Por Magda de Almeida Neves (UFMG/ PUC MINAS)
Leila Maria da Silva Blass nasceu em São Paulo, em 1944, e nos deixou em 2017. Pertencia a uma família de três irmãos, da qual era a mais nova. Teve dois filhos Alexandre e Tatiana.
Fez sua graduação em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, onde se formou em 1971. Nesta mesma universidade realizou seu Mestrado em Ciência Política, concluído em 1982, e Doutorado em Sociologia em 1990.
Sua preocupação com a redemocratização do Brasil, a inserção dos trabalhadores no local de trabalho e suas lutas, assim como a organização sindical, foram os motivos que a levaram a se dedicar a estudos e pesquisas sobre estes sujeitos. Para dar suporte às suas inquietações teóricas, além de autores da Sociologia do Trabalho, teve como esteio para suas questões, o historiador Edward Thompson, cuja obra “A formação da classe operária inglesa”, influenciou estudiosos do mundo do trabalho, nesta época.
A pesquisa sobre o trabalho, os trabalhadores e suas lutas foram o principal foco de suas pesquisas. Na dissertação de Mestrado procurou estudar os trabalhadores gráficos de São Paulo. Sua dissertação “Imprimindo a própria história- o movimento dos trabalhadores gráficos em São Paulo no final dos anos 1920’, foi publicada, posteriormente. No doutorado esta preocupação de tornar visível a organização dos trabalhadores e suas reivindicações, que desde o final dos anos 1970 ocupavam a cena política no Brasil, tornou-a responsável por uma das principais obras sobre a greve dos bancários de 1985. Orientanda de Elizabeth Souza Lobo, encontrou nesta extraordinária professora e pesquisadora da Sociologia do Trabalho na USP, um diálogo fértil e imprescindível para dar conteúdo as suas indagações. Quando da perda de Beth Lobo, num trágico acidente de carro, ela escreveu uma homenagem à sua orientadora e seu texto “Agora sou uma estrela” foi publicado na Revista Tempo Social, da Sociologia da USP.
Mas, estimulada por sua orientadora e procurando aprofundar suas reflexões sobre o tema, se inscreveu para uma bolsa sanduiche no GEDISST/CNRS, em Paris, onde teve a oportunidade de desenvolver, no contato com Danièle Kergoat , Helena Hirata e outras pesquisadoras do grupo, suas inquietações sobre a divisão sexual do trabalho e as relações de gênero.
Em 1998, voltou ao GEDISST/CNRS para um pós doutoramento, e neste mesmo ano, frequentou o Centro de Estudos Sociais, na Universidade de Coimbra, onde foi orientada nos seus estudos por Boaventura de Souza Santos. Posteriormente, voltou a Portugal, em 2003/2004 no Instituto de Ciências Sociais na Universidade de Lisboa. Esta ida à Lisboa lhe suscitou um outro tema de pesquisa e em parceria com José Machado Pais, professor desta instituição, desenvolveu o projeto – Tribos urbanas: produção artísticas e identidades. Neste projeto ampliou seu foco de análise, sendo que o objetivo do estudo foi o de investigar as relações entre a produção artística e a construção de identidades.
Em parceria com José Machado Pais desenvolveu várias pesquisas e publicações na área da Sociologia da Vida Cotidiana. Desde a pesquisa de doutorado, quando estudou a greve dos bancários, ela já percebia o caráter festivo nas lutas destes trabalhadores, com um forte congraçamento coletivo que contribuía para o fortalecimento da identidade de classe. A partir deste encontro com Andrade Pais procurou lançar seu olhar para a vida cotidiana, e as escolas de samba passam a ser seu objeto de análise. Interessante notar que vai estar preocupada em perceber todo o processo de produção de uma escola de samba, e quem são os trabalhadores que produzem a festa. Um dos seus objetivos seria refletir sobre a chamada noção moderna do trabalho, muitas vezes qualificada como relação de emprego. Mas, ao adentrar nesta realidade, como pesquisadora atenta aos indícios do universo estudado, ela se depara com o que vai denominar “a força da idade” e os “guardiões do samba”. E, se interroga sobre as tradições culturais herdadas da cultura africana. O encontro com os “guardiões do samba” e todo um processo de preservação da herança cultural presente nos desfiles, suscitaram uma série de indagações sobre a velhice. Nesta perspectiva, seu último projeto se insere no debate contemporâneo em torno da ideia de velhice ativa, de práticas de trabalho envolvendo saberes acumulados, e na trajetória de vida destes sujeitos. Além de diversos livros publicou também, inúmeros artigos em periódicos e capítulos de livros.
Sua vida foi dedicada à docência e a pesquisa. Foi professora da PUC de Campinas, da UNESP e por fim se fixou na PUC São Paulo, no departamento de Ciências Sociais, na graduação e pós graduação, onde trabalhou desde 1985 até o ano de sua morte. Obteve a livre docência em 1999 com a tese intitulada “De volta ao futuro. O discurso empresarial e sindical no fim da Autolatina”. Posteriormente tornou-se professora titular. Ocupou vários cargos institucionais contribuindo de diversas maneiras com os cursos aos quais se dedicou com competência. Era líder do grupo de estudos, “Trabalho, Trabalhadores e trabalhadoras” (NETT) registrado no diretório de grupos de pesquisas do CNPQ. Ministrou diferentes disciplinas na graduação e na pós-graduação como: “Sociologia do Trabalho”; “Trabalho e sociedade, velhos temas e novas questões”; “Trabalho, emprego e vida cotidiana: imagens e representações”; “Vida cotidiana e sociedade: a questão contemporânea do trabalho”; entre outras.
Participou da diretoria da SBS de 1994/1997 onde se dedicou com entusiasmo no crescimento da Sociedade e na sua consolidação. Foi também diretora da Associação de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa, 2000/2002.
Leila Maria da Silva Blass nos deixou em 2017, mas seu legado de pesquisadora arguta e professora dedicada deixou uma marca indelével não só nos seus colegas, mas nos seus inúmeros alunos e, principalmente, nos seus orientandos mestres e doutores, professores em diversas universidades do Brasil.
Sugestões de obras da autora:
BLASS, Leila Maria da Silva. Desfile na Avenida-Trabalho na Escola de Samba: a dupla face do carnaval. São Paulo: Annablume, 2007.
BLASS, Leila Maria da Silva. Ato de Trabalhar: imagens e representações. São Paulo: Annablume, 2006.
BLASS, Leila Maria da Silva. ; PAIS, Machado. Tribos Urbanas: produções artísticas e identidades. São Paulo: Annablume, 2004.
BLASS, Leila Maria da Silva. De volta ao futuro. O discurso empresarial e digital no fim da Autolatina. São Paulo: EDUC-Cortez- FAPESP,2001.
BLASS, Leila Maria da Silva. Estamos em greve! Imagens, gestos e palavras do Movimento dos Bancários. São Paulo:Hucitec,1992.
BLASS, Leila Maria da Silva. Imprimindo a própria história: o movimento dos trabalhadores gráficos de São Paulo, no final dos anos 20. São Paulo: Loyola,1986.