Por Sulamita Vieira (UFC)
mineira, “quase cearense” …
Maria Auxiliadora de Abreu Lima Lemenhe é uma mineira nascida em 1944 em Belo Horizonte, graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista em Rio Claro. Casada com o arquiteto paulista, José Antônio Perbelini Lemenhe, residiu por 01 ano em Lima, no Peru, onde cursou uma Especialização em Planejamento Urbano e Regional. Em seguida, invertendo a trajetória dos retirantes nordestinos, o casal deixou São Paulo rumando para Fortaleza. Aqui, submetendo-se a concurso público, nas suas respectivas áreas, ambos se tornaram docentes da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Assim, em 1973, Dôra ingressou como professora Auxiliar de Ensino, no então Departamento de Ciências Sociais e Filosofia. Desde o primeiro momento abraçando a cidade e a UFC, ela “se fez adotar”, ou “se deixou adotar” por Fortaleza (ou por segmentos dela).
Uma vez integrante do nosso quadro docente, na busca de qualificação profissional, cursou na UFC o mestrado de Sociologia; depois, o doutorado na mesma área, na Universidade de Brasília (UnB) e, mais tarde, um pós-doutorado no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
A escolha do tema de estudo no mestrado – resultando na dissertação “As razões de uma cidade: Fortaleza em questão” – diz, também, da ligação de Dôra com Fortaleza. No doutorado, embrenhando-se pelos sertões do Ceará, sua escolha de pesquisa recaiu sobre a trajetória de uma família de políticos tradicionais enraizada no sul do estado, região do Cariri. Como resultado, elaborou a tese intitulada “Família, tradição e poder: o caso dos coronéis”.
No exercício do magistério, integrando o mesmo Departamento, por inúmeras vezes dividi com Dôra preocupações e trabalho: em bancas de concurso para admissão de professores ao Departamento; em seleção de monitores; em bancas examinadoras de monografias, teses e dissertações; em comissões de seleção de candidatos ao Mestrado e ao Doutorado em Sociologia. E, enveredando pelo mundo rural, em certa ocasião nos responsabilizamos pela realização de uma pesquisa, sobre políticas públicas e organização dos camponeses; desta feita, uma riquíssima experiência no sertão central do estado. Além disso, em outras ocasiões nos associamos na sala de aula, ministrando as disciplinas Prática de Pesquisa I e Prática de Pesquisa II.
Na Graduação em Ciências Sociais e na Pós-Graduação em Sociologia/UFC, ao longo do tempo, Dôra orientou dezenas de trabalhos (além de Iniciação Científica, monografias, dissertações e teses); sem contar a participação em bancas de defesa de inúmeros outros.
No “mundo acadêmico”, Dôra se inseriu também em outros espaços: foi coordenadora do curso de Graduação em Ciências Sociais; chefe do Departamento; coordenou, no plano local, um Mestrado Interinstitucional UFC-URCA (Universidade Regional do Cariri), o que implicou morar por dois anos na cidade do Crato, sul do Ceará. Posteriormente, foi eleita coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia/UFC, além de haver participado da equipe de coordenação da Pós, em outras ocasiões.
Competente, fiel aos seus princípios ideológicos e às suas crenças políticas, e mantendo no horizonte o ideário de uma sociedade democrática, Dôra sempre esteve presente nos movimentos, no âmbito da UFC, por mudanças no processo de escolha de docentes para a ocupação de cargos ou funções administrativas, como: coordenador de curso, chefe de departamento e diretor de Centro[1].
Ultrapassando os umbrais do Departamento – embora, muitas vezes, ocupássemos espaços físicos da própria UFC –, Dôra também esteve numa espécie de “linha de frente”, quando da criação e organização da Associação dos Sociólogos do Estado do Ceará (década de 1970). Reuniões / discussões intermináveis, varando noites, ela estava entre alguns dos que não mediam esforços para dar corpo à ideia de criação da Associação. Naquele momento, essa entidade representaria mais um espaço de organização, na batalha por afirmação de um lugar para o “sociólogo”; e, de algum modo, essa luta associava-se às tentativas de regulamentação da profissão.
