Por Luna Ribeiro Campos (CEFET/RJ; UNICAMP)
Maria Lygia Quartim de Moraes nasceu na cidade de São Paulo em 1943. Entre 1963 e 1966, realizou a graduação em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP), onde foi aluna de figuras como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Maria Isaura Pereira de Queiroz e Otávio Ianni. Nesse período, de intensa agitação política estudantil, foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da Ação Libertadora Nacional (ALN). No final dos anos sessenta, com a prisão de seu marido e a perseguição política, partiu para o exílio. De 1969 a 1975, morou em Cuba, na França e no Chile.
Em Cuba, estabeleceu contato com movimentos revolucionários de várias partes do mundo e se aprofundou na literatura sobre as revoluções latino-americanas. Em Paris, em 1970, se aproximou de outros grupos intelectuais de esquerda, participando de seminários e grupos de estudo e se aprofundando na teoria marxista. Também é desse período o contato com o feminismo e a participação ativa no debate feminista no interior da militância de esquerda exilada.
Em 1971, com a posse de Salvador Allende, Maria Lygia se mudou para o Chile, seguindo o caminho de tantas outras pessoas exiladas e perseguidas, do Brasil e de outras partes da América Latina, que viam naquele país a esperança socialista. Os anos de exílio e mobilização política foram acompanhados de muito estudo: Maria Lygia realizou cursos de pós-graduação na França e no Chile entre 1970 e 1974.
Em 1975, ao retornar ao Brasil, integrou o grupo de pesquisadores de economia do Centro Brasileiro de Planejamento (CEBRAP), em que participou de diversos projetos e da editoria de alguns jornais, como o Movimento e o Em tempo, ao lado de Francisco de Oliveira e Guido Mântega. Em 1977, iniciou o doutorado em Ciência Política na USP. Concomitantemente, participou ativamente da militância feminista e foi uma das fundadoras do jornal Nós Mulheres, um dos periódicos mais relevantes do período para o avanço das ideias feministas e os debates sobre socialização do cuidado.
No ano seguinte, junto a Cynthia Sarti, realizou uma pesquisa sobre a imprensa “feminina” que foi financiada pela Fundação Ford e redirecionou seus interesses de pesquisa. A tese de doutoramento, intitulada Família e Feminismo: reflexões sobre papéis femininos na imprensa para mulheres, defendida em 1982, foi produto daquela pesquisa e, desde então, Maria Lygia dedicou-se à questão da família, da imprensa e do feminismo.
Sua carreira acadêmica teve início em 1983 na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde atuou em cursos de pós-graduação e em núcleos de pesquisa, desenvolvendo projetos sobre a chamada questão feminina. Entre suas atividades no período, ajudou a fundar e consolidar o Núcleo de Estudos sobre a Mulher da UFBA. Em 1985, retornou a São Paulo e ingressou no Departamento de Sociologia da UNESP/Araraquara, onde permaneceu como docente e pesquisadora por quase uma década.
Em 1993, tornou-se parte do corpo docente do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesta mesma universidade, defendeu sua tese de livre-docência em 1997 e tornou-se professora titular em 2005. Atualmente, é professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Unicamp e professora visitante do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Políticas Sociais da UNIFESP/Baixada Santista. Além disso, é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu (Unicamp) e pesquisadora (Bolsa de Produtividade) 1B do CNPq. Também é membro do GT Estado Laico da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e líder do GP Teorias e Militâncias Feministas do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq.
Além de seu envolvimento político contra a ditadura militar, a luta para elucidar as circunstâncias da morte de seu primeiro marido, Norberto Nehring, fez com que a reflexão sobre memória, exílio e direitos humanos fosse uma constante em sua produção intelectual e atuação política. Destaco aqui, no âmbito de sua atuação na Unicamp, a coordenação do projeto “Documentos e memórias da repressão e da resistência política – Brasil, 1964-1982” e a presidência da Comissão da Verdade e Memória “Otávio Ianni”.
Especialista em Sociologia clássica, Maria Lygia também é pesquisadora na área de movimentos sociais, família, direitos reprodutivos, feminismo, marxismo e psicanálise. Em sua trajetória, publicou livros, capítulos de livros e artigos no país e no exterior, além de ter coordenado diversos projetos de pesquisa e de ter orientado estudantes de mestrado e doutorado em pesquisas nessas áreas de interesse.
Nas últimas décadas, tem se dedicado a pesquisar as raízes do pensamento feminista e os impasses do feminismo enquanto um dos movimentos sociais mais expressivos do século XX, além de refletir sobre a forma como os ativismos feministas vêm sendo centrais para a reconstrução da democracia nos países do Cone Sul. Entre suas principais contribuições para o campo dos estudos feministas no Brasil, destaco seus textos sobre a relação entre marxismo e feminismo e seus esforços em pautar o debate sobre os direitos das mulheres nos espaços de esquerda. Isso fica evidente em suas contribuições para a revista Margem Esquerda e em outros artigos publicados em diversas revistas acadêmicas.
Em 2017, foi publicado no site do IFCH da Unicamp, na Coleção Trajetórias, um livro em dois tomos que reúne os seus artigos escritos nas últimas quatro décadas sobre suas principais fontes de inspiração: marxismo e psicanálise. Intitulada “Marxismo, psicanálise e o feminismo brasileiro”, a obra compila parte de sua tese de doutorado e de sua tese de livre docência, nas quais articula esses marcos teóricos à história do feminismo no Brasil, que se mistura, por sua vez, com sua própria biografia.
Sugestões de obras da autora:
MORAES, Maria Lygia Quartim de. “Raízes do feminismo político e embates atuais”. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 12, n. 1, p. 8-23, abr. 2020.
MORAES, Maria Lygia Quartim de. Marxismo, psicanálise e o feminismo brasileiro. Tomo 1: A crítica feminista às teorias sobre a família e ao “eterno feminino”. Coleção Trajetória n. 9. Campinas: IFCH-Unicamp, 2017.
MORAES, Maria Lygia Quartim de. Marxismo, psicanálise e o feminismo brasileiro. Tomo 2: Movimentos sociais, cidadania e democracia no Cone Sul. Coleção Trajetória n. 9. Campinas: IFCH-Unicamp, 2017.
MORAES, Maria Lygia Quartim de. “O feminismo político do século XX”. Margem Esquerda – ensaios marxistas, Boitempo Editorial, n. 9, 2007.
MORAES, Maria Lygia Quartim de. “Pós-modernismo, marxismo e feminismo”. Margem Esquerda – ensaios marxistas, Boitempo Editorial, n. 2, 2003.
Sobre a autora:
Entrevista com Maria Lygia Quartim de Moraes. CPDOC-FGV, Projeto Memória das Ciências Sociais no Brasil, 11/07/2019. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=VhVfNDl5O9w
TEGA, Danielle. Uma feminista marxista. Entrevista com Maria Lygia Quartim de Moraes. Revista Plural, vol.28, n°2, pp. 203-222.