Por Edvaldo Carvalho Alves (UFPB)
Maria Carmela Buonfiglio nasceu em junho do ano de 1949 na pequena cidade de Corleto Perticaria, província de Potenza, localizada na Região da Basilicata no sul da Itália. Com apenas quinze meses de vida embarcou, junto com a mãe e o irmão, em um navio em direção ao Brasil. Seu pai aqui já se encontrava há um ano, residindo e trabalhando, nas mais variadas ocupações, na cidade de São Paulo. Trajetória comum a muitos outros italianos que emigraram para o Brasil neste período movidos, tanto pela ausência de oportunidades de trabalho, consequência do imediato pós segunda guerra, como pelo sonho do “Eldorado”. A visão de uma terra prometida, ainda era forte no imaginário dos italianos do sul, de que, por meio do trabalho árduo e disciplinado, conseguiriam fazer fortuna em terras brasileiras.
Ao chegarem ao Brasil, se depararam com uma realidade radicalmente diferente da cidadezinha de origem, que contava apenas com cerca de dois mil habitantes. No início dos anos 1950, São Paulo já era uma metrópole que contava com uma população urbana na casa de 2,6 milhões habitantes e vivenciava profundas transformações sociais e urbanísticas que a transformariam, nas décadas seguintes, no centro dinâmico da economia brasileira. Estas mudanças eram impulsionadas pela política desenvolvimentista iniciada pelo governo do presidente Juscelino Kubitschek e foram responsáveis pelo processo de industrialização brasileira alicerçado no modelo de substituição de importações.
É neste contexto que Maria Carmela iniciará os seus estudos no Colégio Estadual Padre Manuel da Nobrega, onde concluirá no ano de 1967 o curso clássico e o normal. Em 1968 ingressa no curso de Ciências Sociais na USP, no auge do endurecimento da ditadura militar, movida pelo espírito contestador e comprometida com as lutas sociais dos jovens de sua geração.
No início de sua graduação, o curso de Ciências Sociais ainda funcionava no prédio da Rua Maria Antônia, no centro da cidade de São Paulo. A jovem Maria Carmela vivenciou e participou ativamente dos movimentos estudantis contra a ditadura militar, mas sem estabelecer uma filiação institucional a grupos e/ou tendências do movimento estudantil e a partidos políticos. Ainda durante a graduação, tanto por meio de estágios, com destaque para o que teve no DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), como através da inserção em projetos de pesquisa desenvolvidos por docentes do próprio curso, teve a possibilidade de experienciar a prática da pesquisa empírica, principalmente a sua fase de trabalho de campo, e fortalecer o já presente interesse pela temática do trabalho que a acompanhará durante toda sua trajetória profissional.
No ano de 1971 conclui a graduação e em 1972 inicia o mestrado em Sociologia na USP, sob a orientação do Prof. Azis Simão. No entanto, em 1973, diante de uma oportunidade de ir cursar o mestrado em seu país natal, um sonho que nutria deste cedo, desvincula-se do curso da USP e, por meio de uma bolsa do governo italiano, vai para Roma, onde cursa e conclui o mestrado no ano 1975, na Università degli Studi di Roma, com uma dissertação que propunha uma tipologia das relações entre o desenvolvimento capitalista e o mercado de trabalho.
De volta para o Brasil neste mesmo ano, vai atuar profissionalmente como pesquisadora em alguns institutos de pesquisa, com contratos temporários e precários, a exemplo do CENAFOR (Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional.) Neste último, integrará a equipe de pesquisa sobre o mercado de trabalho e a formação profissional nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. A partir de uma de suas viagens, estabelece contato com o coordenador do recém-criado Mestrado em Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), interessado em contratar um docente da área de Sociologia do Trabalho para desenvolver junto ao curso atividades de ensino e pesquisa.
Importante ressaltar que a UFPB, neste momento, devido ao protagonismo de seu então Reitor, o professor Lynaldo Cavalcanti – que posteriormente, já na presidência do CNPq, se tornará um dos principais atores responsáveis pelo processo de construção e consolidação do sistema nacional de pesquisa e pós-graduação -, vivia um momento de expansão, com a criação de novos campi, de programas de pós-graduação e consequente contratação de docentes com qualificação para atuar nestes cursos. A maioria deles, a exemplo de Maria Carmela, era oriunda das Regiões Sul e Sudeste e mesmo do exterior.
No início do ano de 1977, Maria Carmela é contratada como professora colaboradora da Universidade Federal da Paraíba, ficando lotada no Departamento de Ciências Sociais (DCS), mas com carga horária dividida entre o DCS e o Departamento de Engenharia de Produção (DEP). Além das atividades de ensino, inicia, com mestrandos(as), uma pesquisa sobre o processo de trabalho na construção civil na cidade de João Pessoa.
