Por Sayonara Leal (UnB)
Nascida em 12 de junho de 1954, na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul (RS), Maíra Baumgarten é autora de uma trajetória de vida marcada por engajamentos nas áreas acadêmica, artística e cultural. Professora associada da Universidade Federal de Rio Grande (UFRGS), a cientista social gaúcha fez mestrado e doutorado em Sociologia na mesma universidade e departamento onde se tornou, mais tarde, docente e pesquisadora
A carreira profissional e acadêmica de Maíra é atravessada pelo diálogo entre pesquisa e experiência na gestão de políticas públicas em órgãos governamentais. Foi vice-diretora da Escola de Saúde Pública (1986-1989) e Assessora de Planejamento da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul (1989-1991). Atuou nos programas de Pós-Graduação em Sociologia e no de Políticas Públicas da UFRGS (1998-2020). Presidiu o Conselho Deliberativo da Fundação Piratini de Rádio e Televisão (gestão 2017-2018), foi Conselheira eleita da Sociedade Brasileira para o Progresso Ciência (SBPC) (2017-2021) e Presidente da Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias (ESOCITE/BR) (2019-2021). Com a aposentadoria, Maíra tem investido fortemente em projetos culturais, se dedicando a pesquisas e releituras de exemplares de nosso acerco musical brasileiro.
Podemos destacar o seu engajamento, nos anos 1970, no prematuro movimento feminista no Brasil, via SOS Mulher no Rio Grande do Sul, atendendo mulheres vítimas de violência, atuando na criação do Centro de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher, no estado. Na área de saúde, nos anos 1980, trabalhou na Secretaria de Saúde do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, logo no início da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), coordenando a Política de Atenção à Saúde da Mulher e na vice-diretoria da Escola de Saúde Pública de seu estado, onde contribuiu na implantação do setor de divulgação científica de doenças, sendo agente de destaque no movimento regional da Reforma Sanitária, na época, em curso em todo país.
Maíra contribuiu na elaboração de políticas de CT&I quando ingressou na Secretaria Extraordinária para Assuntos de Ciência e Tecnologia do RS, onde foi responsável por atividades de planejamento da Fundação de Amparo do Estado (FAPERGS), em articulação com o parlamento estadual e universidades do Sul do país. E ainda atuou na implementação do Sistema Estadual de Informações e Divulgação de Ciência e Tecnologia. De suas experiências profissionais no setor público, nos anos 1990, surgiram os seus objetos de estudos de pós-graduação, pioneiros no campo das ciências sociais brasileiras, até então.
No mestrado, a investigadora se volta para as políticas de ciência e tecnologia em saúde no Rio Grande do Sul, e, no doutorado, se debruça sobre as políticas de ciência e tecnologia no Brasil. Maíra tornou-se um dos nomes mais conhecidos da sociologia da ciência, tecnologia e inovação no país em função da originalidade e expressividade de suas contribuições para a disciplina, sobretudo, pelo seu interesse em privilegiar o tema da geopolítica do conhecimento, com o foco no contexto latino-americano, atuando, principalmente, nos seguintes temas: políticas públicas, divulgação científica, tecnologias sociais e ciência e sustentabilidade.
A cientista social é defensora de uma sociologia ajustada às situações e especificidades da nossa cultura, postulando uma “redução sociológica” em relação ao tratamento de nossos objetos de pesquisa circunstanciados no Sul Global. Subjacente a esses estudos, a investigadora relaciona sustentabilidade natural e social, preocupações com as desigualdades sociais e solidariedade em suas reflexões sobre a relação entre ciência, tecnologia e sociedade sob o modo de produção capitalista. Nos termos de Maíra, “Esse é, me parece, o limite da crítica à normatividade na ciência. Não estudo por curiosidade, para avançar o conhecimento ou qualquer dessas des-razões, estudo porque quero entender o que somos e o que podemos ser. Porque não creio em determinismos e porque o mundo é algo que construímos, mas a partir de alguns condicionantes que devem ser conhecidos se quisermos agir.”. (NEVES, 2022, p. 20).
Maíra traz duas importantes contribuições teóricas para a sociologia da CT&I brasileira ao propor os conceitos de coletividade científica e o de inovação social. O primeiro redefine o lugar da produção do conhecimento, se dissociando da noção mertoniana de comunidade científica (MERTON, 1968a; 1968b), caracterizada por orientações éticas universais de fabricação da ciência normal e adota uma concepção mais compatível com a diversidade e o conflito típicos desses lócus. (BAUMGARTEN, 2004). Já no segundo desenvolvimento, a autora define inovação para além da abordagem schumpeteriana, se descentrando do enfoque economicista e destacando a dimensão social da apropriação e produção da ciência e da tecnologia por coletividades produtoras de saberes eartefatos. (BAUMGARTEN, 2008).
