Por Liana de Paula (Unifesp)
Nascida em 29 de setembro de 1944 em Botucatu, no estado de São Paulo, Maria Helena Oliva Augusto formou-se no magistério no Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Curitiba, em 1962, graduando-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná em 1966.
Ainda em 1966, Maria Helena, juntamente com Maria Célia Paoli (na época, Pinheiro Machado), foi a São Paulo para fazer contato com Marialice Foracchi para convidá-la a apresentar em Curitiba seu então recém-lançado livro O estudante e a transformação da sociedade brasileira; e se informar sobre as condições para ingressar na pós-graduação na Universidade de São Paulo – USP. Sem saberem que não havia aulas na USP na Semana Santa, Maria Helena e Maria Célia encontraram a antiga sede da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na rua Maria Antônia, quase vazia. Ainda assim, conseguiram ser recebidas por Leôncio Martins Rodrigues, que lhes deu o telefone de Marialice. De volta a Curitiba, conversaram com Marialice, que aceitou o convite e, quando foi a Curitiba, sabedora da intenção delas de estudar na USP, passou a orientá-las sobre as exigências da pós-graduação e, por meio de cartas, indicou os autores e títulos que deveriam ler.
Em 1967, iniciaram a pós-graduação na Cadeira de Sociologia I, acompanhadas de Elizabeth Bello, que foi para a Cadeira de Sociologia II. Ao receberam os atestados de conclusão, no final de 1968, descobriram que haviam feito uma especialização e que os cursos de pós-graduação stricto sensu na sociologia da USP estavam se estruturando naquele momento. De fato, quando houve essa estruturação, matricularam-se no mestrado.
No começo de 1969, Maria Helena e Maria Célia foram convidadas a ingressar no Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho – CESIT como pesquisadoras. Criado por Florestan Fernandes em 1961, o CESIT era vinculado à Cadeira de Sociologia I e era dirigido, naquele momento, por Leôncio Martins Rodrigues.
Porém, a Reforma Universitária de 1968, resultante do endurecimento da ditadura em relação às universidades, atingiu fortemente a USP, levando à extinção das Cadeiras de Sociologia I, Sociologia II, Antropologia e Política, que passaram a constituir o Departamento de Ciências Sociais, e à aposentadoria compulsória de vários professores da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, entre eles, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni. Nesse processo, o CESIT deixou de existir.
Com o fim do CESIT, Maria Helena e outras jovens pesquisadoras foram incorporadas ao recém-criado Departamento de Ciências Sociais como docentes, no nível de instrutoras. A fim de preparar as ingressantes na carreira docente, Marialice Foracchi e José de Souza Martins organizaram seminários semanais para a discussão de autores clássicos (Weber, Marx, Durkheim e Simmel). Participando desse grupo, estavam também Maria Célia Paoli, Irene Cardoso, Jessita Nogueira Moutinho, Heloísa Fernandes e Heloisa Martins. Com o falecimento de Marialice Foracchi em 1972, o grupo passou a ser coordenado por José de Souza Martins.
Em 1971, Maria Helena iniciou o mestrado, sob a orientação de Luiz Pereira, focando o tema do desenvolvimento a partir do papel do Estado, tratado por ela em uma leitura marxista apoiada nas contribuições de Poulantzas e Althusser. Sua dissertação, intitulada Intervencionismo estatal e ideologia desenvolvimentista, foi defendida em 1976 e publicada em 1978 pela Editora Símbolo. Em 2017, a Editora da Universidade Federal do Paraná reeditou a obra.
Em 1979, foi convidada a participar da comissão de coordenação de uma pesquisa sobre classe operária em Cubatão, conduzida por Marcília Medrado de Faria, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. Naquele momento, os sindicatos não discutiam a questão da saúde dos trabalhadores, o que veio a constituir um objeto de pesquisa para Maria Helena. Embora tenha posteriormente se afastado dessa pesquisa, a questão da saúde permaneceu como interesse.
Nesse sentido, em 1982, Maria Helena foi convidada pela Secretaria de Saúde a participar de um curso para a formação de pesquisadores em saúde coletiva. E, de 1984 a 1986, coordenou um projeto de pesquisa sobre tecnologias em saúde, em parceria com Olavo Viana Costa, que era um dos professores desse curso e veio a se tornar o seu primeiro orientando de pós-graduação. Aprovada pela Organização Panamericana de Saúde, a pesquisa serviu de base para a elaboração final da tese de doutorado de Maria Helena, intitulada Política social e tecnologia em saúde.
Em paralelo, no início dos anos 1980, começou a ampliar suas reflexões para temáticas da teoria sociológica, passando a oferecer, em 1983, a disciplina optativa Indivíduo, razão e liberdade. Estimulada pelas discussões e leituras do programa de Sociologia I, do qual fez parte desde a sua entrada na USP, ela pretendia discutir, a partir dos clássicos, a maneira como diferentes autores e teorias, em momentos históricos diversos, examinavam esses conceitos, sendo o primeiro deles – de indivíduo – pouco discutido na área sociológica, o que se modificou com o passar do tempo.
