Por Dalva Maria da Mota (Embrapa Amazônia Oriental)
Tecelã da ciência e dos afetos, Salete Cavalcanti é paraibana, nascida em Riacho de Santo Antônio (hoje município de Boqueirão) em 6 de outubro de 1947. É filha de Hilda Barbosa Cavalcanti, professora oriunda de uma família de pequenos comerciantes de Pernambuco, e de Adolfo Cavalcanti da Cunha, pequeno proprietário de terras, pecuarista por tradição familiar, no Cariri na Paraíba. Segunda filha de um grupo de sete irmãos, teve uma infância com intensa vivência entre a Paraíba e Pernambuco. Em 1959 prestou o exame de admissão no Colégio Estadual de Campina Grande. A aprovação ocasionou a mudança da família para Campina Grande incentivada pela mãe, persistente defensora da educação universal, da liberdade e da celebração. De 1959 a 1965, Salete Cavalcanti cursou o ginásio e o secundário (na Escola Normal Estadual). Ainda estudante do Pedagógico, aos 17 anos, trabalhou como professora primária contratada pelo Serviço Social da Indústria (Sesi), ministrando aulas aos filhos dos operários de uma fábrica têxtil no bairro operário onde residia.
Em 1967, ingressou na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) no curso de Sociologia Política, que se transformou, em Ciências Sociais, em 1974. Fez parte do Diretório Acadêmico Estudantil (DCE) e sentiu fortemente a restrição das liberdades e a edição do AI-5 em 1968, que culminaram no impedimento da atuação de professores críticos e na cassação do presidente e do vice do DCE. Sob o incentivo da professora Ruth Almeida, abraçou a Antropologia, mas persistiu interessada na Sociologia do Desenvolvimento, opções que enriquecem a sua trajetória intelectual. Em 1969 recebeu um convite do antropólogo Roque Laraia para uma estadia de três meses de verão na Universidade de Brasília, onde se dedicou ao estudo das etnografias clássicas. No mesmo período, participou de um curso sobre estruturalismo com David Maybury-Lewis na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o que rendeu a célebre frase do professor Heraldo Pessoa Souto Maior: “Vi Salete uma menina por estes corredores, ávida por aprender, vinda de Campina Grande”. Na conclusão da graduação, em 1971, não quis colação de grau festiva em protesto contra a cassação dos colegas. O evento ocorreu na secretaria do curso com a presença de seus pais e alguns colegas cassados que estavam retornando. Em 1971 ingressou mestrado em Antropologia no Museu Nacional. Da Paraíba para o Sudeste, múltiplos sentimentos de estranhamento e destaque intelectual. Finalizadas as disciplinas, fez concurso para professora auxiliar na UFPB em Campina Grande, transformada na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) em 2002. Sempre inquieta e situada além do seu tempo, sob a orientação do Professor Roberto DAMATTA, Salete Cavalcanti mergulhou na organização social e política de uma comunidade – o Talhado – recentemente reconhecida como uma comunidade quilombola. Devidamente titulada como mestre em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1975, foi chefe de Departamento na UFPB aos 28 anos de idade. Mais do que isso, notabilizou-se como a “engenhosa arquiteta” do primeiro curso de pós-graduação do Departamento, uma especialização em Sociologia Rural para Áreas Irrigadas em 1977.
Participou ativamente da fundação do Mestrado em Sociologia Rural em 1977. Foi professora da UFPB (de 1973 a 1991), chefe de Departamento, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) e fundadora e tutora do Programa de Educação Tutorial (PET) de Antropologia da mesma universidade. Entre os anos de 1979 e 1982, Salete Cavalcanti cursou o PhD em Sociologia sob a orientação de Bryan Roberts na University of Manchester, Inglaterra. Em sintonia com o debate mundial, a sua tese trata da intervenção do Estado no modo de vida e nas estratégias de sobrevivência dos camponeses do Brejo Paraibano, no tenso equilíbrio entre persistência e ressignificações. Incansável na busca de diálogos transfronteiras, realizou pós-doutorado na University of Wisconsin-Madison em 1988, sob a coordenação do professor Archibald Haller, e em 1988 na Cardiff University no Reino Unido, sob a coordenação do professor Terry Marsden. Em 1992, após 18 anos de vida universitária e 25 de docência, aposentou-se da UFPB. A nova condição não a impediu de continuar com afinco as orientações na UFPB e os compromissos com sociedades científicas. Um ano depois, a sua ligação com Pernambuco foi reforçada pelo convite para ser professora visitante na UFPE, à qual se afiliou, em 1993, como professora por concurso para o Departamento de Ciências Sociais. Posteriormente, após a divisão deste, permaneceu no Departamento de Sociologia e coordenou o PPGS da UFPE de 2002 a 2004.
