Por Cristina Filgueiras (PUC-Minas)
Leda nasceu em novembro de 1944 em Juiz de Fora, Minas Gerais. O pai, funcionário de uma indústria gráfica, gostava de ler e influenciou a filha no hábito da leitura de livros e acompanhamento diário da imprensa nacional. A mãe, costureira e modista, foi grande incentivadora na sua escolaridade e nas dos seus dois irmãos: os três filhos completaram o ensino superior e a pós graduação.
Participou da Juventude Estudantil Católica em contato com setores progressistas, engajando-se nos grupos de reflexão e de trabalho social. A entrada na universidade ocorreu em 1964 em Juiz de Fora, no curso de Serviço Social, formando-se em 1968. Leda interessou-se sobretudo pelas disciplinas de história, filosofia, política e sociologia, ademais dos estágios em entidades sociais e órgãos públicos. Especialmente marcante foram os estágios, aprendizado prático para o Serviço Social: “Tínhamos de conhecer essas organizações, elaborar relatórios…”[1]. Após a graduação, nunca exerceu a profissão de assistente social, porém essas práticas deixaram-lhe importante referência.
Recém-formada, trabalhou em investigação sobre relações do trabalho na indústria têxtil em Juiz de Fora, coordenada pela antropóloga Andréa Loyola. Para isso lhe foi pedido ler textos de sociologia do trabalho e sobre procedimentos de pesquisa. Seu desempenho ao entrevistar os trabalhadores e elaborar relatórios foi muito elogiado. “Foi assim que cheguei à sociologia!”.
O primeiro emprego foi como integrante da equipe de uma pesquisa para a Secretaria do Trabalho do governo da Bahia, sobre pequenos produtores e artesãos rurais no Vale do São Francisco: “Percorremos de fusca todo o São Francisco baiano, durante o ano de 1968, realizando entrevistas com artesãos e camponeses. Ali foi que descobri o mundo rural!”.
Essa experiência foi essencial para a sua seleção, em 1969, na segunda turma do mestrado, com bolsa do CNPq, em Extensão Rural da antiga UREMG-Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, federalizada em junho de 1969, como Universidade Federal de Viçosa (UFV)[2]: “Era um ambiente majoritariamente de homens. Eu era uma das poucas alunas mulheres e a única que não vinha das ciências agrárias nem era extensionista rural”. Em agosto de 1972 defendeu a dissertação “Construção de uma escala de nível de vida para proprietários e trabalhadores rurais do município de Uruçuca, Bahia”.
Em setembro de 1974 iniciou o doutorado em sociologia na Universidade de Purdue (estado de Indiana, Estados Unidos) com bolsa da USAID. Transferiu-se em 1975 para o departamento de Agricultural Economics and Rural Sociology da The Ohio State University, em Columbus, para o doutorado em Sociologia Rural, cursando boa parte das disciplinas no Departament of Sociology: “Foi em Ohio que comecei a ter contatos majoritariamente com sociólogos, em um departamento enorme, com muitos cursos e onde era estimulada a conexão entre sociologia teórica, sociologia empírica Ali estudou teorias sociológicas clássicas e contemporâneas e fez diversos cursos de metodologia, e sobre o mundo rural.
Nos anos 1970 Leda vivenciou um contexto de muitas oportunidades na educação superior no Brasil com a estruturação de departamentos e da pós-graduação. Tornou-se professora do Departamento de Economia Rural, em Viçosa. A tese em Sociologia “Social organization and change in agricultural technology in Brazil: a sociological analysis of Minas Gerais municipios, 1950-1970” foi defendida em 1978. Para o estudo da modernização tecnológica na agricultura em Minas Gerais, foram analisados dados dos censos agrícolas, utilizando o SPSS, programa ainda não empregado em pesquisas no Brasil. Foram construídos indicadores de mudança tecnológica que revelaram ter havido escassa mudança nesse período na agricultura mineira.
Nos anos 1985-1986 Leda realizou pós-doutoramento na Universidade de Campinas sob supervisão de Maria de Nazareth Baudel Wanderley. Entre 1986 e 1987, foi o membro acadêmico em Minas Gerais da Comissão de Reforma Agrária, no INCRA, criada pelo governo federal para analisar os projetos específicos de desapropriação de áreas no Estado, para fim de reforma agrária. Nessa Comissão, participou na elaboração de pareceres, relatoria de processos e votações. Antes, durante e após esse período estabeleceu e manteve relacionamentos de assessoria ou interlocução com entidades relevantes no tema rural, tais como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, a Federação do Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais, a Comissão Pastoral da Terra, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado Minas Gerais e organizações não-governamentais.
