Por Olivia Cristina Perez (UFPI)
A professora Maria da Glória Gohn é referência no campo dos movimentos sociais. Sua trajetória revela uma extrema dedicação ao trabalho que tem como pano de fundo a aposta no poder da ação coletiva para alterar e/ou democratizar os aparelhos estatais e a própria sociedade civil.
Nascida em São Bento do Sapucaí no ano de 1947, Maria da Glória passou sua infância e adolescência entre pequenas cidades no interior do estado de São Paulo e no Vale do Paraíba. Em 1966 mudou-se para São Paulo e se casou com seu companheiro, Renato Gohn, com quem tem dois filhos e uma neta.
Foi o golpe militar e o inconformismo em relação àquela situação, assim como a atuação junto à Juventude Católica, que despertaram o interesse de Maria da Glória para as Ciências Sociais. Seguindo esse curso, em 1967 ingressou na Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Era uma época de grandes mobilizações políticas e culturais e esse contexto influenciou na escolha do tema de estudos que a acompanhou por toda a sua trajetória: os movimentos sociais.
Apaixonada pela escrita, Maria da Glória ingressou na pós-graduação em Sociologia na USP, sob a orientação do professor Leôncio Martins Rodrigues, finalizando em 1979 o mestrado com a dissertação Classes Populares, Periferia Urbana e Movimentos Sociais Urbanos: O Movimento da Sociedade Amigos de Bairros em São Paulo. A defesa do doutorado também sob a orientação de Leôncio, mas na área de Ciência Política, ocorreu em 1983 com a tese Participação Popular e Estado – O Movimento de Luta por Creches em São Paulo. Tais reflexões revelam as mobilizações sociais da época voltadas à redemocratização do país.
A relação com a militância não se restringiu ao tema dos trabalhos da professora. Como uma das formas de enfrentamento à ditadura, ainda no período da pós-graduação (de 1977 a 1982) ela foi professora no Curso de Ciências Sociais na PUC/SP ministrando aulas em cursos do URPLAN – antigo instituto de pesquisa da PUC/SP – que tinha uma grande demanda para a formação de lideranças de movimentos sociais.
Finalizado o percurso da pós-graduação, Maria da Glória mudou-se para Belo Horizonte, ingressando na FAFICH/UFMG por concurso público. Na UFMG coordenou um centro de pesquisa e orientou a primeira dissertação de mestrado defendida no novo Programa de Sociologia.
Por problemas familiares retornou a São Paulo depois de três anos e ingressou na Faculdade de Arquitetura da USP para um período de docência como substituta. Lá apresentou a tese Lutas pela Moradia Popular em São Paulo como parte das exigências de concurso para Professor Livre-Docente. Na FAU, Maria da Glória ajudou a consolidar o campo de estudos e pesquisas sobre o planejamento urbano para as populações de baixa renda.
Em 1989, ingressou como docente na Faculdade de Educação na Unicamp onde orientou mais de 100 teses e dissertações sobre movimentos sociais e participação da sociedade civil.
Fez pós-doutorado na The New School for Social Research em Nova York (1996-1997), com apoio do CNPq, tendo como supervisor o professor Andrew Arato. Na New School ela teve a oportunidade de ter aulas e/ou seminários com Eric Hobsbawm, Alberto Melucci, Agnes Heller, Ulrick Beck e outros grandes mestres que passaram pela instituição na ocasião. Todos eles contribuíram para ampliar suas análises com novos olhares, que passaram a ser mais universais e transversais.
Aposentou-se em 2004, mas continuou a atuar como professora colaboradora na Unicamp e como professora visitante sênior da Universidade Federal do ABC (UFABC).
A professora tem uma capacidade ímpar de compreender os fenômenos ainda quando eles estão acontecendo e de publicar excelente explicações de forma célere. Não é possível em tão pouco espaço nomear todos os seus livros, artigos e capítulos. Basta mencionar que foram 23 livros publicados entre 1982 e 2022, sendo 20 de autoria individual e 03 como organizadora e autora, além de 80 capítulos em livros organizados por outros pesquisadores e 134 artigos em revistas. A professora é Bolsista Produtividade em pesquisa do CNPQ desde 1985 e a partir de 2014 passou a ser pesquisadora 1A.
