Por Juliana Gonzaga Jayme (PUC-Minas)
A carreira de Magda Neves corre paralelamente à sua atuação política, como a de muitas/os sociólogas/os. Desde o início, ela vem contribuindo com o campo de conhecimento em gênero, especialmente em sua relação com o trabalho e com o urbano. Mas sua trajetória é marcada também pela militância nos movimentos feminista, sindical e pela anistia. Este texto, então, vai se tecendo entre a pesquisa, a docência e a ação política.
Magda nasceu no Rio de Janeiro, mas é como se mineira fosse tendo se mudado para São João D’El Rei aos seis meses. Fez a graduação em Serviço Social na Universidade Federal de Juiz de Fora entre 1964 e 1968. Participou da criação do Diretório Acadêmico do Serviço Social, do qual foi presidenta, integrou a diretoria do DCE daquela Universidade e mais tarde se filiou à Ação Popular.
Em 1969 se mudou para Belo Horizonte, onde começou a trabalhar como assistente social. Em 1970 iniciou o mestrado em ciência política da UFMG. Entre leituras para o mestrado e reuniões com companheiros/as da Ação Popular, Magda atravessou os anos 1970 e 1971, quando foi presa, no mês de dezembro, sendo enquadrada, em 1972 pelo decreto 477 e, portanto, expulsa do mestrado[1].
Em 1972 começou a trabalhar como docente na PUC Minas. Sob constante perseguição, em 1973 foi com a família para a França, onde ficou até 1975, voltando para reassumir as aulas na PUC. Em 1976 se demitiu dessa Universidade, iniciando sua carreira como professora da UFMG. Também em 1976 foi uma das fundadoras do Movimento feminino pela Anistia em Minas Gerais.
Além da docência, Magda realizava pesquisas com colegas do Departamento de Ciência Política. Em 1979, com Michel Le Ven e Carlos Roberto Horta, criou o Laboratório de Movimentos Populares Urbanos, inaugurando um novo tema de pesquisa no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFMG. Naquele contexto de ditadura, a cena urbana era ocupada por diferentes movimentos sociais, além das primeiras greves do ABC que questionavam não só a ditadura, mas propunham um novo sindicalismo.
Foi nessa época que ela retomou o mestrado, abortado pelo processo 477. Orientada pelo próprio Michel Le Ven, a pesquisa tinha como tema as relações de trabalho de mulheres operárias da indústria têxtil. A dissertação, intitulada Condição feminina, condição operária – um estudo de caso sobre operárias têxteis foi defendida em 1983. Ela começou, então, ainda no mestrado, uma agenda de pesquisa ligada ao mundo do trabalho, temática que, em seu vínculo com as relações de gênero e com o urbano, se mantém.
Entre o fim do mestrado e o início do doutorado participou de pesquisas sobre trabalho e classe trabalhadora, com foco na indústria automotiva. Integrou grupo de pesquisa com participantes de várias universidades brasileiras e latino-americanas sobre Reestruturação produtiva e resposta sindical. Michel Le Ven foi um parceiro importante de pesquisa, com quem Magda também movimentou o Departamento de Ciência Política da UFMG com intensos debates sobre o tema do sindicalismo. Nessa época, ambos passaram a integrar a GERPISA – “Groupe d’Etudes et Recherche Permanent sur la l’industrie et les salaries d`automobile” –, rede que reunia pesquisadores da indústria automobilística do mundo inteiro.
Ainda nos anos 1980, participou da criação de dois importantes núcleos de pesquisa na UFMG: o NEPEM – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher – e o NESTH – Núcleo de Estudos sobre o Trabalho Humano, aos quais esteve ligada, a partir de suas pesquisas acadêmicas, além de projetos de extensão. Quando da comemoração dos 30 anos do NEPEM foi homenageada pela sua contribuição na consolidação do Núcleo. Por meio dos núcleos organizou diferentes seminários e cursos com a temática do gênero, do trabalho, e do sindicalismo. Entre 1994 e 1998 foi diretora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas- FAFICH/UFMG, tendo se aposentado da UFMG em 1998.
O doutorado foi realizado no Programa de Pós-graduação em Sociologia da USP entre 1986 e 1991, com um período sanduíche em Paris, no núcleo de pesquisadoras sobre mulher e trabalho, o GEDISST/ CNRS. Na USP conheceu Helena Hirata, que muito contribuiu para seus estudos sobre divisão sexual do trabalho e, posteriormente, sob orientação de Danièle Kergoat, consolidou sua formação nesta temática. Em Paris também teve início uma interlocução profícua com Michele Perrot, o que foi fundamental para a compreensão da presença da mulher na história. A tese Uma história outra. Uma outra história. As trabalhadoras de Contagem, orientada por Elisabeth de Souza Lobo[2], foi defendida em 1991 e publicada pela Vozes em 1995 com o título Trabalho e Cidadania: as trabalhadoras de Contagem.
