Por Ivanete Modesto do Amaral (UEPA)
Maria Cristina Alves Maneschy nasceu em 1957, em Belém-Pará. Formou-se em Ciências Sociais na Universidade Federal do Pará (UFPA), em 1980. Em 1980/1, foi socióloga na Secretaria de Planejamento do Estado do Pará (SEPLAN). Em 1985, ingressou na UFPA como professora de Sociologia, no então Departamento de Ciências Sociopolíticas.
Seu trabalho de conclusão de graduação expressou o interesse em dois assuntos fundamentais na sua trajetória de pesquisadora: as condições não econômicas do capitalismo e as articulações entre os setores tradicional e moderno na economia. Como emblemático, seu estudo sobre empregadas domésticas em Belém, setor que mais absorvia mulheres no Brasil, inspirado no enfoque da socióloga brasileira Heleieth Saffioti.
A partir daí, Cristina Maneschy foi estudar comunidades pesqueiras no litoral paraense, para compreender como elas viviam as mudanças pós-abertura da fronteira amazônica nos anos 1970. Um debate sociológico da época, presente na sua pesquisa, era sobre os rumos das comunidades de pesca artesanal, à luz dos conceitos de subordinação indireta ao capital, expropriação e proletarização. Cursou Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA) e sua Dissertação, defendida em 1988, publicada em livro, enfocou uma vila de pescadores em ilha ligada há pouco tempo ao continente por uma estrada, no litoral do Pará. Juntou-se então, a pesquisadores do campo de estudos socioantropológicos da pesca no Brasil vindo a integrar, em 1994, o Projeto RENAS (Recursos Naturais e Antropologia das Sociedades Pesqueiras da Amazônia), do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Fez Doutorado em Sociologia, na Universidade Toulouse–Le Mirail, na França, com estágios no CETMA (Centro de Etno-Tecnologia em Meios Aquáticos em Paris). Defendeu Tese em 1993, analisando como pescadores e pescadoras e suas comunidades, na região costeira paraense, se apropriam do mar e dos peixes, por deterem a principal chave de acesso: as práticas materiais e simbólicas, conhecimentos, saberes, relações de trabalho e formas de territorialização.
Desde então, dedicou-se ao tema gênero e pesca e alguns de seus estudos se tornaram referência na área. Associada ao ICSF (International Collective in Support of Fishworkers) e ao GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes, sobre Mulher e Relações de Gênero/UFPA), em colaboração com a pesquisadora Maria Luzia Miranda Álvares, Cristina Maneschy conduziu pesquisas, seminários, divulgação científica e intercâmbios com movimentos sociais, contribuindo com a difusão da concepção ampliada de trabalho pesqueiro no Brasil, que inclui os labores das mulheres. Dentre as publicações, destaca-se a organização, em 2005, da coletânea “Changing tides: gender, fisheries and globalization”, em coautoria com Barbara Neis, Marian Binkley e Sri Gerrard.
Notadamente a partir de 1990, Cristina Maneschy voltou-se ao tema da conservação ambiental, com contributos das críticas pós-desenvolvimentistas, que reafirmavam a centralidade de povos que instituem regras de uso de meios naturais em comum. Nos anos 2000, as comunidades pesqueiras no litoral brasileiro protagonizaram a criação das Reservas Extrativistas Marinhas. Maneschy associou-se aos estudos sobre essa criação institucional participativa, atentando para as desigualdades de gênero e classe, trazendo conceitos da abordagem institucionalista, como gestão compartilhada de recursos comuns, diálogos de saberes, capital social e associativismo.
Suas pesquisas sobre questões ambientais, compartilhadas com Jean Hébette e Sônia Barbosa Magalhães, dentre outros colegas pesquisadores, resultaram também numa coletânea intitulada “No mar, nos rios e na fronteira: faces do campesinato do Pará”. Dessa produção, emergiu rica reflexão sobre elementos da organização social de diversos grupos de trabalhadores, antigos e tradicionais, no nordeste e sudeste paraense, como os extrativistas florestais, pescadores, agricultores e ribeirinhos, considerados formadores de um campesinato amazônico original.
