Por Simone Magalhães Brito (UFPB)
Mauro Koury, um dos principais nomes na consolidação da Sociologia e Antropologia das emoções no Brasil. Nasceu em Garanhuns, Pernambuco, em 17 de maio de 1950. Graduou-se em Ciências Sociais (1972) e obteve o título de Mestre em Sociologia (1976) pela Universidade Federal de Pernambuco. A tese de doutorado, não concluída na Universidade de Glasgow em fim dos anos 1970, foi defendida na Universidade Federal de São Carlos em 2010. Iniciou sua carreira de professor no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba em 1979, tendo contribuído de maneira fundamental para a consolidação do Mestrado em Ciências Sociais (hoje PPGS), a Revista Política & Trabalho (de 1998 a 2011) e a criação do Bacharelado em Ciências Sociais (1993). No plano institucional, também merece destaque seu papel na Associação de Sociólogos de Pernambuco, onde foi vice-presidente em duas gestões (1984-1985 e 1986-1987) e presidente em 1988-1989, no Centro de Pesquisas Josué de Castro e na organização dos Encontros de Ciências Sociais do Norte e Nordeste (CISO).
Até o final dos anos 1980, suas pesquisas estavam voltadas para o mundo do trabalho, tendo como foco as questões da pobreza e autoritarismo. Parece haver uma grande ruptura entre os trabalhos sobre os conflitos na Zona da Mata Nordestina, autoritarismo, pobreza, sindicatos e greves e as pesquisas iniciadas nos anos 90 a partir da formação do GREM- Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções sobre luto, medo, pânico moral e violência. No entanto, há um fio que perpassa esses momentos: a sociabilidade, particularmente, os processos de constituição da sociabilidade e o sofrimento das pessoas simples. Em sua pesquisa, Mauro acompanhou a construção dos “pobres perigosos” da zona rural, estudou desde sua expulsão para a periferias das grandes cidades e tentativas frustradas de reconstituição dos sentidos de vizinhança e familiaridade até os dramas do reconhecimento e da interação num Brasil marcado pelo crescente medo e espetacularização da violência. Esse grande plano que permite conectar suas pesquisas sobre violência e autoritarismo nos anos 1960 com os dramas da sociedade brasileira em 2020, ao analisar as situações limite e o sofrimento causados pela pandemia, é, contudo, um sopro que me foi dado pela coruja de Minerva. Como pessoa intensa, pesquisador quase obsessivo que era, Mauro percorreu esse caminho “no campo”, visitou bairros, arquivos, participou de eventos e, por muitos anos, conviveu com as famílias que vieram “conquistar a cidade”. Por 18 anos, acompanhou a construção dos afetos entre as famílias da Rua X, na periferia de João Pessoa após uma tragédia entre vizinhos (Koury, 2018); com grupos de estudantes, mapeou os bairros de João Pessoa, ouvindo sobre os velhos e os novos medos (Koury, 2008), além de trabalhar com os arquivos de jornais e fotografias, experiência que adorava. Ao lado do GREM, em 1995, foi fundado o GREI- Grupo interdisciplinar de Estudo em Imagens. Uma vez que os objetos fotográficos emergiram como um elemento central para a experiência e compreensão das transformações nos modos de viver o luto, a relação entre imagens e emoções começa a ser desenvolvida em suas pesquisas.
Os trabalhos dos pesquisadores do GREM-GREI passaram a dialogar com a produção brasileira e latino-americana principalmente através da Revista Brasileira de Sociologia da Emoção-RBSE (fundada em 2002), da Revista Sociabilidades Urbanas (2017) e da Série de livros Cadernos do GREM. Orientou e formou como pesquisadores/as toda uma geração de alunas/os do Curso de Ciências Sociais. Foram 23 Monografias orientadas entre 1998 e 2021. Quando se aposentou em 2020, Mauro era professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPB e o energético editor dessas duas revistas e da série de livros que pretendia expandir. O compromisso e a paixão pela divulgação das Ciências Sociais em revistas acadêmicas de conteúdo aberto só se compararam ao compromisso com a sala de aula e a formação de estudantes.
Após uma longa luta contra a Covid, Mauro faleceu em 29 de agosto de 2021. Deixou duas filhas, um filho e três netas.
Ao levantar os materiais para escrever essa bionota, me surpreendeu o fato de que, apesar de ter publicado tanto, Mauro não escreveu sobre ele mesmo. Mesmo os agradecimentos, onde se costuma espiar o cotidiano, não dizem muito sobre sua vida. Assim, infelizmente, todas as ótimas conversas que tivemos sobre livros, família, o dia a dia da universidade ou os imponderáveis das pesquisas viraram uma vítima de minha memória. Talvez eu devesse respeitar essa elegância em não falar de si mesmo e continuar a ênfase nos aspectos institucionais, mencionando apenas os muitos artigos e livros que ajudaram a desenhar o campo da Sociologia e Antropologia das Emoções no Brasil, sua intensa participação nos principais eventos da área, seus orientandos que hoje são professores nas mais diversas instituições nordestinas, mas o trabalho não estaria completo sem a menção a sua força e enorme energia. Em qualquer situação acadêmica, a leitura era cuidadosa, os comentários eram extremamente rigorosos – sem deixarem de ser didáticos; nunca demorava para entregar um parecer, tudo era sempre feito com antecedência e esmero, um perfeccionismo que podia até assustar. Não era apenas o pai e avô presente, também encontrava tempo para participar da vida dos amigos, conversar e rir bastante com estórias de todas as épocas. Muito afetuoso, sua vida é uma inspiração e um paradoxo: pesquisar a dor e o medo, mantendo sempre a coragem e a alegria.
Sugestões de obras sobre o autor:
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Sociologia da emoção: o Brasil urbano sob a ótica do luto. Petrópolis: Vozes, 2003
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. De que João Pessoa tem medo? Uma abordagem em antropologia das emoções. João Pessoa: EdUFPB; Edições do Grem, 2008.
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Emoções, sociedade e cultura. Curitiba: Ed. CRV, 2009.
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Relações delicadas: ensaios em fotografia e sociedade. João Pessoa: EdUFPB, 2010.
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Práticas instituintes e experiências autoritárias. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro; BARBOSA, Raoni Borges. Da subjetividade às emoções: a antropologia e a sociologia das emoções no Brasil. Recife: Edições Bagaço; João Pessoa: Edições GREM, Série Cadernos do GREM n. 7, 2015.
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Uma comunidade de afetos: uma etnografia sobre uma rua de um bairro popular na perspectiva da Antropologia das Emoções. Curitiba: Appris, 2018.