Neuma Aguiar

Por Camila Galetti (UnB)

O campo de estudos de mulheres, gênero e feminismo nas ciências sociais no Brasil contou com a atuação fervorosa de Neuma Aguiar para se estabelecer. A socióloga nascida em Fortaleza, Ceará, em 1938, é conhecida principalmente pela sua contribuição aos estudos estatísticos em junção com a temática de gênero. Após finalizar a graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1960), cursou o mestrado em Sociologia e Antropologia na Boston University (1962), em seguida se candidatou ao doutorado em Sociologia pleiteando várias bolsas de estudos e foi contemplada em todas, porém, escolheu a Washington University (1969).

Quando retornou ao Brasil, trabalhou na condição de assistente na Universidade Federal Fluminense, no Museu Nacional da UFRJ e na PUC-Rio. Porém, onde lecionou por mais de vinte anos, de 1972 até 1997, foi no IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). Partindo da Sociologia do trabalho, dedicou-se aos estudos sobre mulheres, assim como Elisabeth Souza Lobo, da qual era amiga e também pioneira nas linhas de pesquisas sobre a divisão sexual do trabalho e estratificação social.

Na condição de docente do IUPERJ, impulsionou diversas discussões dada sua atuação internacional com intenso diálogo com as feministas do terceiro mundo. Nesse período, abriu diálogo com a socióloga indiana Chandra Talpade Mohanty, dentre outras, que se dedicaram a produzir sobre a condição feminina para além do pensamento hegemônico. Uma atividade organizada por Neuma que marcou os estudos feministas no Brasil foi o seminário “A Mulher na Força de Trabalho na América Latina” realizado no Rio de Janeiro em 1978.

Segundo Bruschini (1994), a proposta era discutir duas questões fundamentais: a primeira, de ordem mais teórica, sobre as atividade econômicas predominantemente desempenhadas por mulheres que não eram adequadamente analisadas dentro do marco teórico do marxismo que imperava nas universidades latinoamericanas na década de 1970; a segunda estava atrelada com as lacunas metodológicas para se pensar e captar informações sobre o trabalho feminino. O seminário evidenciou a importância da prática sociológica amparada nas questões de gênero, ampliando o escopo de análise recuperando a atuação e os problemas enfrentados pelas mulheres no mundo do trabalho.

Pode-se afirmar que entre as inúmeras contribuições de Neuma, suas pesquisas sobre gênero e o uso do tempo merecem destaque. Em meados de 1980, conciliou economia e sociologia ao incorporar o tempo de trabalho não-remunerado num exercício de construção de uma escala de estratificação residencial, para tornar visível a atividade doméstica e outras formas de atividade sem remuneração, desempenhadas sobretudo pelas mulheres. Seus estudos junto a outras pesquisadoras que se dedicavam a pensar mulheres e trabalho, resultou na criação do grupo de trabalho “A mulher na força de trabalho” na ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) no ano de 1985.

Para Neuma, a valoração do trabalho doméstico é importante para os estudos de uso do tempo, que tem como finalidade estimar sua contribuição ao Produto Interno Bruto elaborando contas satélites que levam em consideração a participação do trabalho doméstico não remunerado – perspectiva construída a partir das conferências mundiais de mulheres (AGUIAR, MONT’ALVÃO, 2016). Com isso, evidenciou a importância de observar o quanto a valoração do trabalho não remunerado é uma tarefa pertinente a vários ramos das ciências sociais e não apenas ao campo da economia doméstica, constituindo um desafio para a sociologia, para a qual ela contribuiu para sua consolidação.

Após sua experiência no IUPERJ, Neuma Aguiar foi aprovada no concurso para docente na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde foi professora titular entre os anos de 1996 a 2008. No ano seguinte, 2009, recebeu o título de professora emérita na UFMG, desenvolvendo pesquisas nas seguintes áreas: gênero e patriarcado, movimentos de mulheres, estratificação e mobilidade social, sociologia internacional comparada e sociologia dos usos do tempo. Fundou e coordenou por 10 anos o Programa de Metodologia Quantitativa da UFMG e o Centro de Pesquisas Quantitativas em Ciências Sociais (CEPEQCS).

É membra vitalícia da International Sociological Association (ISA). Foi professora visitante do Instituto de Altos Estudos Interdisciplinares (UFMG). Em 2007, recebeu o prêmio Vinícius Caldeira Brant do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a mulher (UFMG) por suas contribuições às áreas de Gênero, Estudo de Mulheres e Feminismo, e o prêmio Florestan Fernandes, da Sociedade Brasileira de Sociologia, por sua contribuição para o desenvolvimento da área. Recebeu também os prêmios Rose Marie Muraro, conferido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo federal, e CNPq por suas contribuições para a análise das condições de vida das mulheres brasileiras.

Sugestões de obras da autora:

AGUIAR, Neuma. Tempo de Transformação no Nordeste. Petrópolis, Editora Vozes. 1980.

AGUIAR, Neuma. Mulheres na força de trabalho na América Latina: análises qualitativas. Petrópolis: Vozes, 1984.

AGUIAR, Neuma; NEVES, Jorge A.; FERNANDES, Danielle. “Mobilidade Social Feminina”, in N. Aguiar (ed.), Desigualdades Sociais, Redes de Sociabilidade e Participação Política. Belo Horizonte, Editora UFMG, pp. 165-180, 2007.

AGUIAR, Neuma; MONT’ALVÃO, Arnaldo. Estratificação residencial, valoração do trabalho doméstico e uso do tempo: contribuições para a análise do caso Brasil. In: Uso do tempo e gênero. Org: FONTOURA, Natália; ARAÚJO, Clara [et al.]. – Rio de Janeiro: UERJ, 2016.

Sobre a autora:

CARUSO, Gabriela de Brito. Colocando o IUPERJ no mapa dos estudos de mulheres, gênero e feminismo no Brasil: as redes intelectuais de Neuma Aguiar. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos v.8, n.14, 2019. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/ojs/index.php/CESP/issue/view/2202

BRUSCHINI, C. (1994), “Women and Labor In Brazil The History of an issue and Prospects for the Future”. Revista Estudos Feministas, v. 2, n. 3.