Apenas para mencionar algumas das suas principais obras, ela publicou A Força da Periferia (Vozes, 1985) como resultado da tese de doutorado; Entre 1990 e 1992 desenvolveu a pesquisa Movimentos Sociais e Educação que gerou o livro com o mesmo nome (1992), com impressionantes 10 reedições sendo um clássico na área. Em 1997 publicou Sem-Terra, ONGs e Cidadania.
Atenta aos acontecimentos, ainda na primeira década deste século escreveu o livro Conselhos Gestores e Participação Sociopolítica (2001) e Movimentos Sociais e Redes de Mobilizações Civis no Brasil Contemporâneo (2010), referências nos estudos sobre instituições de participação e movimentos sociais na América Latina, respectivamente.
O livro que ela própria considera mais significativo é o conhecido Teorias dos Movimentos Sociais-Paradigmas Clássicos e Contemporâneos (1997), escrito como resultado de seu estágio pós-doutoral. O livro conta com 14 reedições e várias atualizações.
Sobre um dos seus conceitos mais conhecidos, a educação não formal, publicou diversos livros a exemplo do pioneiro Educação Não Formal e Cultura Política (1999) e organizou a obra Educação Não Formal no Campo das Artes (2015).
Suas obras mais recentes versam sobre o ciclo de protestos e mobilizações no Brasil, a exemplo da obra Manifestações de Junho de 2013 no Brasil; Praças dos Indignados no Mundo (2014) e Manifestações e protestos no Brasil: Correntes e contracorrentes (2017). É importante destacar que esses livros foram escritos no calor dos acontecimentos, o que contribuiu para se tornarem referências na área.
Sempre em defesa da democracia e do seu aprimoramento, uma de suas reflexões mais recentes está na obra Participação e Democracia no Brasil (2019) em que Maria da Glória já indica as ameaças ao processo democrático, assim como a necessidade de sua defesa.
A produção da professora impressiona não só pelo volume, mas pelo impacto: praticamente todos os estudiosos dos movimentos sociais em algum momento teve contato com a obra de Maria da Glória Gohn.
Maria da Glória continua ativa, coordenando grupos de trabalho, participando de diversos congressos e escrevendo livros. Fica então o convite para conhecer sua obra, destacando-se seu mais recente livro Ativismo no Brasil: Movimentos Sociais, Coletivos e Organizações Sociais Civis – como impactam e por que importam (2022). Se tiver sorte, é possível ouvi-la e cumprimentá-la em alguns dos diversos eventos científicos de que ela participa, a exemplo dos Encontros Anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e dos Congressos Brasileiros de Sociologia (SBS).
Sugestões de obras da autora:
GOHN, Maria da Glória. Ativismo no Brasil: Movimentos Sociais, Coletivos e Organizações Sociais Civis – como impactam e por que importam. Petrópolis: Vozes, 2022.
GOHN, Maria da Glória. Participação e Democracia no Brasil. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2020 [2019].
GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais e Redes de Mobilizações Civis no Brasil Contemporâneo. 9ª ed, Petrópolis: Vozes, 2019 [2010].
GOHN, Maria da Glória. Educação Não Formal e Cultura Política. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2018 [1999].
GOHN, Maria da Glória. Manifestações e protestos no Brasil: correntes e contracorrentes na atualidade. São Paulo: Cortez Editora, 2017.
GOHN, Maria da Glória. Teorias dos Movimentos Sociais – Paradigmas Clássicos e Contemporâneos. 14ª ed. São Paulo: Loyola, 2017 [1997].
GOHN, Maria da Glória. História dos Movimentos e Lutas Sociais. 8ª ed. São Paulo: Loyola, 2013 [1995].
GOHN, Maria da Glória. A Forca da Periferia. Petrópolis: Vozes, 1985.