Por Ione Ribeiro Valle (UFSC)
Neide Almeida Fiori (24 de julho de 1934, Wenceslau Braz/PR– 04 de maio de 2012, Florianópolis/SC) é uma das pioneiras da pesquisa sociológica voltada à educação catarinense, graças aos seus estudos desenvolvidos, inicialmente, no Mestrado em Ciências Sociais, junto à Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e aprofundados no Doutorado/Livre-Docência em Sociologia, junto à Universidade Federal de Santa Catarina. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Fiori teceu sua carreira profissional e sua trajetória acadêmica por meio da aproximação com o campo educacional e com a abordagem sociológica, e isso desde muito cedo, anos 1960, quando realizou cursos de especialização com foco em questões educacionais na Pontifícia Universidade Católica do Paraná e na Universidade de Lisboa/Portugal.
A trajetória de Fiori, no que concerne à inserção profissional, é caracterizada por um grande dinamismo e demonstra que sua atuação no ensino universitário, que teve início ainda no período de formação stricto sensu, sempre primou pela articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Fiori atuou como docente (chegando à professora titular) da Universidade Federal de Santa Catarina durante 23 anos (1976-1999), tendo durante esse tempo passado pela Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina e pelo Ministério da Educação, onde exerceu atividades técnico-científicas junto ao INEP. Na UFSC, Fiori se envolveu intensamente nos programas de formação (graduação e pós-graduação lato e stricto sensu), inclusive de outros centros de ensino, sem deixar de participar da vida administrativa e acadêmica da instituição. Após sua aposentadoria (1999), passa a atuar como professora na Universidade do Sul de Santa Catarina, onde permanece até 2012.
Ao transitar por áreas distintas das ciências humanas e sociais, sua formação possibilitou o rompimento de barreiras disciplinares e de fronteiras epistemológicas que tão fortemente têm definido o campo científico brasileiro. As obras publicadas por Fiori (livros, capítulos de livros, artigos científicos, notadamente), assim como os estudos de diferentes níveis que desenvolveu e orientou, revelam a elasticidade teórico-metodológica do seu pensamento ou, em termos bourdieusianos, o seu “ecletismo racional”.
Mas é na interface entre sociologia e história que a contribuição epistemológica de Fiori me parece mais original e mostra uma maior envergadura. Suas pesquisas de mestrado e doutorado centraram-se no ensino público do Estado de Santa Catarina, associando as representações dos coordenadores de educação e/ou inspetores, a partir de aspectos relacionados ao controle político-administrativo (e ideológico), aos aspectos gerais da sua “evolução” ou, mais propriamente, às múltiplas dimensões da política de ensino público em vigência no Estado. A importância da temática pesquisada por Fiori se torna ainda mais evidente quando se observa o contexto de expansão das oportunidades de escolarização em todos os níveis do ensino, mobilizada desde os anos 1960. Seu trabalho investigativo permitiu abordar limites – e atrasos – do sistema catarinense de ensino público e desvelar necessidades dissimuladas por práticas educativas oligárquicas.
A construção de uma sociologia histórica, ensaiada nos seus primeiros estudos, teve continuidade nas pesquisas desenvolvidas posteriormente, sob sua coordenação ou em parceria com outros pesquisadores, pelas quais foi contemplada com a Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq, e na qual Fiori alcançou o nível de pesquisadora 1A. Essa mesma perspectiva analítica fundamentou os trabalhos de orientação de Fiori, distribuídos entre 16 dissertações de Mestrado e 15 trabalhos de Iniciação Científica, levados a efeito junto a programas de graduação e pós-graduação stricto sensu de distintas instituições universitárias brasileiras.
O leque de temas abordados refere-se especialmente aos fundamentos históricos e sociológicos (mas também antropológicos) dos processos educacionais na memória, nos contextos e nas representações sociais, aos grupos étnicos e à sua relação com a questão educacional, assim como aos estudos concernentes ao cotidiano escolar. De dimensão nacional e mesmo internacional, o interesse sociológico de Fiori se mostra bastante diversificado, envolvendo sobretudo a perspectiva analítica de longa duração, a pesquisa iconográfica; ou seja, trata-se de estudos que atravessam conjunturas políticas, administrativas e educacionais distintas, realizados com base em memórias e imagens fotográficas (difundidas por meio de exposições), e que permitem perceber distanciamentos e continuidades.
Os estudos desenvolvidos e orientados por Fiori, assim como sua atuação no ensino e na extensão, confirmam, portanto, não apenas sua habilidade em dialogar com diferentes áreas do conhecimento, mas também sua sintonia (e sensibilidade) com as questões (e demandas) sociológicas e educacionais do seu tempo. Seu legado teórico-metodológico é fundamental à formação das novas gerações, particularmente no que diz respeito à essa necessária triangulação entre educação, sociologia e história.
Sugestões de obras da autora:
FIORI, Neide Almeida. Aspectos da evolução do ensino público: ensino público e política de assimilação cultural em Santa Catarina nos períodos Imperial e Republicano. Florianópolis: Editora da UFSC/Secretaria da Educação do Estado de SC, 1991.
FIORI, Neide Almeida. Deslocamento do sonho: imigração e emigração no Brasil. In: José Maria Carvalho Ferreira; Ilse Scherer-Warren (Orgs.). Transformações sociais e dilemas da globalização: um diálogo Brasil/Portugal. Oeiras: Celta Editora, 2002, p. 61-79.
FIORI, Neide Almeida. Etnia e educação: a escola “alemã” do Brasil e estudos congêneres. Florianópolis/Tubarão-SC: Editora da UFSC/Editora da UNISUL, 2003.
FIORI, Neide Almeida. Movimento católico e Escola Nova: fontes de contradição na Constituição de 34. Florianópolis: Editora da UFSC, 1988.
FIORI, Neide Almeida. Poder, idioma e educação no Brasil dos anos 1930/1940: reflexões envolvendo Alemanha e Estados Unidos. Revista Internacional de Lingüística Iberoamericana, Madri/Frankfurt, v. 2, n.1, 2004, p. 71-81.
FIORI, Neide Almeida; LUNARDON, Ivone Regina. Santa Catarina de todas as gentes: história e cultura. Curitiba: Base Editora, 2005.