Por Márcia Esteves de Calazans (UCSal)
A trajetória intelectual de Mary Garcia Castro constrói-se na interseccionalidade acadêmica e vida orgânica partidária e com movimentos feministas. Colocando-se na margem do rio, aquela que apostou, e segue apostando em “pour un savoir engajé”.
Graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 1968. Entre 1964 e 1966, cursou sociologia na Universidade do Chile, em Santiago, para onde foi com seu então marido, Pedro Castro, em função da ditadura militar no Brasil. Em 1970, concluiu o mestrado em Ciências Humanas da UFBA na área de Sociologia da Cultura, e, em 1979, o mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. De 1981 a 1982 foi pesquisadora visitante na New York University, NYU, Estados Unidos, no Center For Latin American And Caribbean Studies, pesquisando e trabalhando com mulheres latino-americanas em Nova Iorque, quando publicou pela NYU, 1982, “Marys and Eves in the Big Apple, Colombian voices in New York”.
De 1972 a 1981 foi servidora pública no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como Coordenadora de área de estudos sobre população e mobilidade, com pesquisas publicadas sobre família e migrações internas pelo IBGE.
Cursou doutorado em Sociologia, entre 1985 e 1989, na University of Florida, com tese sobre mulheres chefes de família no Brasil. Seus dois pós-doutorados foram com bolsas da Rockfeller Foundation, o primeiro em 1992 na University of New York, e o segundo na Unicamp em 1997.
Desde muito cedo, sua trajetória foi ganhando contornos na internacionalização de sua carreira, pois ainda jovem, aos 18 anos, saiu do Brasil com uma bolsa para estudar inglês na Columbia University, em Nova Iorque.
Mary Garcia Castro foi aprovada em primeiro lugar no concurso para professora na UFBA em 1978, não sendo empossada por intervenção do regime militar. Sua reintegração, por anistia, deu-se em 1987. Aposentou-se em 1995, dando continuidade, desde então, a intensa vida acadêmica e de produções.
Mary Garcia Castro viveu a intelectualidade, a militância e o ativismo partidário, apostando na resistência e reorganização, na busca de um outro sistema econômico e social.
Foi pesquisadora visitante no Centro de Estudos Porto-riquenhos do Hunter College, New York (2003-2006); professora visitante no departamento de Espanhol e Português em cursos sobre Movimentos Sociais no Brasil; e Pensamento Crítico Contemporâneo na América Latina, com especial referência a Brasil e Cuba, na Georgetown University (Center for Latin American Studies), entre 2009/2010.
Mary Garcia Castro tem publicado sobre trabalho doméstico organizado desde o período que, a convite da Organização Internacional de Migrações, desenvolveu estudos na Colômbia onde também lecionou na Universidad Nacional da Colômbia e na Universidad Javeriana. Teve forte participação junto com a antropóloga Elsa Chaney e várias lideranças latino-americanas do serviço doméstico, na criação, em 1988, da Confederação Latino-americana de Trabalhadores Domésticos (CONLACTRAHO), que hoje reúne sindicatos de todos os países da América Latina e do Caribe; colaborou com o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas na Bahia, e colabora com a Federação Nacional de Trabalhadores Domésticos (FENATRADE), tendo várias publicações sobre o trabalho doméstico organizado. Foi membro do Conselho Nacional de Juventude e do Conselho Nacional de Direitos da Mulher de 2003 até 2007.
Mary Garcia Castro é o que o Sociólogo Colombiano Orlando Fals Borda ( 1925-2008) se refere a uma “sociologia sentipensante” para a América Latina, demonstrando seu comprometimento afetivo e intelectual em como investigar a realidade para transformá-la. E na constituição de uma sociologia feminista decolonial para a América Latina. Desenvolve estudos sobre perspectivas feministas decoloniais, tendo a produção latino-americana e africana como referências. Em 20017/2018, após um período como professora de cursos de pós-graduação na Universidade Católica do Salvador, foi professora no curso de Pós-graduação sobre Etnicidades na Contemporaneidade, na Universidade Estadual do Sul da Bahia – UESB-Jequié, o que muito contribuiu para o seu atual interesse em ‘legados africanos’ e étnicos (expressões da professora Marize Santana.)
