Por Inaiá Maria Moreira de Carvalho (UFBA – UCSAL)
Entre os personagens que contribuíram significativamente para a renovação e o avanço das ciências sociais na sociedade brasileira a partir da década de mil novecentos e sessenta se encontra Maria David de Azevedo Brandão. Nascida em Salvador em 1933, Maria se graduou em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia em 1956. Fez cursos de especialização em Antropologia Cultural pelo Museu Nacional e Antropologia pela Columbia University (1961); em Sociologia pela London School of Economics (1967) e mestrado em Sociologia na University of Pensilvania. Fez Livre Docência na Universidade Federal da Bahia e pós-doutorado na Université de Paris – (Sorbonne Nouvelle), em 1983. Ingressando como docente do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas em 1961, aí permaneceu por muitos anos, ministrando cursos de Sociologia, Sociologia Urbana e Metodologia de Pesquisa nas Ciências Sociais e realizando diversas investigações.
Na época, no bojo das transformações em curso na economia e na sociedade brasileiras, a cidade de Salvador e os municípios do seu entorno experimentavam grandes transformações. Tanto a descoberta e a exploração de petróleo como a política de desenvolvimento regional então implementada centrada principalmente na indústria petroquímica e metalúrgica, tiveram impactos decisivos sobre a velha capital e o seu entorno, estimulando o desenvolvimento de novas atividades e a expansão e modernização de outras, assim como um grande crescimento. Com isso, Salvador experimentou mudanças muito intensas na sua estrutura econômica, social e urbana.
Estudiosos locais não se mostraram indiferentes a esses fenômenos, inclusive porque nessa época (anos 60 e 70) a Universidade Federal da Bahia também passava por uma significativa expansão e avanços. O curso de Ciências Sociais atraia um grande número de estudantes e a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas integrava ao seu corpo docente um grupo de novos professores, comprometidos com a análise crítica do processo de desenvolvimento nacional e local e com a transformação da sua perversa realidade social. Entre eles se encontrava Maria Brandão. Sua incorporação à Faculdade contribuiu bastante para a expansão da pesquisa empírica sobre a realidade brasileira e baiana, com diversas investigações sobre questões metodológicas nas ciências sociais, ensino de pós-graduação, relações entre raças e classes e, especialmente, condições urbanas e problemas habitacionais.
Seus numerosos estudos refletiram sobre os avanços do processo de urbanização no Brasil, em Salvador e sua região metropolitana, ressaltando especificidades como o alto grau de concentração urbana, as diferenças inter-regionais e as mudanças na estrutura sócio ocupacional e na dinâmica das cidades; os impactos da exploração de petróleo e da industrialização sobre a economia local; o novo padrão de inserção de Salvador na divisão interregional do trabalho do país e a reestruturação da sua estrutura urbana; a relevância do papel do Estado nessas mudanças, a concentração de “terras de engorda”, e, especialmente, as condições e problemas habitacionais da população de baixa renda. Vários desses estudos e reflexões são até hoje indispensáveis para entender a conformação e a dinâmica urbana da capital baiana, como o seu trabalho pioneiro, onde a autora associa o desabamento das encostas (que ocorre todos os anos na época das chuvas e era visto como uma fatalidade geomorfológica) aos problemas de acesso ao solo por parte da população de baixa renda; ou, também, o clássico “O último dia da Criação”, que analisa o processo de constituição de um mercado de terras em Salvador, com a privatização das terras públicas.
Maria foi professora visitante das universidades de Varsóvia, e Paris, assim como do Institut of Development Studies, na Universidade de Sussex na Inglaterra. Atuou como consultora de diversos órgãos nacionais e internacionais, como as Prefeituras de Salvador e de Manaus, o Ministério de Educação e Cultura do Brasil, o Banco Nacional de Habitação BNH, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/PNUD e a Fundação Ford, entre outros. Participou intensamente do debate público, especialmente sobre questões habitacionais, e de várias instituições acadêmicas, como a Associação Brasileira de Antropologia e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, e formou muitos alunos, despertando o seu interesse pela pesquisa e pela carreira universitária.
Mestra de várias gerações, acompanhou a trajetória da sua cidade e do seu país, comprometida com os interesses maiores do seu povo e a construção de cidades mais igualitárias, justas e democráticas, e deu uma contribuição bastante relevante para o avanço do conhecimento na área das Ciências Sociais e da Sociologia no Brasil.
Sugestões de obras da autora:
BRANDÃO, Maria de Azevedo. O último dia da criação; mercado, propriedade e uso do solo em Salvador. In: VALLADARES, Lícia do P. (Org.) Habitação em questão. Rio de Janeiro, Zahar, 1980, p. 125-142.
BRANDÃO, Maria de Azevedo A regionalização da grande indústria no Brasil: Recife e Salvador na década de 70. Revista de Economia Política. São Paulo, v. 5, no. 4 1985, p. 77-95.
BRANDÃO, Maria de Azevedo, PEDRÃO, F. Transformação econômica e heterogeneidade social na América Latina. Estado e Sociedade. Brasília, v. 3, numero 12, 1988, p. 17-30.
BRANDÃO, Maria de Azevedo. Em favor do lugar IN SOUZA, Maria Adélia de. O mundo do cidadão; um cidadão do mundo. São Paulo, Hucitec, 1996. P. 106-108.
BRANDÃO, Maria de Azevedo. Recôncavo da Bahia. Sociedade e economia em transição. Salvador, Fundação Casa de Jorge Amado, 1998, v. 1, 260 p.