No mesmo ano em que se aposentou, foi para a PUC Minas, integrando a equipe do IRT- Instituto de Relações do Trabalho daquela Universidade, onde deu continuidade aos seus estudos sobre o mundo do trabalho, além de participar da comissão de criação do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, fundado em 1999 e do qual foi coordenadora por dois mandatos, entre 1999 e 2005. Na PUC Magda manteve sua agenda de pesquisa nas relações de gênero e de trabalho em sua interface com a cidade, tendo publicado em livros e periódicos os resultados dessas pesquisas. O trabalho informal, a precarização e a economia solidária foram objetos recorrentes dos seus estudos, estabelecendo parcerias com outras instituições, principalmente, a UNICAMP. Nas duas Universidades, UFMG E PUC Minas, além das pesquisas e das aulas na graduação e na pós, orientou dezenas de teses, dissertações e trabalhos de iniciação científica.
Integrou a direção de diferentes associações científicas, como a ANPOCS, a ALAST e a SBS, tendo participado da organização do XII Congresso da SBS, Sociologia e Realidade: pesquisa social no século XXI realizado na UFMG. Foi conselheira da SBPC e membro do comitê de avaliação da CAPES na área de sociologia. Na ANPOCS foi coordenadora, em parceria com Albertina Costa, do GT “Relações de Gênero”.
Como se vê, Magda é uma socióloga que atuou e atua nesses diferentes espaços com uma inteligência e vivacidade que a escrita de uma “bionota”, infelizmente, não deixa transparecer. O fato é que por onde passa, ela deixa sua marca. Sua alegria e força nos contagiam e lhe conferem uma eterna juventude. Privilegiados/as são as pessoas que, como eu, tiveram a chance de a encontrar pelo caminho.
Sugestões de obras da autora:
Neves, Magda de Almeida. Anotações sobre Trabalho e gênero. IN: Cadernos de Pesquisa, 149. São Paulo. Fundação Carlos Chagas. 2013.
Neves, Magda de Almeida. Os sindicatos dos metalúrgicos em Minas Gerais: desafio dos anos recentes. IN: Souza, Davisson G. e Trópia, Patricia V. (org). Sindicatos Metalúrgicos no Brasil Contemporâneo. Belo Horizonte, Fino Traço Ed. Ltda. 2012
Neves, Magda de Almeida. Dilema dos empreendimentos solidários: entre a precarização e a inserção social. IN: Georges, Isabel e Leite, Marcia de Paula. (org). Novas configurações do Trabalho e Economia Solidária. São Paulo, Ed. Annablume. 2012.
Neves, Magda de Almeida. Dinâmicas de Trabalho na cidade: informalidade e autogestão. IN: Leite, Marcia de Paula e Araújo, Angela Maria Carneiro. (org) O trabalho reconfigurado. Ensaios sobre Brasil e México. São Paulo, Annablume. 2009.
Neves, Magda de Almeida, Jayme, Juliana Gonzaga e Zambelli, Paulina. Trabalho e cidade: os camelôs e a construção dos shoppings populares. IN: Cunha, Daisy M. e Laudares, João Bosco. (org) IN: Trabalho- Diálogos multidisciplinares. Belo Horizonte. Ed. UFMG. 2009.
Neves, Magda de Almeida. Impactos da reestruturação produtiva sobre as relações capital-trabalho: o caso da Fiat MG. IN: Oliveira, Francisco e Comin, Alvaro (org). Os cavaleiros do antiapocalipse Trabalho e Política na indústria automobilística. São Paulo. CEBRAP/ Ed. Entrelinhas.1999.
Neves, Magda de Almeida e Freitas, Marina. A agenda sindical mineira nas últimas décadas: permanência e desafios. IN: Rodrigues, Iram Jácome. (org) O novo sindicalismo-vinte anos depois. Petrópolis. Ed.Vozes, 1999.
Nabuco, Maria Regina, Neves, Magda de Almeida e Carvalho Neto, Antonio (org) Indústria automotiva: a nova geografia do setor produtivo. Rio de Janeiro. Editora DP&A. Coleção espaços do desenvolvimento.2002.
Dulci, Otavio Soares e Neves, Magda de Almeida. (org) Belo Horizonte: Poder, Política e Movimentos Sociais. Belo Horizonte. Ed. C/Arte. 1996.
[1] Decreto-lei criado por Costa e Silva em 1969 e que previa punição para alunas/os e professoras/es universitárias/os acusadas/os de subversão. Professoras/es eram demitidas/os e proibidas/os de trabalhar em instituições de ensino pelo menos por cinco anos, alunas/os expulsas/os não poderiam frequentar qualquer curso superior pelos próximos três anos.
[2] Pouco antes da defesa da tese, Elisabeth Lobo faleceu em um acidente de carro. Antonio Flávio Pierucci, então coordenador do Programa de Sociologia da USP, assumiu a orientação para que Magda pudesse defender a tese.