Em 1988 Leda integrou-se ao Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde permaneceu até sua aposentadoria em 1998. Sua experiência em investigação com survey e análise de dados secundários foi decisiva em uma iniciativa que esteve na origem do que, anos depois, se transformaria em um programa de treinamento em metodologia quantitativa desse departamento. Quando se expandia o uso do SPSS em pesquisas nas universidades brasileiras, ela coordenou o primeiro projeto para ensino de metodologia em ciências sociais utilizando a informática.
Na UFMG Leda vinculou-se ao Centro de Estudos Rurais, colaborando em atividades de extensão e investigações realizadas para o governo mineiro. Seus conhecimentos práticos em pesquisa fortaleceram esse núcleo dedicado à sociologia rural. Nesse contexto, coordenou investigação sobre as lutas pela terra no Noroeste de Minas Gerais.
Sua prática como docente universitária se iniciou nos anos 1970 com aulas de metodologia de pesquisa e sociologia rural para estudantes de mestrado em Economia e em Extensão Rural, e estudantes de graduação em ciências agrarias, na UFV. Nessa universidade e depois, na UFMG, orientou 18 dissertações, que abordam temas como modernização tecnológica entre agricultores familiares, avaliação de políticas públicas para o campo, conflitos agrários e luta pela terra, entre outros. Na UFMG, ao lecionar em diversos cursos de graduação, demonstrou sua grande capacidade para motivação dos alunos para compreensão da contribuição da sociologia em sua formação profissional. No curso de Ciências Sociais, além do ensino no ciclo básico, sua experiência como professora de metodologia foi fundamental na disciplina preparatória para os trabalhos de conclusão de curso. teses sobre organização política de grandes produtores rurais e sobre populações atingidas pela construção de barragens.
No final dos anos 1990, Leda passou a atuar como voluntária no Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva-CEDEFES, organização não-governamental cujo nome homenageia um trabalhador rural e sindicalista assassinado em 1984 no Vale do São Francisco. Ela contribuiu na ampliação da ação da entidade que, além de ser um centro de documentação e memória da luta popular, passou a desenvolver projetos de formação e assessorias relacionadas à questão agrária, à questão indígena e às comunidades tradicionais quilombolas.
Em seu percurso até a sociologia e na sociologia, Leda transitou em diversos ambientes institucionais e espaços de formação como discente e docente, na articulação entre ensino, pesquisa e extensão universitária, além de manter interlocução com organizações e movimentos sociais. Participou da expansão da pesquisa e dos estudos pós-graduandos sobre o rural no Brasil, um campo pluridisciplinar, inicialmente com maior presença das ciências agrárias e da economia, onde a sociologia se inseriu. Ela sempre atuou na integração das ciências sociais com outros campos de conhecimento e de ação. Deu ampla contribuição na formação de cientistas sociais e no ensino de sociologia para graduandos e pós-graduandos de outras áreas.
Sem dúvida Leda, além de andarilha, é verdadeira espalhadora de Sociologia!
Sugestões de obras da autora:
Castro, Leda Maria Benevello de. Social organization and change in agricultural technology in Brazil: a sociological analysis of Minas Gerais municipios, 1950-1970. Doctoral dissertation, Ohio State University, 1978. Disponível em https://etd.ohiolink.edu/apexprod/rws_etd/send_file/send?accession=osu148707946401852&disposition=inline
CASTRO, Leda Maria Benevello de. Cidadania no campo. Revista do legislativo: indicador, Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, v. 1, n. 0, 1992.
ABOU-ID, Ana Maria. CASTRO, Leda Maria Benevello de. THIEBAU, José Tarcício. Produção científica nas Ciências Agrárias: o caso da Universidade Federal de Viçosa. Revista de Economia Rural, 22(2) :143-159, abr./jun. 1984.
[1]Todas as citações entre aspas são de entrevista de narrativa de vida de Leda Castro realizada por mim em 2021.
[2] Esta instituição foi criada em 1922 pelo governo de Minas Gerais para formação de engenheiros agrônomos e veterinários. Posteriormente surgiram novos cursos e departamentos, incorporando outras áreas importantes para o rural, como o estudo social sobre os agricultores e a extensão rural que buscava ligar a produção técnica da universidade e sua aplicação pelos produtores