Portanto além de engajada na produção intelectual em temas da sociologia, estudos culturais, estudos de gênero, juventudes, e migrações, Mary Garcia Castro sempre esteve junto aos movimentos sociais destas agendas tanto na América do Norte como na América Latina, em países como Estados Unidos, Chile e Colômbia. Desenvolveu com Miriam Abramovay na UNESCO-Brasil vários estudos sobre juventudes, questões sobre sexualidade, racismo e violências na escola. Representando o Brasil, por indicação da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD) participou da Global Comission of Migration, junto a ONU, (2008-2009).
Escreveu, em 1991, artigo em que usa o conceito de “alquimia das categorias sociais, raça, gênero e classe na produção de sujeitos políticos”, sendo assim uma das percursoras no Brasil do debate sobre intersecções, discutindo os Estudos Culturais e Feminismo , seus deslocamentos teóricos e conceituais, bem como o feminismo decolonial.
Desde 2011 é Pesquisadora Sênior, no campo de estudos sobre juventude, gênero e etnicidade, junto a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais -FLACSO.
Em 2015 recebeu o Prêmio Bertha Lutz comenda entregue a personalidades que se destacaram na luta pelos direitos das mulheres, entregue a cidadãs que tenham oferecido relevante contribuição na defesa dos direitos da mulher e questões do gênero no Brasil.
O nome do prêmio é uma homenagem à bióloga Bertha Maria Julia Lutz (1894-1976). Ela foi uma das pioneiras do movimento feminista no Brasil, responsável por ações políticas que resultaram em leis que deram direito de voto às mulheres e igualdade de direitos políticos no início do século 20.
Foi professora visitante do Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, entre 2019-3/2021 e Pesquisadora Visitante Emérita na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais e no Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero (UERJ/PPICS/NUDERG) com bolsa da FAPERJ-Fundação de Amparo a Pesquisas no Rio de Janeiro. Desenvolve pesquisa e leciona sobre trabalho doméstico remunerado, epistemologias feministas, e reprodução social, com ênfase em estudos comparativos entre literatura e ensaios assinados por autoras africanas e afrodiasporicas e aqueles de autoras norte americanas, europeias e brasileiras. Dedicando-se, assim, as epistemologias críticas mundiais. É membra da União Brasileira de Mulheres e do Partido Comunista do Brasil.
Mary Garcia Castro nasceu no Rio de Janeiro em 1941, viveu mais de 10 anos em Salvador, e cerca de 12 no exterior. Uma intelectual que se fez no mundo entre diversos saberes. Tem dois filhos e quatro netos.
Sugestões de obras da autora:
CASTRO, Mary Garcia; SERRAVALLE, Rebecca. Dividindo para somar. Gênero e Liderança sindical Bancária em Salvador nos anos 90. Salvador: EDUFBA, Salvador, 2002
CASTRO, Mary Garcia; ABRAMOVAY, Miriam. Juventudes e Sexualidades -; Brasília: UNESCO, 2004
CASTRO, Mary Garcia; MESSEDER, Suely. Enlaçando Sexualidades: uma tessitura interdisciplinar no reino das sexualidades e das relações de gênero. Salvador, EDUFBA, 2016-
CASTRO, Mary Garcia. “Mulheres sindicalizadas: classe, gênero, raça e geração na produção de novos sujeitos políticos, um estudo de caso” In BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa(org.) Pensamento Feminista Brasileiro. Formação e Contexto, Ed Bazar do Tempo, Rio de Janeiro, 2019p 213-236
CASTRO, Mary Garcia. Desafio ao marxismo e ao feminismo emancipacionista em tempos de barbárie neoliberal. Revista Marxismo 21, São Paulo, 2020, p 139-154
CASTRO, Mary Garcia. Pós-colonialísmo e decolonialidades: etnicidade, reprodução, gênero e sexualidade-vozes da África – notas a partir de um conhecimento em curso. Revista Sociologia e Antropologia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2021, p 1051-1075
CHANEY, Elsa M.; CASTRO, Mary Garcia (ed.) Muchachas no more: household workers in Latin America and the Caribbean. Filadelfia: Temple University Press, 1963.
Sobre a autora:
Entrevista com Mary Garcia Castro: “Revista Praia Vermelha, vol. 30, n1, jan/jun. 2020, p 212-220 por Andrea Moraes Alves. Disponível em:
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwjn6fD854L2AhWND7kGHS-fBdUQFnoECAYQAQ&url=https%3A%2F%2Frevistas.ufrj.br%2Findex.php%2Fpraiavermelha%2Farticle%2Fdownload%2F30621%2F19519&usg=AOvVaw1hagLFmA0ZWIu5IvHrBpRp