Contudo, as pressões de carreira, com a chegada do prazo para depositar a tese de doutorado no final de 1986, levaram à opção pela manutenção, naquele momento, do tema do Estado na tese, com foco na saúde. Com o falecimento de Luiz Pereira em 1985, a tese contou com a orientação de Leôncio Martins Rodrigues em sua etapa final. A tese foi defendida em 1987, mesmo ano em que o Departamento de Ciências Sociais se dividiu em três, de Antropologia, Ciência Política e Sociologia.
As reflexões a partir de sua participação fundante no campo da sociologia da saúde levaram a várias pesquisas e produções ao longo de sua carreira, das quais destacam-se, mais recentemente, a organização de um dossiê para a revista Tempo Social em 2015 e a participação em uma pesquisa em andamento sobre reprodução assistida.
Porém, as reflexões sobre indivíduo e teoria sociológica permaneceram em sua trajetória intelectual, seja na optativa Indivíduo, razão e liberdade, que foi oferecida até 2016 e marcou gerações de cientistas sociais formados pela USP, seja na pós-graduação, com a disciplina O indivíduo na teoria social e, nos dois níveis, Individualismo e Contemporaneidade, seja em pesquisas e publicações posteriores. Dessas, destaca-se sua participação na organização do seminário internacional de comemoração dos 150 anos de nascimento de Durkheim, promovido pelo Departamento de Sociologia da USP em 2008, e na organização da publicação dos resultados desse seminário, em 2009. Destaca-se também sua participação no Grupo de Pesquisa sobre Governo, Ética e Subjetividade – GES, com o qual organizou um seminário internacional sobre as intersecções entre a obras de Weber e Foucault, em 2013, e um livro resultante desse seminário, publicado em 2018, em que Maria Helena contribuiu também com um capítulo sobre subjetividade e técnicas de si em Weber e Foucault.
A partir dos anos 2000, Maria Helena também retomou o tema inicial que a havia levado a buscar o contato de Marialice Foracchi ainda nos anos 1960: a sociologia da juventude. Nesse sentido, organizou com Heloísa Martins um dossiê temático para a revista Tempo Social, em 2005, e coordenou com Melissa de Mattos Pimenta o grupo de trabalho sobre juventudes nas Reuniões Anuais da Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais – Anpocs entre os anos de 2013 e 2019.
Na sua atuação em gestão e representação, foi Coordenadora da Comissão de Graduação da Área de Sociologia entre os anos de 1977 e 1987, e representante do Departamento de Sociologia na Comissão de Ensino do Curso de Ciências Sociais, de 1987 até 1992. Ainda nos anos 1990, foi vice-chefe do Departamento de Sociologia da USP, entre 1992 e 1993, e chefe do Departamento no biênio seguinte (1994-1995). Entre 1998 e 1999, foi secretária adjunta da Sociedade Brasileira de Sociologia, na presidência de José Vicente Tavares dos Santos.
Aposentou-se em 2014, seguindo como professora sênior do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-graduação em Sociologia da USP, orientando doutorandos e mestrandos. Seu papel na formação de novos cientistas sociais levou à conclusão de 33 dissertações de mestrado e 33 teses de doutorado em Sociologia, sendo ela uma colega, professora e orientadora admirada e respeitada por pares, alunos e orientandos.
Sugestões de obras da autora:
OLIVA AUGUSTO, M. H. Condução da vida e governo de si: essa aproximação é possível? In. JARDIM, F. A. A.; TEIXEIRA, A. L.; LÓPES-RUIZ, O. J.; OLIVA AUGUSTO, M. H. (orgs.), Max Weber e Michel Foucault: paralelas e intersecções. São Paulo: Educ, Fapesp, FFLCH, 2018, p. 237-266.
OLIVA AUGUSTO, M. H. Intervencionismo estatal e ideologia desenvolvimentista: estudo de caso sobre a Codepar (Companhia de Desenvolvimento Econômico do Paraná). Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, 2017.
OLIVA AUGUSTO, M. H.; ANTUNES, J. L. F. “Apresentação – Dossiê Ciências Sociais e Saúde”, Tempo Social, v. 27, 2015, p. 9-12. Disponível em https://www.revistas.usp.br/ts/issue/view/7826.
OLIVA-AUGUSTO, M. H., MASSELLA, A. B., PINHEIRO, F. A., WEISS, R. Durkheim 150 anos. Belo Horizonte: Argumentum, 2009.
OLIVA AUGUSTO, M. H. “Retomada de um legado: Marialice Foracchi e a sociologia da juventude”, Tempo Social, v. 17, n. 2, 2005, p. Disponível em https://www.revistas.usp.br/ts/issue/view/993.
OLIVA AUGUSTO, M. H. “Indivíduo, vida contemporânea e tecnologia em saúde”, Saúde, Cultura e Sociedade, São Paulo, caderno 2, 1997, p. 3-22.
OLIVA AUGUSTO, M. H. “Tecnologia em saúde no Brasil”, São Paulo em Perspectiva, v. 6, n. 4, 1992, p. 2-8.
Depoimento de Maria Helena Oliva Augusto ao Projeto Memória do Departamento de Sociologia – USP. Disponível no canal do Departamento de Sociologia da USP: https://www.youtube.com/watch?v=1nswhrImyI0.