Além da sua participação em outros movimentos da cidade, em tempos de ditadura, enfatizo ainda a disposição de Dôra para o trabalho, demonstrada ao longo de onze meses em que nos envolvemos nos preparativos para sediarmos, na UFC, a 41ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC, 1979). Não é demais repetir: a SBPC se constituía, então, num importante fórum de discussão política no País.
Mais tarde, quando, seguindo o caminho da SBPC nacional, a SBPC-CE se empenhou na criação da Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa (FUNCAP), mais uma vez contamos com a participação ativa de Dôra nas discussões e nos encaminhamentos.
No Movimento Docente, Dôra se inseriu desde a primeira hora nas reuniões e debates que resultaram na criação da nossa ADUFC (Associação dos Docentes da UFC, posteriormente sindicato), ocupando, algum tempo depois, o cargo de Presidente.
Enfim, em diferentes ocasiões e situações diversas, Dôra se manteve como a mesma pessoa coerente no plano político, demonstrou inarredável compromisso com a Universidade e, particularmente, com o nosso Departamento e com o curso de Ciências Sociais, empenhando-se em atividades que visassem a melhoria da qualidade do ensino e a liberdade de pesquisa, mesmo que isso implicasse algum sacrifício de ordem pessoal.
Para concluir, lembro a sua generosidade, nos recebendo festivamente no maravilhoso sítio da família, no Eusébio, para a Festa de Santo Antônio, com direito a dança até o amanhecer.
No seu jeito meio moleque de ser, Dôra sempre encarou, simultaneamente, com muita seriedade e leveza, o trabalho como professora. Assim, entregava-se a discussões intermináveis, no âmbito do Departamento (sobre: currículo; avaliação da aprendizagem; critérios de seleção para ingresso na pós-graduação, etc., etc.) e, com o mesmo vigor, se engajava no “prolongamento do dia”, num barzinho, num café, na sua casa ou na casa de um colega. Este seu jeito de ser faz dela uma pessoa muito especial e uma companhia muito agradável, seja qual for o rumo da conversa.
Sugestões de obras da autora:
CARVALHO, R. M. V. A. (Org.); LEMENHE, M. A. A. L. (Org.). Teoria e Pesquisa em Ciências Sociais: Percursos Possíveis. 1ª. ed. Fortaleza: Edições UFC, 2008. v. 1. 256p.
LEMENHE, M. A. A. L. Cultura política e processos de legitimação. In: Beatriz Maria Alasia de Heredia. (org.). Continuidades e rupturas na política cearense. Campinas: Pontes Editores, 2008, p. 15-37.
LEMENHE, M. A. A. L. Uma carreira política e vários modos de legitimação. In: Moacir Gracindo Palmeira; César Barreira. (org.). Política no Brasil: visão de antropólogos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006, p. 235-254.
LEMENHE, M. A. A. L.; CARVALHO, Rejane Maria Accioly Vasconcelos (Org.). Política, cultura e processos eleitorais. Fortaleza: Konrad Adenauer, 2006. 277p.
BARREIRA, Irlys Alencar Firmo (Org.); LEMENHE, M. A. A. L. (Org.). Além das fronteiras: região, políticas públicas e dinâmicas institucionais. São Paulo: Terceira Margem, 2001. v. 01.
LEMENHE, M. A. A. L. Família Tradição e Poder: o(caso) dos coronéis. 1ª. ed. São Paulo: AnnaBlume, 1996. v. 01. 250p.
[1] Na UFC, as discussões iniciadas no então Departamento de Ciências Sociais e Filosofia se difundiram por outras unidades da instituição, levando, anos mais tarde, à escolha para o cargo de reitor, com base em consulta à comunidade universitária, com a participação de docentes, discentes e técnicos administrativos.