Marialice Mencarini Foracchi

Por Maria Carla Corrochano (UFSCar)

Marialice Mencarini Foracchi nasceu na cidade de São Paulo, em 16 de setembro de 1929 e faleceu prematuramente aos 42 anos de idade, em 30 de junho de 1972. Realizou sua formação escolar no Colégio Nossa Senhora do Sion e no Colégio Mackenzie, entre 1937 e 1948. Concluiu o bacharelado e a licenciatura em Ciências Sociais na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) em 1952. Um ano depois assumiu, na mesma universidade, a cadeira de História e Filosofia da Educação como professora assistente, a convite do Prof. Laerte Ramos de Carvalho. Entre 1955 e 1958 tornou-se assistente do Prof. Florestan Fernandes, que também orientou sua especialização em Sociologia e sua tese de doutorado. A partir de 1960 tornou-se docente e pesquisadora da cadeira de Sociologia I, tendo ministrado várias disciplinas na graduação e na pós-graduação.

No Centro de Apoio à Pesquisa em História Sergio Buarque de Holanda, na Universidade de São Paulo, é possível encontrar uma importante documentação sobre a vida e a obra de Marialice Mencarini Foracchi, reveladora do trabalho de uma rigorosa e apaixonada artesã intelectual, no sentido atribuído por Charles Wright Mills. O cuidado no preparo de cada uma das aulas, muitas delas escritas à mão, as anotações em cada um dos artigos elaborados e revistos, os bilhetes com anotações de ideias, possivelmente para futuros projetos e textos, ensinam muito sobre o significado do “fazer pesquisa”, em meio à consolidação do pensamento sociológico no Brasil.

O conjunto de sua obra traz contribuições fundamentais para a construção do campo de estudos sociológicos da educação e da juventude no Brasil.

Ao lado de Fernando Azevedo, Antônio Candido, Florestan Fernandes e Luiz Pereira, para os quais a compreensão da mudança social no Brasil não podia prescindir da análise sobre a disseminação da educação escolar, contribuiu para a conformação inicial da sociologia da educação em nosso País. Sua leitura de Karl Mannheim, considerando a relevância do autor para o campo, os artigos sobre a situação do ensino de sociologia e sobre as condições do trabalho docente, a organização da coletânea Educação e Sociedade, ao lado de Luiz Pereira, reunindo autores e reflexões clássicas para os estudos sociológicos da educação, além de sua atuação como conselheira no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo, evidenciam sua importância como uma socióloga para a qual a educação ocupou um lugar central.

A constituição da Sociologia da Juventude no Brasil é marcada por duas de suas publicações – O Estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira (1965) e A Juventude na Sociedade Moderna (1972) – que resultam, respectivamente, de sua tese de doutorado e de livre-docência. Dando continuidade aos esforços para a compreensão do alcance e dos limites do processo de modernização na sociedade brasileira, a autora analisa, na primeira obra, a condição e a atuação política dos estudantes universitários evidenciando as práticas e processos que possibilitam a construção dessa categoria social.

Considerando a relevância da pesquisa empírica em todo seu trabalho, a análise parte de um estudo realizado com estudantes, representantes de centros acadêmicos e lideranças do movimento estudantil de diferentes cursos da Universidade de São Paulo. Suas conclusões evidenciam que é entre as classes médias, que passam a ter acesso à educação superior e a valorizá-la como estratégia de mobilidade social ascendente, que o jovem se transforma em estudante, passando a viver as contradições desse processo. Ao longo de sua experiência universitária e da convivência com seus pares, os estudantes adquirem consciência dos obstáculos para realização de seus projetos profissionais, passando da crítica aos cursos, currículos e à própria Reforma Universitária, para a crítica ao sistema como um todo, identificando-se com grupos que reivindicam transformações sociais mais amplas. Partindo de uma leitura das classes sociais presente na obra “O 18º Brumário de Luís Bonaparte”, de Karl Marx, a autora conclui que a capacidade transformadora das ações do movimento estudantil derivadas desse processo seriam, no entanto, limitadas pelo próprio pertencimento de seus sujeitos a uma classe média “pequeno burguesa”, temerosa de perder os escassos benefícios dos quais desfrutava.

O Golpe Militar de 1964 no Brasil e a ampliação da presença e da participação de jovens e de estudantes em movimentos de contestação aqui e em várias partes do mundo, produziram significativos impactos na reflexão de Marialice Mencarini Foracchi, especialmente ao lugar atribuído ao movimento estudantil, evidente nos vários artigos que escreve no período, mas sobretudo em seu livro – A Juventude na Sociedade Moderna (1982). A influência de Karl Mannheim torna-se ainda mais presente, sobretudo pelas implicações da análise do autor sobre o problema das gerações e de sua leitura da juventude como uma categoria que, por ainda não estar totalmente incorporada ao status quo, apresenta uma potencialidade que pode ou não ser canalizada para processos de mudança social.

