Por Andréa Borges Leão (UFC)
A socióloga Linda Maria de Pontes Gondim nasceu no dia 17 de julho de 1951, na cidade de Fortaleza. O trabalho entre imaginário, memória e cultura urbana dão os contornos da sua trajetória. Segue uma síntese da originalidade, com estratégias e resultados, de seu legado acadêmico.
Em 1969, Linda Gondim iniciou a formação acadêmica no curso de graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará. A leitura dos clássicos e de modernos autores europeus e norte-americanos, Talcott Parsons e Robert Merton eram os preferidos, fincaram bases sólidas para a sua formação, assim como as práticas em pesquisa qualitativas e quantitativas e o estudo da Sociologia Brasileira. Foi em uma aula do Professor Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes que fez o primeiro contato com a obra de Wright Mills.
A entrada no curso de Ciências Sociais, em plena ditadura civil-militar, possibilitou o encontro com a militância estudantil. A independência crítica dos estudantes, naquelas circunstâncias, provocava a polícia política do regime e não tardavam as denúncias de subversão. Foi assim que o simples protesto contra a retirada de um jornal do mural com notícias sobre a Guerra do Vietnã lhe rendeu uma denúncia de subversão. Dois anos após, foi chamada a depor, com uma colega, em inquérito conduzido por militares. Passou 10 dias detida e até hoje não sabe o porquê.
No final dos anos 1970, concluía o mestrado em Planejamento Urbano e Regional no Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com a dissertação “Integração social nos Conjuntos Habitacionais da Companhia de Desenvolvimento Habitacional da Guanabara (COHAB-GB)”.
Em 1980, ingressava no doutorado da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, defendendo, em 1985, a tese “Planners in the face of power: the case of the Metropolitan Region of Rio de Janeiro, Brazil”. Em Cornell, a leitura que o Professor John Forester, orientador da tese, fez da obra de Jügen Habermas deixou marcas na abordagem intelectual de Linda Gondim. A atualização com as teorias sociais – as lições da Sociologia da Escola de Chicago, por exemplo – foram se articulando, no correr do tempo, às construções de seus problemas de investigação.
Os anos de 1990 marcam o retorno de Linda a UFC, como professora do Departamento de Ciências Sociais, em 1992, e do Programa de Pós-graduação em Sociologia, que então mobilizava um grupo de intelectuais interessados e dispostos ao trabalho de criação do Doutorado. Antes, foi professora visitante do Mestrado de Economia, além de atuar como consultora técnica em órgãos estatais, como o Centro de Estudos e Pesquisas Urbanas e o Instituto Brasileiro de Administração Municipal.
O diálogo com os pesquisadores dos movimentos sociais na perspectiva das práticas emancipatórias do planejamento urbano, em especial com os trabalhos de Elza Braga, Irlys Barreira, Glória Diógenes e Adelita Carleial, assim como a consultoria em órgãos públicos nacionais e internacionais, iniciou um elenco de publicações sobre planejamento participaitvo e gestão democrática. Em 1998, Linda colabora com o Diagnóstico do Plano Estratégico da Região Meropolitana de Fortaleza.
A docência e a pesquisa em Sociologia Urbana proporcionaram uma rica interlocução com a área de Arquitetura e Urbanismo. O Laboratório de Estudos da Cidade, grupo de pesquisa liderado por Linda, desde 2002, foi concebido em perspectiva interdisciplinar, marcada também pela atuação da socióloga-planejadora no Mestrado em Arquitetura, Urbanismo e Design da UFC. O reconhecimento pela sua atuação veio com a indicação para representante da subárea de Planejamento Urbano e Regional do Comitê Assessor das Áreas de Arquitetura, Urbanismo, Demografia, Geografia Humana e Planejamento Urbano do CNPq. Alguns anos após, é convidada a compor a Câmara de Assessoramento Técnico e Científico na área de Ciências Sociais Aplicadas da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
O processo de amadurecimento acadêmico, em Linda Gondim, opera deslocamentos conceituais de mão-dupla entre o passado e o presente. Prova é o seu interesse, sempre renovado, pelo desenvolvimento da metodologia de pesquisa em Ciências Sociais. O trabalho sobre a produção de imagens da moderna cidade de Fortaleza, no Centro Dragão do Mar, faz uma incursão na construção social da memória. As fraturas urbanas, os conflitos socioambientais, as desigualdades das favelas e a habitação popular, a exemplo do bairro da Praia de Iracema, desde o século XIX, não escaparam à sua atenção.
Nos últimos anos, tem se dedicado ao estudo das relações entre memória e biografia. Como homenagem ao centenário de nascimento de sua avó, a pianista Maria de Loudes Gondim (1901-1987), publica o livro “Uma dama da Belle Époque de Fortaleza”. O recurso ao passado e a escrita biográfica operaram outro deslocamento temporal. O interesse pelas lembranças enquanto testemunhos de processos, na verdade, remonta ao início da década de 1980, quando usou, na pesquisa da tese, a memória dos planejadores urbanos do Rio de Janeiro para acessar as conjunturas dos governos Almirante Faria Lima (1975-1979) e Chagas Freitas (1979-1983). Os documentos oficiais apresentavam os acontecimentos em estado fixo, como produtos acabados. Não poderiam satisfazer a Linda Gondim, que sabe muito bem conjugar memória afetiva e objetividade científica e, além de tudo, sempre buscou os devires em movimento.
Sugestões de obras da autora:
GONDIM, Linda Maria de Pontes. Uma dama da Belle Époque de Fortaleza. Imaginário, memória e cultura urbana. 1. ed. Fortaleza: Gráfica LCR, 2001. v. 1. 164p.
GONDIM, Linda Maria de Pontes. O Dragão do Mar e a Fortaleza Pós-Moderna: cultura, patrimônio e imagem da cidade. São Paulo: Annablume, 2007.
GONDIM, Linda Maria de Pontes. Meio ambiente urbano e questão social: habitação popular em áreas de preservação ambiental. Cadernos do CRH. Salvador, v. 5, p; 115-130, 2012.
GONDIM, Linda Maria de Pontes. Lições da Escola de Sociologia de Chicago para a pesquisa urbana contemporânea no Brasil. In: Bianca Camargo Martins. (Org.). Arquitetura e Urbanismo: Competência e Sintonia com os Novos Paradigmas do Mercado. 1ed.Ponta Grossa-PR: Atena Editora, 2019, v. 1, p. 1-12.
GONDIM, Linda Maria de Pontes. A prática da pesquisa artesanal: instrumentos, estratégias e narrativas. 1. ed. Curitiba: Editora CRV, 2021. v. 1. 296p.