Uma outra característica marcante na carreira acadêmica de Maíra Baumgarten é o seu investimento na condução e fortalecimento de grupos de trabalho que sediam apresentações de pesquisas na área de CT&I, em congressos de ciências sociais, tais como Congresso Brasileiro de Sociologia (SBS), ANPOCS, Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS) e, maisrecentemente, no Simpósio ESOCITE.BR. Nestas duas últimas entidades, ela coordena os GTs “Ciencia, tecnología y innovacion” e “Ciência, tecnologia e inovação social”, respectivamente.
O interesse da pesquisadora em promover espaços de divulgação de investigações científicas também envolve a sua participação no desenho do projeto editorial do importante periódico em ciências sociais, Sociologias, criado em 1999, do qual foi uma das editoras, até 2017. Integrou, até 2019, a Comissão Assessora ao Programa de Apoio à Edição de Periódicos da UFRGS.
Entre seus trabalhos mais conhecidos, podemos citar o livro Conhecimento e Sustentabilidade. Políticas de ciência, tecnologia e inovação no Brasil contemporâneo, de 2008, onde a autora discute a relação entre políticas públicas de CT&I no país e o desenvolvimento capitalista, em distintos momentos históricos e políticos, entre 1946 e 2002. Neste trabalho, Maíra joga luz sobre os atores sociais relevantes brasileiros na produção e incentivos ao desenvolvimento tecnocientífico no Brasil e a infraestrutura edificada por suas práticas que alicerça a produção de conhecimentos. A publicação sugere uma agenda para pensar sustentabilidade e CTI no país.
Mais recentemente, Maíra Baumgarten tem coordenado projetos de pesquisa, de divulgação científica e culturais, atuando na linha de frente do Laboratório de Estudos e Divulgação de Ciência, Tecnologia e Inovação Social da UFRGS. Nos últimos anos publicou, organizou e editou diversos livros e coordena a Série Cenários do Conhecimento (Editora da UFRGS). Editora Emérita da Revista Sociologias e integra o Comitê Editorial da Associação Latino Americana de Sociologia (ALAS) como Co-editora e o Comitê Editorial da Revista Ciência Hoje, bem como diversos comitês de periódicos científicos e de divulgação de ciência nacionais e internacionais. É membro do Conselho Deliberativo da ESOCITE-BR. E na área cultural, é curadora do Clube da MPB, em Porto Alegre (RS), um projeto de valorização e divulgação da música popular brasileira.
Maíra Baumgarten nos ensina que uma vida inteligente extrapola os limites do espaço acadêmico e na fronteira dos conhecimentos reinventa a sua biografia na busca da intersecção entre a arte e a ciência. A pesquisadora tem desenvolvido experimentos culturais exercendo as suas potencialidades investigativas ao promover estudos e resgates de obras da música brasileira e da literatura. O resultado desemboca em suas perfomances artísticas na interpretação de peças do nosso patrimônio musical e no registro de canções autorais. Diz a cientista social: “A relação mais íntima entre as coisas que faço talvez esteja naquilo que os estudos sociais da ciência exigem: o exercício da transdisciplinaridade, a perspectiva da complexidade. A música é, além de arte, também ciência, exige estudo, dedicação e é, como gosto, um grande desafio, além de um prazer.” (NEVES, 2021, p.32).
Sugestões de obra da autora:
BAUMGARTEN, M. Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, alguns caminhos. In: Maíra Baumgarten, Julia Guivant. (Org.). Ciência e tecnologia na sociedade brasileira do limiar dos anos 2020 — notas para reflexão. 1ed.Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2021, v. 1, p. 12-16.
______. Redes de e Apropriação. In: Griebeler, Marcos Paulo Dhein; Riedl, Mario; (Orgs.). (Org.). Dicionário de Desenvolvimento Regional e Temas Correlatos. 1ed.Porto Alegre: Conceito, 2017, v. 1, p. 366-371.
_____. Fazer ciência na periferia: internacionalizar é preciso?. In: Maíra Baumgarten. (Org.). Sociedade, Conhecimentos e Colonialidade. Olhares sobre a América Latina. 1ed.Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016, v. 1, p. 151-168.
_____. Sociedade e Colonialidade: construindo conhecimentos ao Sul. In: Maíra Baumgarten. (Org.). Sociedade, Conhecimentos e Colonialidade. Olhares sobre a América Latina. 1ed.Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016, v. 1, p. 13-20.
Sobre a autora:
NEVES, F. Entrevista Profª. Maíra Baumgarten. In: CTS em Foco. CTS em debate construindo uma agenda brasileira. Volume 2, número 1, 2021. Disponível em:
https://www.esocite.org.br/wp/wp-content/uploads/2022/02/CTS-em-foco-V2.N1.pdf .