Realizando uma análise mais abrangente sobre a condição juvenil e as várias formas de contestação de jovens, inclusive estabelecendo distinções entre movimentos juvenil e estudantil, a autora confere ainda mais centralidade a este último, que passaria a representar a forma predominante de rebelião juvenil na sociedade moderna. A crise desta sociedade seria sentida uma maneira mais aguda entre os jovens estudantes, vinculados aos setores urbanos privilegiados e com maior acesso à universidade.
Pode-se dizer que sua produção inaugura uma perspectiva que compreende a importância do olhar para a juventude como a ponta do iceberg dos dilemas vividos pela sociedade como um todo, ao mesmo tempo em que contesta explicações que atribuem ao jovem, apenas por sua idade, comportamentos rebeldes, de aversão à ordem social, ou de acomodação e ausência de participação no espaço público.

Do mesmo modo, se hoje tornou-se fundamental considerar nas análises as diferenças e desigualdades que marcam as experiências juvenis, pode-se dizer que os trabalhos de Marialice Mencarini Foracchi trouxeram contribuições relevantes para a análise de algumas delas, em especial as clivagens de classe social, idade e geração. Tanto a constituição do estudante universitário como categoria social, quanto seu comportamento político, estavam vinculados, em sua análise, à estrutura de classes, em particular às classes médias no contexto de uma sociedade em desenvolvimento.

A diferenciação que estabelece entre a adolescência – e sua crise – como primeira etapa da juventude e a juventude propriamente dita também contém elementos que contribuem para evidenciar a importância de uma análise sociológica das diferentes faixas de idade no interior do que se concebe como jovem Ao mesmo tempo, ainda que circunscrevendo a constituição da geração de 1968 ao movimento estudantil, nos oferece uma importante leitura sobre o lugar das gerações e das relações intergeracionais nos estudos sobre a juventude. Por fim, a centralidade dada à condição estudantil não a impediu de realizar férteis análises sobre o lugar do trabalho e dos projetos profissionais dos estudantes universitários, inclusive para o desencadeamento de suas ações políticas.

Em seu último projeto de pesquisa, a preocupação com o trabalho, especialmente considerando a condição dos desempregados, subempregados ou das chamadas “populações marginais” emerge como central, ao lado da própria discussão sobre o conceito de marginalidade e sua importância para as ciências sociais, em diálogo com os estudos de Fernando Henrique Cardoso, José Nun, Anibal Quijano e Luiz Pereira. No livro “A participação social dos excluídos” (1982), organizado por José de Souza Martins, podem ser encontrados alguns dos resultados deste trabalho, ao lado de um significativo conjunto de artigos publicados em diferentes revistas e jornais.

Olhar para a produção de Marialice Mencarini Foracchi permite evidenciar a importância que atribuía à divulgação científica, disseminando resultados de seus estudos não apenas em revistas acadêmicas, mas também em veículos de comunicação de larga escala, concedendo entrevistas e escrevendo artigos de opinião. Os textos elaborados para jornais de movimentos e centros acadêmicos, além de sua participação em conferências, debates e atividades organizadas por estudantes dentro e fora da USP são reveladores de seu compromisso social com a universidade, e sobretudo com os estudantes, seus movimentos e com todos aqueles e aquelas que estão à margem das estruturas de poder em nossa sociedade.

Sugestões de obras da autora:

FORACCHI, Marialice M. (1982) A participação social dos excluídos. São Paulo: Editora Hucitec.

FORACCHI, Marialice M. (1972) A juventude na sociedade moderna. São Paulo: Pioneira Editora.

FORACCHI, Marialice M. (1965) O estudante e a transformação da sociedade brasileira. São Paulo. Companhia Editora Nacional.

FORACCHI, Marialice M. (1960) Educação e Planejamento – Aspectos da contribuição de Karl Manheim para a análise sociológica da educação. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Boletim n. 252, São Paulo.

PEREIRA, Luiz; FORACCHI, Marialice M. (1978). Educação e Sociedade – Leituras de Sociologia da Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

AUGUSTO, Maria H. O. Retomada de um legado intelectual: Marialice Foracchi e a sociologia da juventude. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2 https://doi.org/10.1590/S0103-20702005000200002.