundaram um núcleo da Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (Unitrabalho), uma demanda da Central Única dos Trabalhadores (CUT) às/aos intelectuais, com o objetivo de avançar em pesquisa e assessoria a trabalhadores/as em grupos, associações e cooperativas de autogestão. Em 1997, Neyara esteve presente à primeira reunião que o Professor Paul Singer convocou, através da Unitrabalho, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo(PUC-SP), com professores/as universitários/as e membros de movimentos sociais, sindicatos e Organizações da Sociedade Civil (OSCs) de várias partes do Brasil para que fossem compartilhadas informações sobre as experiências de autogestão e cooperativismo nomeadas de Economia Solidária.

No final dos anos 1990, Neyara passou a analisar o trabalho associado, em parceria com o Prof. Jacob Carlos Lima (UFPB/UFSCar), coordenador de equipe interinstitucional de pesquisadores/as que estudaram cooperativas de trabalho e produção percebidas, ora como estratégia de trabalho assalariado disfarçado, ora como alternativa de autonomia e democratização do trabalho para os/as trabalhadores/as na perspectiva da Economia Solidária (LIMA; ARAÚJO, 1999; ARAÚJO; LIMA, 2003).

Nos anos 2000 e 2010, Neyara liderou o Grupo de Estudos sobre Trabalho e Transformações Capitalistas (GET), vinculado à linha de pesquisa Processos de Trabalho, Estado e Transformações Capitalistas, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da UFC, coordenando projetos de pesquisa e orientando alunos de graduação, mestrado e doutorado, atividades realizadas, paralelamente, com o desenvolvimento de ações de extensão e as aulas na graduação em Ciências Sociais, que coordenou em diferentes períodos entre 1991 e 2017 e no PPGS-UFC, do qual foi vice-coordenadora (2006-2008) e coordenadora (2008-2010)[3].
Em 2017, Neyara defendeu tese para ingresso na categoria “Professora Titular” com o trabalho Sociedade, política e pensamento: em busca dos primórdios do ensino de sociologia no Ceará. Trajetória de construção do objeto de pesquisa.

Ao longo de décadas de vida acadêmica, Neyara formou muitas/os sociólogos/as e professores/as de Sociologia. No Ceará, ela foi pioneira na luta pela obrigatoriedade da sociologia no ensino médio, somando-se, no cenário nacional, a professoras/es de grande relevância nesse processo. Como professora e pesquisadora dedicada ao ensino das ciências sociais, de 2003 a 2014, foi coordenadora-geral do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada para o Desenvolvimento das Humanidades (Humanas), integrante da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores (Rede) do Ministério da Educação (MEC), dentro da Política Nacional de Formação de Professores. Nesse projeto nacional, Neyara abraçou a grande tarefa de formar, na universidade e no chão da escola, os/as professores/as das novas gerações.

Após sua aposentadoria, a Profª Neyara dedica-se a seus netos, plantas e bichos, lendo suas poesias na Reserva do Jucá (Caucaia-CE), sem olvidar da luta contra as desigualdades, por liberdade e democracia, dividindo-se entre as atividades domésticas, os estudos que realiza todos os dias e as reuniões políticas. E segue a olhar os processos sociais com a Sociologia, uma vez que ela tomou o lugar que se esperava na trajetória de Neyara: o de fazer “compreender melhor” para ousar mudar o rumo das coisas…

Sugestões de obras da autora:

ARAÚJO, Maria Neyara de Oliveira. A miséria e os dias: história social da mendicância no Ceará. São Paulo: HUCITEC, 2000.

ARAÚJO, Maria Neyara de Oliveira. A colonização do Brasil: marcas de dor e resistência. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 31, n. 2, p. 70-72, 2000.

ARAÚJO, Maria Neyara de Oliveira. Sob o SELs de França: uma esfera pública plebéia desponta. Ensaio de interpretação sociológica do Systéme d’Exchange Local. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 35, n. 1, p. 31-44, 2004.

ARAÚJO; Maria Neyara de Oliveira. Sociologia no ensino médio: por que ensinar? O que ensinar? Como ensinar? In: ARAÚJO, Maria Neyara de Oliveira; BARREIRA, Irlys Alencar Firmo; SOUZA, Vinícios Rocha; FICK, Vera Maria Soares. Epistemologias e tecnologias para o ensino das humanidades. Fascículo 2 – O ensino de Sociologia. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2009. p.13-27.

ARAÚJO, Maria Neyára de Oliveira. Mémoire et imaginaire du travail au Brésil. In: LAPLANTINE; François Laplantine; PORDEUS, Ismael (Org.). Usages Sociaux de la mémoire et de limaginaire au Brésil et en France. Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 2001. p. 107-118.

ARAÚJO, Neyara; LIMA, Jacob Carlos. O trabalho sem utopias: novas configurações produtivas e os trabalhadores. In: Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 34, n. 1, pp. 19-30, 2003.

LIMA, Jacob Carlos; ARAÚJO, Neyara. Para Além do Novo Sindicalismo: a crise do assalariamento e as experiências com trabalho Associado. In: RODRIGUES, Iram Jácome (Org.). O novo sindicalismo: vinte anos depois. Petrópolis-RJ: Vozes, 1999. p. 229-248;

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[1] ARAÚJO, Maria Neyara de Oliveira. A miséria e os dias: história social da mendicância no Ceará. São Paulo: HUCITEC, 2000.
[2] MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da novíssima filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas, 1845-1846. Tradução Marcelo Backes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 27-29; 611-613.
[3] VIEIRA, Sulamita. Caminhos das ciências sociais na UFC. 2.ed. Fortaleza: Edições UFC; Memorial UFC; Imprensa Universitária, 2018. p. 65-66; 259.