Luiza Helena de Bairros

Por Vanda Sá Barreto (CRH-UFBA)

Convivi com Luiza Bairros durante mais de 30 anos, e tudo começou quando, em 1979, Luiza chega para morar em Salvador, vinda de Porto Alegre, onde nasceu em 1953. À época, era como se a Bahia tivesse se tornado uma meca para os/as militantes dos movimentos negros de outros estados. O país estava em um tempo de grande ebulição, decorrente da luta pelo fim da ditadura, pela abertura política.

Esta sua mudança para a Bahia produz uma radical transformação na sua vida, que a leva de uma militância restrita ao Movimento Negro Unificado (MNU) à Ministra de Estado (2010-2014), um processo que, ao longo de sua vida, construiu com brilhantismo.

Todas as pessoas que com ela conviveram são unânimes em afirmar a sua correção ética, o compromisso assumido com a pauta dos movimentos negros, a forma guerreira como saía em defesa dos princípios que adotara na prática política. A vida política de Luiza foi de uma diversidade e riqueza incomensurável, o que torna difícil produzir uma síntese de curto tamanho, sobre sua vida e trajetória.

Como ela detalhou em entrevista, 1979 mudou sua vida, com a vinda para a Bahia, que começou com a mudança do campo profissional, saindo da área de Administração de Empresas para a de Ciências Sociais, iniciando o Mestrado em Ciências Sociais; com o ingresso no MNU; com o conhecer e interagir com Lélia Gonzalez, a partir do que ela trilha uma trajetória muito próxima das proposições elaboradas por essa também grande intelectual negra.

O caminho que ela trilha se baseia no que ela identifica em Lélia: a dimensão do conhecimento para a luta política; a certeza de que o combate ao racismo era a tarefa principal da luta política; a compreensão de que as matrizes culturais brasileiras contêm influência negra quase total; a branquitude seria a forma mais eficaz de racismo e um dos maiores obstáculos a ser vencido. E, por fim, a não existência de oposição entre cultura e política.

Dessa forma, na sua volta dos EUA, onde permaneceu quatro anos cursando o Doutorado em Sociologia na Universidade Estadual de Michigan, empoderada pelas relações que construiu com intelectuais e organizações negras que ampliaram os seus olhares sobre a temática da diáspora, coordenou o Projeto Raça e Democracia, em 2000, uma parceria entre a Associação Nacional dos Cientistas Políticos Negros (NCOBPS) e o Centro de Recursos Humanos –CRH da UFBA. (2000).

Na sequência, Luiza abriu um novo e amplo campo de atuação política: a construção de políticas públicas nacionais contra o racismo. Começando com a aceitação de convite do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para a coordenação da elaboração da agenda da delegação brasileira do campo dos movimentos sociais à III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as formas conexas de Intolerância (2000-2001); para coordenar a formulação de um substitutivo ao Projeto de Lei que instituía o Estatuto da Igualdade Racial pela Câmara Federal (2003); para coordenar o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI) (2002 a 2005) poderosa articulação a partir de uma parceria do Governo Brasileiro com o Programa de Cooperação do Governo Britânico para o Desenvolvimento Internacional (DFID). Essa ação contou, dentre outros, com a participação da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), Ministério Público Federal, Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e das Prefeituras de Salvador e de Recife, cidades onde o PCRI foi implementado.

Percorrida esta trajetória, Luiza estava cacifada com muitas das condições técnicas e políticas para alçar voos mais altos. A passagem pela Secretaria da Promoção da Igualdade do Governo Bahia (SEPROMI) (2008-2010), como Secretária, completou esse percurso, razão pela qual foi levada ao cargo de Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR) (2011 – 2014), quando comandou a construção de diversos instrumentos de gestão para a implementação do Estatuto da Igualdade Racial, com destaque para os capítulos das Cotas Raciais. Também deixou organizada a estrutura do Plano Plurianual (PPA), nele definindo os programas de combate ao racismo, pela primeira vez assim nominados, ou seja, sendo usado o conceito de racismo, racismo institucional, transformados em Programas.

Faleceu em Porto Alegre em 2016.

Esta é uma pequena parte da biografia de uma extraordinária mulher negra brasileira, que enfrentou o racismo e a desigualdade racial com coragem, competência e carisma. No livro que eu, Vanda Sá Barreto, escrevi, sobre o pensamento político de Luíza Bairros, Sueli Carneiro assim a definiu:
Luiza era sempre o primeiro nome, que nos ocorria, para assumir qualquer posição relevante na esfera pública, pela excelência técnica, por seu compromisso político, pela sua coerência e resiliência; sabíamos que onde quer que ela estivesse emprestaria absoluta dignidade e competência à representação negra.

Aí está o reconhecimento de Sueli Carneiro, em texto que representa o papel que todas nós militantes atribuímos a Luíza, uma mulher que marcou a vida política do país, como nenhuma outra.

Sugestões de obras da autora:

BAIRROS, Luiza (org.). Raça e Democracia nas Américas [Dossiê]. Caderno CRH, Salvador, Centro de Recursos Humanos − UFBA, v. 15, n. 36, pp. 13-8, 2002.
BAIRROS, Luiza. Nuestros feminismos revisitados. Politica y Cultura. México, UAM-X, n. 14, pp. 141-9, 2000.
BAIRROS, Luiza. Orfeu e poder: uma perspectiva afro-americana sobre a política racial no Brasil. Afro-Ásia. Salvador, Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, n. 17, pp. 173-186, 1996.
BAIRROS, Luiza. The Black Question in Brazil: Old Myths and New Challenges”. Conexões – Conexiones, Connexions, Connections, East Lansing, Michigan, v. 4, n. 2, p. 11, 1992.
BAIRROS, Luiza. Mulher negra: o reforço da subordinação. In: LOVELL, Peggy. (org.) Desigualdade racial no Brasil contemporâneo. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR, 1991.
BAIRROS, Luiza, Brazil: Birthplace of Racial Democracy?in DREWAL, Henry J.; DRISKELL, David C. e BROOKS, Aurelia (orgs.)Introspectives: Contemporary Art by Americans and Brazilians of African Descent. Los Angeles: California Afro-American Museum Foundation, 1989. pp. 23-25.
BAIRROS, Luiza. Lembrando Lélia Gonzalez 1935-1994. Revista Afro-Ásia, Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, Salvador, n. 23, p.347-368, 2000.

Sobre a autora:

BARRETO, Vanda Sá. Luiza Bairros: Pensamento e compromisso político. Belo Horizonte: Autentica, 2021. (Cultura Negra e Identidades)
PINTO, Ana Flávia Magalhães; FREITAS, Felipe da Silva. Luiza Bairros, uma “bem lembrada” entre nós 1953-2016.Afro-Ásia, Universidade Federal da Bahia, n. 55, pp. 213-254, 2017.
ALVAREZ, Sonia E. Feminismos e Antirracismo: entraves e intersecções. Entrevista com Luiza Bairros, ministra da Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial. Revistas Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 2, p.883-850, dez. 2012.