Por Flávio Munhoz Sofiati (UFG)
Um intelectual orgânico
Michael Löwy (1938-) é um sociólogo franco-brasileiro preocupado com temas relacionados às grandes utopias transformadoras. Trata-se de um intelectual orgânico, na acepção grasmciana, comprometido com as lutas da classe trabalhadora. Militante da IV Internacional, de caráter trotskista, atualizou, ao lado de Daniel Bensaïd, as narrativas do marxismo revolucionário deste início de século XXI.
Nascido na cidade de São Paulo, filho de imigrantes judeus austríacos, fez ciências sociais na USP (1960). Muda-se para a França no intuito de dar continuidade à sua formação universitária, fazendo seu doutorado com Lucien Goldmann (1964) sobre o tema da revolução na obra de Marx. Löwy oferece uma análise do itinerário político-filosófico do fundador do materialismo-histórico, tendo como objeto a teoria da autoemancipação do proletariado em direção à revolução comunista.
Michael Löwy é professor Emérito do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique) ao qual o homenageou em 1994 com a medalha de prata do CNRS. Em sua carreira acadêmica na França está vinculado principalmente à EHESS (École des Hautes Études en Sciences Sociales), no Centre d’études en sciences sociales du religieux, antigo Centre d’études interdisciplinaires des faits religieux.
Em 2011 foi homenageado por este centro de pesquisa com um livro que retrata sua carreira e analisa os múltiplos temas de estudo e pesquisa que vão desde a cultura judaica da Europa central (estuda notadamente o messianismo) até o cristianismo da libertação na América Latina, passando pela análise das revoluções europeias, os escritos de Che Guevara, as utopias latino-americanas, a obra de Rosa Luxemburgo e de Franz Kafka, o romantismo, o surrealismo e o marxismo libertário, além da sociologia de Weber e, mais recentemente, o ecossocialismo.
Além de Marx e Engels, evidentemente, e Rosa Luxemburgo, um autor central em sua abordagem teórica é Walter Benjamin, considerado como uma referência fundamental do marxismo libertário. Michael Löwy dedicou anos de estudo à obra deste autor e colaborou com a difusão de escritos importantes como o texto inacabado “O capitalismo como religião”. Além disso, corroborou na interpretação de produções densas como as famosas teses “Sobre o conceito de história”. Em 2019 recebeu na Alemanha o “Prêmio Walter Benjamin” por seu livro “A revolução é o freio de emergência: ensaios sobre Walter Benjamin”.
Michael Löwy pode ser considerado um marxista inventivo por articular o materialismo-histórico dialético com outras abordagens teórico-metódicas como, por exemplo, o romantismo e o messianismo, baseando-se na própria obra de Benjamin que o influenciou profundamente. Sua perspectiva marxiana é acompanhada de alguns elementos da sociologia compreensiva alemã de Weber. Em seu livro “A jaula de aço” apresenta as chaves de sua sociologia marxista weberiana, fundamentalmente baseada no emprego do conceito de “afinidades eletivas”.
O autor sistematiza em Weber uma definição do conceito, entendida como uma relação de atração e influência recíprocas, e a utiliza para pensar seus temas de estudo, como o Cristianismo da libertação na América Latina e suas convergências com o marxismo libertário. Löwy entende que o próprio Marx possuía uma intepretação ambivalente da religião, sendo considerado não apenas “o ópio do povo”. Significa que, diferente das interpretações amplamente divulgadas, a ação religiosa para Marx pode significar tanto uma manifestação ideológica das angústias geradas pelas condições individuais na sociedade existente como também um protesto contra ela.
Os estudos acerca do Cristianismo da libertação possuem um espaço central na obra de Michael Löwy. Seu livro “A guerra dos deuses” ganhou o “Prêmio Sérgio Buarque de Holanda” no Brasil e colaborou com a consolidação de uma perspectiva interpretativa desse fenômeno religioso, influenciando as novas gerações de cientistas sociais da religião que tratam do tema na América Latina e Europa. Conforme o autor, há o entendimento de que a Teologia da libertação é a expressão intelectual e espiritual de um movimento sociorreligioso anterior e muito mais profundo que é chamado de Cristianismo da libertação.
Michael Löwy entende que esse movimento sociorreligioso é ao mesmo tempo um tema de pesquisa e uma experiência de encontro com teólogos e militantes de grande qualidade humana, moral e ética. O estudo desse fato religioso diz respeito ao seu trabalho de pesquisador, mas também ao seu engajamento político como socialista.
Seus mais recentes escritos tratam da temática do ecossocialismo. Essa produção tem contribuído com a renovação do pensamento de esquerda no movimento anticapitalista mundial. Michael Löwy apresenta o ecossocialismo como uma alternativa radical àquilo que considera a catástrofe ecológica capitalista. Assim, o ecossocialismo consiste na transformação profunda das relações de produção e dos padrões de consumo dominantes. Portanto, a proposta significa a construção de um novo tipo de civilização planetária que estabeleça uma ruptura com os fundamentos da civilização industrial ocidental moderna, principalmente com a ideia de progresso. Para Michael Löwy se o problema é sistêmico, a solução deve ser antissistêmica, anticapitalista; e deve ser profundamente radical, atacar a raiz do sistema e se distinguir antagonicamente dos socialismos e comunismos do século XX, principalmente o stalinista e maoísta.
Ao se estabelecer na França, tornou-se um embaixador das ciências sociais brasileiras por receber, orientar e supervisionar, um número significativo de estudantes, pesquisadores e intelectuais na EHESS em Paris. Esse papel, acompanhado de sua produção acerca do marxismo e da análise dos mais variados temas, rendeu-lhe uma homenagem com o livro “As utopias de Michael Löwy: reflexões sobre um marxista insubordinado” com textos de intelectuais renomadas como Alfredo Bosi, Carlos Nelson Coutinho, Emir Sader, Maria Orlanda Pinassi, Roberto Schwarz, entre outros.
Michael Löwy continua produzindo conhecimento acerca da realidade contemporânea e contribuindo com sua militância para a transformação radical da sociedade.
Sugestões de obras do autor
LÖWY, Michael. Redenção e Utopia. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000.
LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. São Paulo: Cortez, 2007.
LÖWY, Michael. A teoria da revolução no jovem Marx. São Paulo: Boitempo, 2012.
LÖWY, Michael. A Jaula de Aço: Max Weber e o marxismo weberiano. São Paulo: Boitempo, 2014.
LÖWY, Michael. O que é o ecossocialismo? São Paulo: Cortez, 2014.
LÖWY, Michael. A revolução é o freio de emergência: ensaios sobre Walter Benjamin. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.
Sobre o autor
JINKINGS, Ivana e PESCHANKI, Alexandre (orgs). As utopias de Michael Löwy: reflexões sobre um marxista insubordinado. São Paulo: Boitempo, 2007.
DIANTEILL, Erwan e DELECROIX, Vincent (dir.) Cartographie de l’utopie: l’oeuvre indisciplinée de Michael Löwy. Paris: Éditions du Sandre, 2011.