Por Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (UFRJ)
Uma trajetória marcante, verdadeiramente precursora entre os anos 1930-1950. A imbricação da antropologia com a sociologia, característica do início da institucionalização universitária das ciências sociais, marcou sua formação e atuação. Inicialmente interessado no estudo antropológico das festas e dos festivais populares, nos anos 1950 Vieira da Cunha inauguraria o que se pode caracterizar como a sociologia da administração. Nos anos 1960, seguiu para trabalhos junto à Organização das Nações Unidas (ONU) na área da administração pública em países da América Latina. Ao retornar ao país nos anos 1970, participou do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).
Mário Wagner Vieira da Cunha, filho de professores primários, estudou no ginásio estadual em Campinas/SP, entre 1924-1929. Na capital estadual, cursou engenharia na Escola politécnica, rumo interrompido pelo engajamento no movimento revolucionário de 1930. Ingressou então no curso de Direito na Universidade de São Paulo, concluído em 1936. No ano anterior, ingressara na segunda turma de ciências sociais e políticas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL, criada em 1934) na mesma universidade, tendo se formado em 1938.
Nesse período, Vieira da Cunha trabalhou como professor em diferentes escolas e integrou o grupo de estudantes e professores oriundos da Escola Livre de Sociologia e Política (criada em 1933) e da FFCL/USP que participaram da fundação da Sociedade Paulista de Sociologia (1937) e das iniciativas do Departamento Municipal de Cultura (DMC), dirigido por Mário de Andrade entre 1935 e 1938. Foi tesoureiro da Sociedade de Etnografia e Folclore (1937), e aluno do Curso de Etnografia e Folclore, ministrado por Dina Dreyfus Lévi-Strauss (1936-1937) e realizado sob os auspícios do DMC. A publicação conjunta de “Descrição da Festa de Bom Jesus de Pirapora”, de Vieira da Cunha, e “Samba rural paulista”, de Andrade, na Revista do Arquivo Municipal (n. 41, novembro de 1937) registra a estreita colaboração entre os dois Mários.
Interessado no tema das mudanças socioculturais, Vieira da Cunha inaugurou as pesquisas sobre Cunha (SP), município que se tornaria referência para o estudo da mudança em sociedades tradicionais. “O Povoamento do município de Cunha”, publicado posteriormente nos Anais do Congresso Brasileiro de Geografia, vol.3, 1944 é considerado um dos melhores estudos históricos sobre o município, incluindo dados dos arquivos municipais destruídos nos anos 1960 por incêndio.
Em 1941, segue para o mestrado no Departamento de Antropologia da Universidade de Chicago, graças a uma bolsa de estudos da Fundação Rockfeller obtida por intermediação de Donald Pierson. Tornou-se Master of Arts em 1944, com a dissertação “Festivals and the social rhythm considered in the light of functionalistic theories”, uma densa discussão teórica de fundo etnográfico, defendida sob orientação de Robert Redfield e Lloyd Warner. No retorno, lecionou por três anos na ELSP. Juarez Brandão Lopes e Darcy Ribeiro, então seus alunos, tornaram-se amigos próximos. Nos anos 1950, a ELSP sofreu com o progressivo afastamento de Donald Pierson da direção acadêmica, e a vida profissional de Vieira da Cunha tomou outro rumo.
Com a criação do Instituto de Administração (simultânea à da Faculdade de Ciências Econômicas) na USP em 1947, do qual tornou-se diretor, Vieira da Cunha atuou como técnico e professor interino até efetivar-se em 1951 na cátedra ciência da administração e estrutura das organizações econômicas, com a monografia “Burocratização das empresas industriais” – um estudo de caso da Votorantim, que ilumina todo um período de desenvolvimento da administração industrial brasileira. Suas pesquisas dedicam-se a partir de então a esse assunto com destaque para O sistema administrativo brasileiro, 1930-1950, publicado em 1963 pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Colaborou também como docente na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Nesse período, participou ainda ativamente da criação tanto da Sociedade Brasileira de Sociologia em 1950, da qual foi vice-diretor, quanto da Associação Brasileira de Antropologia em 1953.
Deixando a USP, a serviço da Organização das Nações Unidas, Vieira da Cunha instaurou a Escuela Superior de Administración Publica (ESAP) em Bogotá entre 1961-1963, para onde retornaria em 1969-1970. Em 1964, também pela ONU, seguiu para a Venezuela, onde participou da reestruturação da Escuela Nacional de Administración y Hacienda Publica (ENAHP) em Caracas. Na volta ao Brasil, participou do CEBRAP, em São Paulo.
Vieira da Cunha conheceu sua esposa Raquel (Kussel Kestemberg, em solteira) na Universidade de Chicago. Com 24 anos, Raquel ingressara em 1942 no mestrado em psicologia, profissão na qual atuou ativamente até seu falecimento em 1996. Alemã de origem judaica, natural de Berlim, Raquel refugiara-se em Praga em 1933, e seguira para os Estados Unidos em 1939 com uma bolsa de estudos para o Radcliff College/Universidade de Harvard, em Boston. Tiveram dois filhos, Maurício (1946, engenheiro) e Paulo (1948, economista).
Sempre abrindo novos campos de interesse e de atuação para as ciências sociais, a carreira de Vieira da Cunha pede futuras pesquisas que possam expandir e aprofundar o que dela sabemos.
Sugestões de obras do autor:
VIEIRA DA CUNHA, Mario Wagner. Descrição da Festa de Bom Jesus de Pirapora. Revista do Arquivo Municipal, n. 41, novembro de 1937.
VIEIRA DA CUNHA, Mario Wagner. O Povoamento do município de Cunha. Anais do Congresso Brasileiro de Geografia, vol.3, 1944.
VIEIRA DA CUNHA, Mario Wagner. O sistema administrativo brasileiro, 1930-1950. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, 1963.
Sobre o autor:
Entrevista com Mário Wagner Vieira da Cunha. Edição e notas por Fernando Pinheiro Filho e Sérgio Miceli. Tempo Social, 20 (2). Novembro de 2008.