Mantendo o olhar sobre dimensões sociais da economia, Cristina Maneschy contribuiu na difusão da Sociologia Econômica no Pará, lecionando a disciplina na Graduação e Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA e através de parcerias internacionais. Realizou estágio pós-doutoral na ANU (Australian National University), em 2005/2006 e, na sequência, uma frutífera colaboração de pesquisa com o Socius (Centro de Investigação em Sociologia Econômica e das Organizações), da Universidade de Lisboa, entre 2007 e 2010. Das parcerias, resultaram seminários, visitas de campo e a produção conjunta de duas coletâneas: “Organização social do trabalho e associativismo no contexto da mundialização” (2010) e “Nos dois lados do Atlântico: trabalhadores, organizações e sociabilidade” (2011). Ambas focalizam áreas da Amazônia, Portugal e Angola, discutindo repercussões da globalização sobre as relações de trabalho, de sociabilidade e de associação.
Estimulou orientandos no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA a empregarem análises de redes sociais no estudo de categorias de trabalhadores e seus modos de participar nos mercados. Tal empenho resultou em teses sobre “trabalhadores de supermercados”, “camelôs na cidade de Belém” e “inserção de jovens com formação superior no mercado de trabalho paraense”. Seguindo a perspectiva sociológica da imersão social da economia, as pesquisas identificaram que relações em redes seguem de grande influência no acesso a posições e, em consequência, no dinamismo do mercado de trabalho. As conexões das pessoas no tecido social exercem também efeitos em processos locais de desenvolvimento.
Cristina Maneschy colaborou significativamente com o avanço da pós-graduação no Pará, participando da criação do Mestrado em Sociologia da UFPA em 2000 e, em 2013, da criação do Mestrado Profissional interdisciplinar do Instituto Tecnológico Vale de Desenvolvimento Sustentável (ITV), curso que coordenou em 2017. Refletindo o rigor e a atenção que investiu nesses trabalhos, ex-alunos vieram a ocupar cargos em universidades no Pará, Amapá e Maranhão.
Nos últimos anos, Maneschy vem estudando as repercussões da mineração na Amazônia Oriental, como pesquisadora e depois, bolsista de pós-doutorado no ITV, examinando os sentidos do desenvolvimento sustentável, linguagem comum no mundo corporativo, quanto ao lugar das comunidades pesqueiras, indígenas e quilombolas presentes nos territórios da mineração. Contribuindo na consolidação dos estudos de gênero na região, Cristina Maneschy compõe a Comissão Editorial da Revista Gênero na Amazônia, do GEPEM/UFPA.
Desde seu livro “Ajuruteua, uma Comunidade Pesqueira Ameaçada”, publicado em 1993, Maneschy tem pesquisado sentidos das mudanças nas relações de trabalho na pesca artesanal. Destaca que é incontornável o olhar de gênero para se conhecer os sistemas comunitários de gestão ambiental nas zonas costeiras no Brasil e os direitos desses povos sobre as águas e as terras de que vivem.
Sugestões de obras da autora:
MANESCHY, M. C. Pescadores curralistas no litoral do estado do Pará: evolução e continuidade de uma pesca tradicional. Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 10, n. 10, p. 53-74, 1993.
MANESCHY, Maria Cristina; SIQUEIRA, Deis; ÁLVARES, M. L. M. Pescadoras: subordinação de gênero e empoderamento. Revista Estudos Feministas (UFSC. Impresso), v. 20, p 713-737, 2012.
MANESCHY, M. C. O emprego doméstico e as relações no mundo do trabalho. Revista Gênero na Amazônia, v. 3, p. 207-218, 2013.
MANESCHY, M. C.; MOREIRA, E. S. S.; HÉBETTE, J. Le développement environnemental, une valorisation du patrimoine pour nos enfants, petits-enfants et arrière-petits-enfants. Études Caribéennes, p. 1-15, 2016.
MATLABA, Valente; MOTA, José Aroudo; MANESCHY, Maria Cristina; FILIPE DOS SANTOS, Jorge. Social perception at the onset of a mining development in Eastern Amazônia, Brazil. RESOURCES POLICY, v.54, p. 157-166, 2017.