Em 1980, Carmela afasta-se de suas atividades docentes para iniciar o doutorado na Cidade do México, na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), onde conclui no ano de 1984, com uma tese sobre a temática das transformações nos processos e relações de trabalho oriundas da incorporação das inovações microeletrônicas ao processo produtivo e seus impactos para os trabalhadores. Retornando à UFPB, retoma suas atividades docentes e de pesquisa e funda, no ano de 1985, o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa Tecnologia e Trabalho, iniciando o projeto “Inovações tecnológicas em Telecomunicações: o caso TELPA”. Será no âmbito deste grupo que, por meio da cooperação e colaboração com docentes de outras áreas afins à Sociologia que tinham como tema de suas pesquisas o trabalho, que Maria Carmela irá desenvolver um conjunto de pesquisas. Essas pesquisas contribuíram significativamente para: primeiro, compreender a dinâmica local e regional da materialização dos processos mais amplos e gerais das transformações que atingiam e davam nova forma às relações e aos processos capitalistas de produção e de como estas impactavam, objetiva e subjetivamente, a classe trabalhadora; segundo, formar toda uma nova geração de pesquisadores (sociólogos ou não) na temática do trabalho. Dentre as pesquisas desenvolvidas, destacam-se duas, com financiamento do CNPq e da FINEP: 1) “Tecnologia e Organização do Trabalho no setor industrial da Paraíba, que acontece de 1987 a 1991”; 2) “Projeto Integrado de Pesquisa Reestruturação Produtiva e Trabalho”, de 1997 a 2000. Os resultados alcançados nestas investigações, além de terem sido publicados em periódicos e em anais de eventos nacionais e internacionais da área, foram também compilados em livros organizados em parceria com os outros pesquisadores(as) membros do grupo, com destaque para: “Trabalhadores, tecnologia e organização do trabalho no setor industrial da Paraíba” e “Reestruturação produtiva na industria de transformação do Nordeste: Fortaleza, Natal, João Pessoa e Recife”.
Em paralelo com as atividades de ensino e pesquisa, Maria Carmela também desempenhou atividades administrativas no âmbito da estrutura burocrática acadêmica, exercendo a função de coordenadora do Mestrado em Ciências Sociais da UFPB, entre os anos de 1987 e 1989.
Na segunda metade da década de noventa, participa ativamente da fundação do núcleo da UNITRABALHO na Paraíba, tornando-se sua coordenadora entre os anos de 1995 e 1997. Em 1996, concomitantemente às atividades do núcleo na Paraíba, assume sua coordenação na Região Nordeste, tendo um papel relevante e pioneiro na busca de integrar os saberes produzidos na academia com a prática social dos trabalhadores.
No ano de 2004 se aposenta, mas continua atuando na pós-graduação, orientando até 2006. Neste período, também mantém sua colaboração com o Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB, que tinha se iniciado alguns anos antes. Como fruto desta colaboração no NCDH/UFPB, publica seus últimos trabalhos que passam a ter como foco principal a problemática da precarização através da flexibilização dos direitos do trabalho.
Sugestões de Obras da Autora:
BUONFIGLIO, M. C. Paralelas em ação (ou “quase dois irmãos”): Direito ao trabalho, direitos trabalhistas, desemprego e precarização do trabalho. In: BITTAR, E. S.; TOSI, G. (Orgs). Democracia e Direitos humanos numa época de insegurança. Brasília: SEDH-PR, 2008.
BUONFIGLIO, M. C. Trabalhadores flexibilizados e precários e ação sindical na Itália. Cadernos do CRH, Salvador – BA, v.17, n.41, p.183-197, 2004.
BUONFIGLIO, M. C. Flexibilização do trabalho e perspectivas do direito do trabalho a sociedade global de risco. In: LYRA, R. P. (Org). Direitos Humanos: os desafios do Século XXI. Brasília: Editora Jurídica, 2002.
BUONFIGLIO, M.C.Trabalhadores e a atual Reestruturação Produtiva: Inventário de Resistências. In: Histórias de Trabalho 1996/1997. Porto Alegre, Unidade Editorial/PortoAlegre, 1998, p.157-191.
BUONFIGLIO, M.C.; DOWLING, J.A. Flexibilización y Desempleo: una misma historia. CEA HOY, México, 2.000. p. 65-90.
BUONFIGLIO, M. C.; DOWLING, J. A. Reestruturação produtiva na indústria de transformação do Nordeste: Fortaleza, Natal, João Pessoa e Recife. João Pessoa: Manufatura, 1999.
BUONFIGLIO, M. C.; GOMES, M. L. B.; DOWLING, J. A.; ARAÚJO, G. M. Trabalhadores, Tecnologia e Organização do Trabalho no Setor Industrial da Paraíba. João Pessoa: Editora Universitária/ UFPB, 1994. 161 p.
BUONFIGLIO, M. C. Reestruturação produtiva e seus efeitos no mundo do trabalho. In: LIMA, J. C.; KOURY, M. G. P.; RIFIOTIS, T. (Orgs). Trabalho, Sociedade e Meio ambiente. João Pessoa: Ed.UFPB, 1997. p.13-31