É professora do PPGA e do PPGS da UFPE. Em 2010, tornou-se professora titular da UFPE, sendo uma das responsáveis pela consolidação e pela internacionalização da área das Ciências Sociais. Foi coordenadora do Doutorado Interinstitucional (Dinter) de Sociologia CAPES/PPGS/UNIVASF (Universidade Federal do Vale do São Francisco) de 2012 a 2016. Sob o amálgama da Antropologia e da Sociologia, ao longo da carreira, manteve diálogos com pesquisadores de universidades de diferentes continentes e, nos anos 90, foi uma das precursoras do debate sobre globalização, agricultura e meio ambiente no Brasil, chamando a atenção para o Vale do São Francisco como lugar de produção de “frutas para o mercado global”, em perspectiva comparada. Salete Cavalcanti pôs na pauta o tema dos trabalhadores rurais e de bens e serviços que, nas chamadas regiões globais de fruticultura, vivenciavam processos migratórios e estavam sujeitos a relações de trabalho frágeis, flexíveis e precárias, desigualdades de gênero e de etnicidade. Os seus estudos versam sobre atores e dinâmicas das relações – tensas e necessárias – entre consumidores, produtores e distribuidores na gestão do mercado nas cadeias globais de alimentos. Ativa participante do Research Committee on Food and Agriculture (RC40) da International Sociological Association (ISA), Salete Cavalcanti amplia a reflexão sobre a globalização nas coordenações do Grupo de Pesquisa Globalização e Agricultura do CNPq e do Laboratório de Estudos Rurais (LAERURAL). O profícuo debate proposto por Salete Cavalcanti evidencia-se nas suas experiências como professora visitante em inúmeras instituições acadêmicas internacionais. A sua produção acadêmica é reflexo de um consistente trabalho de pesquisa, das parcerias em diferentes lugares e instituições, revelando-se essencial à compreensão do papel do Estado para a produção e o desenvolvimento agrícola nos chamados países do Sul em atendimento às demandas exigentes de consumidores do Norte, além das formas de resistência dos trabalhadores. Salete Cavalcanti ressalta e analisa a configuração do setor agroalimentar sob a globalização neoliberal nas últimas três décadas.
Igual vigor, Salete Cavalcanti dedicou à consolidação das instituições acadêmicas e profissionais, desde os primeiros anos de vida universitária, participando de comitês na Capes, CNPq, SBS, ANPOCS, ISA, IRSA, ALASRU e CLACSO. Das inúmeras orientações de iniciação científica, teses e dissertações, seis foram premiadas. Recebeu o Prêmio 2015 Outstanding Author Contribution Award da Emerald Literati Network Awards for Excellence, por artigo publicado; igualmente, recebeu o Prêmio Florestan Fernandes da Sociedade Brasileira de Sociologia e o Prêmio Ricardo Ferreira pelo Mérito Científico da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco, ambos em 2017. Em plena atuação na UFPE, Salete aposentou-se oficialmente em 2020. Na ocasião, 17 profissionais que foram seus orientandos e que vivem em diferentes partes do mundo produziram um vídeo em sua homenagem com depoimentos de agradecimento, admiração e carinho, expressão do que Salete – na docência e na vida – semeou. Em 2021, foi indicada para a Academia Pernambucana de Ciências, da qual é agora uma das novas acadêmicas; e recebeu o Prêmio ANPOCS de Excelência Acadêmica Antônio Flávio Pierucci em Sociologia. Com espírito livre e comprometido, Salete é emérita pela competência, pela ética e pelo afeto.
Sugestões de obras da autora:
BENDINI, M. I.; CAVALCANTI, J. S. B.; LARA FLORES, S. M. Una mirada sobre el campo de la sociología rural en América Latina. In: DE LA GARZA TOLEDO, Enrique (coord.). Tratado latinoamericano de Sociología. Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial; México: Universidad Autónoma Metropolitana – Iztapalapa, 2006. p. 247-263.
BONANNO, A.; CAVALCANTI, J. S. B. Labor relations in globalized food. Bingley, UK: Emerald Group Publishing Limited, 2014. 295 p.
CAVALCANTI, J. S. B. Globalization of Food and Labor: Challenges for Sociology. Revista da Sociedade Brasileira de Sociologia, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 64-78, jul./dez. 2015.
CAVALCANTI, J. S. B. (org.). Globalização, trabalho, meio ambiente: mudanças socioeconômicas em regiões frutícolas para exportação. Recife: Editora da UFPE, 1999. Biblioteca virtual Clacso.
CAVALCANTI, J. S. B.; WANDERLEY, M. N. B.; NIEDERLE, P. A. (org.). Participação, território e cidadania: um olhar sobre a política de desenvolvimento territorial no Brasil. Recife: Editora da UFPE, 2014. 439 p.
BONANNO, A; CAVALCANTI, J. S.B. 2019. State Capitalism under Neoliberalism: The Case of Agriculture and Food in Brazil. 1ª. Ed. Lanham – New York – London: Lexington Books