Por Marcelo Seráfico (UFAM)
Marilene Corrêa da Silva Freitas nasceu na cidade de Carauari, no Amazonas, em 19 de agosto de 1950. Graduou-se em Serviço Social na Universidade Federal do Amazonas – UFAM (1975), instituição da qual se tornou professora no ano de 1979, lecionando disciplinas de Sociologia para os cursos de Comunicação Social, Serviço Social, Contabilidade, Economia e Administração. Sob a ditadura- civil-militar, as Ciências Sociais, a História e a Geografia encontravam-se diluídas num curso de licenciatura em Estudos Sociais naquela instituição. Em 1987 é criado o Curso de Ciências Sociais na UFAM, ao qual Marilene se integra. Em 1989, conclui seu mestrado em Sociologia Política, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, em 1997, apresenta sua tese de doutoramento em Ciências Sociais, na Universidade Estadual de Campinas. Entre 2001 e 2002, realizou seus estudos de pós-doutoramento na Université de Caen e na UNESCO.
A trajetória de Marilene também é marcada por uma vigorosa participação política dentro e fora das universidades. Exerceu a função de Secretária Geral da reitoria da UFAM (1989-1993), foi Secretária de Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas (2003-2007) e reitora da Universidade do Estado do Amazonas (2007-2010).
Marilene Corrêa publicou mais de uma centena de artigos e capítulos de livros, orientou mais de quarenta dissertações de mestrado, dezoito teses de doutorado, quatorze trabalhos de conclusão de curso e vinte pesquisas de iniciação científica.
Há, por certo, mais quantidades a serem mencionadas para mostrar o alcance da militância acadêmica de Marilene. Contudo, cabe acentuar alguns aspectos específicos de sua obra sociológica que estão plenamente representados em duas delas.
O Paiz do Amazonas e Metamorfoses da Amazônia, que seleciono dentre os vinte e cinco livros que já publicou, são contribuições que se converteram em referências para pensar o lugar da região na dinâmica da acumulação capitalista, vista em escala mundial.
Na primeira, resultante de sua dissertação de mestrado, Marilene mostra a Amazônia como História, uma História que expressa os jogos de sociabilidade nos quais, em distintos momentos, predominam a Amazônia indígena; em seguida, portuguesa, colonial; depois, cabana, revolucionária; e, finalmente, brasileira, nacional. Nas palavras de Octavio Ianni, seu orientador e prefaciador do livro: “[Nessa História] revelam-se tanto o colonialismo e o imperialismo quanto o nativismo e o nacionalismo. (…) revelam-se os ciclos, as lutas, as realizações e as perspectivas que constituem a Amazônia”.
Na segunda, fruto de sua tese de doutoramento, a análise de Marilene se volta para os modos pelos quais a Amazônia se insere à dinâmica da globalização. Daí o tratamento da Zona Franca, da questão indígena, do ecossistema e da agroindústria servirem como pontos de referência para interpretar a dinâmica social, política, econômica e cultural na Amazônia como expressões da dialética região, nação e mundo.
Em qualquer caso, seja como lugar em que se realiza a “assim chamada acumulação originária” ou a “acumulação de capital” propriamente dita, a Amazônia é tratada por Marilene como realidade marcada pelo processo de desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo.
Nas duas obras evita-se a tentação dos muitos determinismos e da hipertrofia das especializações que assombram, por vezes, os olhares sobre a Amazônia. Determinismos e hipertrofia que, ao fim e ao cabo, retiram as sociedades amazônicas da História, transformando singularidades em exotismos ou caricaturas, reduzindo a Amazônia a uma palavra-chave ou a uma palavra de ordem com apelo publicitário.
O empenho de Marilene em analisar, interpretar, compreender e explicar relações e estruturas sociais, a partir da Amazônia, de modo a revelar suas características gerais e específicas, traz consigo o compromisso crítico de mostrar a historicidade das sociedades, naquilo que estas contêm de constrangimentos e de possibilidades para o avanço dos horizontes emancipatórios individuais e coletivos.
A obra sociológica de Marilene também exprime uma perspectiva epistemológica descentralizada, portanto, configura-se como importante referência para quem esteja interessado em compreender os impasses do processo de formação da sociedade nacional e mundial desde uma óptica que combina crítica e criatividade, permitindo pôr em jogo ideias e arriscar alternativas.
Essas qualidades geraram uma teoria sobre a Amazônia, ou melhor, uma teoria que, a partir da realidade amazônica é também uma teoria sobre os impasses do processo da formação nacional brasileira e da dinâmica do capitalismo em lugares outrora assimilados como colônias de exploração de classes que se organizam transnacionalmente com o fim de explorar e dominar.
O que podemos identificar como local, regional ou nacional reconfigura-se na dinâmica das relações sociais como jogos de sociabilidade, correlações de força e estratégias de ação transversais, que incluem, mas transcendem em muito as ilusões, os símbolos e os mitos com os quais, muitas vezes, se busca estenografar a realidade. Daí que experimentar hipóteses seja recurso decisivo para desfetichizar a complexidade do real, e isso implica compromisso político e pedagógico, isto é, compromisso em apreender o real e encantar os outros com a possibilidade dessa apreensão.
Em suma, a obra de Marilene Corrêa é exemplar de que as fronteiras geográficas não demarcam limites políticas e muito menos intelectuais.
Sugestões de obras da autora:
FREITAS, M. C. S. O Paiz do Amazonas. 3a. ed. Manaus: Valer, 2012.
FREITAS, M. C. S. Metamorfoses da Amazônia. 2ª. Ed. Manaus: Valer, 2013.
FREITAS, M.C.S.; SILVA, M. C.; BARROS, M. L.B. Diálogos com a Amazônia. 1. ed. Manaus: Valer, 2010. v. 01. 192p.
FREITAS, M; SILVA, M. C. Sustainability: Man-Amazonia-World. 1. ed. América Star Books Publisher, 2014. v. 1. 300p.